Do persa, lazward; a semi-preciosidade do lápis-lazuli ruma à preciosidade da safira, à Noite Estrelada de van Gohg, aos Lírios d’ Água Azuis de Monet, à Mulher Melancólica de Picasso… Tranquilidade, sabedoria, confiança, integridade, serenidade, paz, inteligência, poder, segurança, reflexão… Verdade da criação, fogo etéreo. Passividade do não-movimento ou do movimento concêntrico conducente à interioridade humana. Energia de profundidade e afastamento, diz Goethe. Combinações energéticas que demandam a espiritualidade. Céu espelhado no mar… Roubo a “Receita para fazer azul” de Nuno Júdice :
Se quiseres fazer azul, pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande que possas levar ao lume do horizonte; […] Assim o fiz – eu, Abraão Bem Judá Ibn Haim, iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser, algum dia, imitar o céu.
Quero-a e sigo-a. O “lume do horizonte” funde céu e mar na imensa panela dos afectos. A singularidade da blue moon presentificada em o mar da foz . Digo de um livro. Um livro onde o azul casa com o branco em emotivos rodopios. Um livro, uma obra de arte, um objecto estético, um cofre de emoções. Um livro que é uma recolha de poemas por José da Cruz Santos. O prefácio de Miguel Veiga adverte que “não se nasce impunemente no Porto”, e convoca vozes autorizadas de poetas consagrados que ao mar da foz se renderam. São “Raízes da terra [que] estão no mar, no mar da Foz”!
Continuo e, a abrir, emerge do azul marinho um poema de Eugénio de Andrade que vem “dos lados do mar”; a fechar, evade-se do mesmo azul um outro, de Vasco Graça Moura que olha “o lugar certo”. Submersos no azul vêm à tona, fazendo as honras da sala de visitas deste mar de afectos. Guardiães de 30 poemas e de outros lugares nos arredores da poesia erigem-se garantes e zeladores da originalidade e da verdade neles vertidas. Hasteia-se a bandeira azul. São 30 amigos, alguns poetas, grandes poetas, que disseram sim à melifluidade do Zé Cruz Santos. Não os nomeio, a amizade é inominável. Só a linguagem própria do mar os convoca para este azul. Reunidos em torno da sofisticada távola azul, majestáticos e invulneráveis, bloqueiam a vulgaridade, espargem a benquerença. Dizem da eternidade do mar da foz metonímico de um outro de afectos; dizem tranquilidade, sabedoria, confiança, integridade, serenidade, paz, inteligência, poder, segurança, reflexão… Conluiados, em turbilhões sinestésicos, reiteram que na aristocracia de afectos o próprio sangue é azul.
Mesmo no fim, tentando passar despercebido, desvenda-se o enigma deste mar da foz: “miguel / neste dia em que outros verões regressam na memória, / trago-lhe na concha das mãos este poemas / colhidos juntos do mar da foz, e com eles algumas palavras / com raízes no mais belo lugar da terra – o da amizade. são palavras breves, simples, com sabor a pão fresco / como convém às coisas primordiais da vida. / com elas procuro dizer-lhe do raro privilégio e da alegria / de ser contemporâneo de uma pessoa a tantos títulos única / como o Miguel, um desses seres, / como dizia saint-martin no século XVIII, / através de quem deus nos ama. zé”. Magnífica oração persuasora de incréus!
Há livros com histórias. Neste, cuja sublime estética é também uma ética, concentram-se forças centrípetas unificadoras de uma só história em volta das estórias. Assim, em jeito de matrioskas! Resguardam-se, envolvem-se, eternizam-se; hão-de perpetuar-se no tempo e no espaço erigindo-se legados aos vindouros. Histórias que borbotam naquela enorme panela levada ao “lume do horizonte”. Na imitação do céu se faz o azul do mar. Salve Zé, Miguel e Amigos, alguns sujeitos e destinatários da salutar cumplicidade metamorfoseada neste mar da foz. Agora sei que é azul a cor da amizade!