Você já parou para pensar no que significa ser estrangeiro?
Na definição de Georg Simmel o estrangeiro não é o simples viajante, pois o viajante procura apenas visitar o país e depois retornar a sua nação: “O estrangeiro é a pessoa que muda de seu país para uma nova vida em outro local”.
Significado de Estrangeiro, num dicionário online: “Adjetivo e substantivo masculino - Que é natural de outro país. Que não faz parte de uma família, de um grupo. Ser estrangeiro em seu país, desconhecer suas leis, seus costumes, seus hábitos”.
Bem, essas são definições teóricas, que lemos em dicionários com algumas diferenças, mas baseadas no mesmo teor. Ou a de um sociólogo, que vai um pouco além dos fatos e define somente quem vive em outro país como estrangeiro.
Mas independente dessas definições, alguma vez você já foi estrangeiro? Ou está estrangeiro hoje? E quando essa situação se iniciou, havia a consciência que a partir dali você seria definido nas ruas, nos órgãos públicos, nas lojas como ‘o estrangeiro’?
Eu não tinha essa visão ‘periférica’ de que meu status de cidadã iria mudar. E no meio daquele furacão de mudança, adaptação, reorganização da vida e da rotina, a coisa passou meio encoberta pela fumaça de toda essa confusão. Só que um belo dia, a gente olha para o lado e percebe que somos ‘estranhos’, que por mais que tentemos falar a língua corretamente, ainda assim os nativos não nos entendem e riem…
E no momento que sua zona de conforto foi completamente perdida, que se está juntando as peças do que vamos passar a chamar de lar e rotina e, tentando, reconstruir ao menos um ‘espaço’ de conforto, a última coisa que queremos ou precisamos é alguém rindo de nós ou não tendo a boa vontade de nos entender. A primeira ficha cai.
No nosso caso, foi meu marido chegando com o work permit (permissão de trabalho) chinês. O nome do documento é Alien Employment Permit. Hoje dou risada de tudo isso, mas nessa hora cai a segunda ficha: que além de estrangeiro, você é alienígena!
Sinônimos de Estrangeiro: alienígena, estranho, exótico e forasteiro
Em se tratando de China há quase dez anos atrás, era assim mesmo que eles, os chineses, nos viam. Naquela época, numa cidade ao Norte do país, perto da Mongólia, um ocidental era algo completamente novo. Eles nos paravam, tiravam fotos e queriam nos tocar. Nunca haviam visto uma pessoa diferente do perfil asiático. E olhem que nem somos loiros de olhos azuis (porque esses sofrem muito mais o assédio, com certeza).
Agora, voltando ao peso da condição ‘estrangeiro’, os seus sinônimos são cruéis para um recém-expatriado. Afinal, no imaginário do brasileiro, estrangeiro é algo com glamour, status, uma pessoa especial. E alienígena, forasteiro, estranho são coisas pejorativas. Exótico ainda pode ser interessante em determinadas situações. Mas garanto que não na que estávamos vivendo!
Mas fato é fato, somos estrangeiros. E temos que aprender a lidar com essa condição.
Uma das primeiras atitudes que devemos tomar é ter consciência disso e respeitar o país que nos acolhe. Os hábitos e cultura são diferentes, a língua é incompreensível, a lógica é sem nexo para nós, mas eles estão na casa deles. Fazem o que quiserem, pois nasceram ali, cresceram e foram criados dentro dessa realidade, por mais estranha que nos pareça. Nós somos os hóspedes, os forasteiros.
Sendo assim, comece a enfrentar o ‘desconhecido’, vá para as ruas, investigue, tente entender, desenvolva meios de driblar as dificuldades e aceite a mudança. A atitude individual vai definir e traçar o caminho que se segue. E isso significa ser um caminho mais simples e prazeroso ou um íngreme e sofrido.
Levantei esse ponto porque a descoberta que me encontrava na posição de estrangeiro, me deu uma sensação estranha no início, mas hoje acredito que fazia parte do processo de luto, de adaptação. Já não bastava ter mudado de casa, de país, de emprego, e ainda sou chamada de estrangeira? Depois, a gente vai percebendo, como num luto mesmo, que o que perdemos faz falta, gera sentimentos que entristecem (até hoje, e lá se vão dez anos), mas ao mesmo tempo a vida continua e precisamos nos adaptar a nova realidade. E no final desse processo (que é meio sem fim) se começa a perceber os ganhos que a nova condição nos proporcionou. E, sabemos que perdas e ganhos fazem parte do processo natural da vida.
Hoje eu que dou risada quando ouço duas pessoas ao meu lado falando de mim, dizendo ta shì laowai, ela é estrangeira. Se posso, sorrio para eles e digo wo shì Baxi rén, eu sou brasileira. Aí quebra um pouco o gelo, primeiro porque eles adoram ver um ocidental falando mandarim e, segundo, que o chinês ama o Brasil! Pronto, já ouço um Baxi – futball – Lonaldinho.
Claro que isso não ocorre todos os dias, e nem resolve a questão. Mas ajuda a ter uma qualidade de vida melhor para quem vive num país que não é o seu.
Mais uma vez, repito, a atitude individual dará o tom dos seus dias na nova jornada. Procurar sempre ver o lado bom das coisas é uma questão de atitude, de como olhar a vida e tentar aprender com os tropeços, dificuldades e desafios.
Depois de um tempo, olhamos para trás e podemos ver o que foi construído, as lutas vencidas, as dificuldades superadas. Aí, mesmo não gostando muito da condição de ‘ser’ estrangeira, hoje percebo que sou mais forte, vejo o mundo com outro olhar, tenho outras prioridades, as urgências deixaram de ser latentes e o tempo virou meu aliado. No balanço de perdas e ganhos, acho que o saldo está bem positivo.
Então, se alguém está na fase de ponderar se vai ou fica, de pesar os prós e contras de morar fora do seu país, eu digo: se optar pela mudança, vá de coração aberto. Nada será fácil, mas nada será impossível. Haverá os momentos de luto (que sinceramente, considero necessários para a aceitação da nova realidade), os de tristeza, os de entusiasmo, os de extrema alegria.
Quando se descobrir na condição de estrangeiro, sua vida estará como uma montanha russa, daquelas cheias de loopings, e que não têm como parar até chegar ao final. E quando o carrinho parar, tenho certeza que você vai rir ao olhar para trás e perceber o quão corajoso e destemido foi viver e superar tudo aquilo. Nesse momento, você será estrangeiro…para sempre!