Em artigo recente, Os estudos sobre a significação remontam à Antiguidade, expliquei o que é semântica e do que ela trata. Mostrei ainda que, embora se considere que a disciplina semântica tenha começado no século 19 com o linguista Michel Bréal, os estudos sobre a significação das palavras remontam à Antiguidade.

Retomo o tema da significação das palavras porque, dos diversos ramos dos estudos linguísticos, é um dos que mais atraem o público não especialista. O que explica isso?

Primeiramente, saber o que as palavras significam é um conhecimento prático de que nos valemos nas interações cotidianas. As pessoas podem viver sua vida normalmente sem saber se o fonema representado, em português, pela letra b é bilabial ou se é labiodental, se é surdo ou sonoro, mas encontrarão dificuldades em sua vida prática ao depararem com uma palavra cujo sentido não conhecem.

Em segundo lugar, por mais palavras que uma pessoa conheça, ela sempre se deparará com palavras desconhecidas, porque o léxico do português é um conjunto de palavras muito extenso. Por outro lado, trata-se de um conjunto aberto, ou seja, é constantemente renovado, pois sempre surgem palavras novas, os neologismos. Vejam-se a título de exemplo palavras como uberização, pejotização, fulanizar, flopar, sextou, panelaço, telepastor, atacarejo etc.

Em terceiro lugar, as palavras, exceto aquelas muito técnicas, que pertencem a uma variedade linguística específica, são polissêmicas. O termo polissemia também foi criado por Michel Bréal, a partir do grego (poli = vários + semia = sentido). Diz-se que há polissemia quando uma mesma palavra apresenta vários significados. Embora a palavra tenha sido cunhada no século 19, o conceito de polissemia já era objeto de preocupação dos filósofos gregos, como já mencionei. Para Bréal, a polissemia é resultado da inovação semântica. Numa perspectiva histórica, palavras vão adquirindo novos significados, sem que o significado original desapareça. Para esse autor, no uso linguístico, a polissemia não existe, uma vez que os falantes não se confundem ao se depararem no discurso com palavras polissêmicas. Quando um falante se depara com uma forma linguística como "perdi a cabeça", ele não vai interpretar o enunciado como se o falante dissesse que perdeu uma parte de seu corpo.

Polissemia opõe-se a monossemia. Uma forma linguística será monossêmica quando apresentar um único significado. A palavra polissemia, por exemplo, é monossêmica. Como outros exemplos de palavras monossêmicas, podem-se apontar: bactéria, logaritmo, elétron, oxítono, decassílabo, endoscopia, citoplasma.

Pensemos numa palavra como o substantivo "cabeça". Os sentidos que essa palavra apresenta são tantos, que poderíamos criar diversas sentenças cada uma delas com um sentido diferente, como se pode observar pelos exemplos a seguir:

Colocou o chapéu na cabeça.
Sua imagem não me sai da cabeça.
Letícia é uma das grandes cabeças da biologia molecular.
O aluno sabe isso de cabeça.
No momento, não estou com cabeça para resolver esse problema.
A despesa ficou em 20 reais por cabeça.
João era o cabeça do movimento.
O professor fez a cabeça do aluno.

Há ainda na língua palavras homônimas (do grego, homonymia = mesmo nome), aquelas que têm um mesmo significante (mesmo som ou mesma grafia), mas significados diversos, como manga (fruto da mangueira e parte de peça do vestuário) e grama (unidade de massa e relva). Se a homonímia é uma característica da língua, a polissemia se manifesta no discurso; é, portanto, em situações concretas de uso da língua que os diversos sentidos de uma mesma palavra se manifestam.

Uma questão que se coloca é a distinção entre homonímia e polissemia, pois em ambas um mesmo significante exprime significados diferentes. Tem-se adotado os seguintes critérios para distinguir a homonímia da polissemia.

Consideram homônimas palavras que têm etimologias diferentes e entradas diferentes no dicionário. Há duas entradas para o verbete grama, uma para unidade de massa e outra para relva. Há entre essas duas palavras apenas uma coincidência de significante (mesma forma fônica ou gráfica), pois se trata de palavras de origem diferentes: grama, unidade de massa, provém do grego, enquanto grama, significando relva, provém do latim. O mesmo ocorre com a palavra manga. A palavra que denomina o fruto da mangueira provém do malaio, língua falada na região de malabar, sudoeste da Índia; a que nomeia parte de peça do vestuário vem do latim.

No caso das palavras polissêmicas, há, para elas, uma única entrada no dicionário e seus vários sentidos (acepções) estão arrolados num único verbete. Embora possua diversas acepções, os dicionários registram apenas uma entrada para o substantivo cabeça. Na polissemia, não ocorre a diferença de étimo. Em todos os sentidos em que empregamos à palavra cabeça, ela tem a mesma origem (do latim vulgar: capitia, proveniente do latim clássico: caput-is).

Na polissemia, ao contrário do ocorre com a homonímia, há um sentido comum que permeia os diversos sentidos da palavra. Nos diversos exemplos que apresentei com a palavra cabeça, observa-se que, embora ela mude de sentido a cada exemplo, há uma certa significação comum: parte do corpo. Em pares de homônimos como grama e manga, não há nada comum entre as duas acepções.

Por fim, esclareço que explorar os vários sentidos de uma mesma palavra é recurso constitutivo do discurso lúdico, manifestando-se em textos de várias esferas discursivas, em especial nos literários, publicitários e humorísticos.