Quando terminei o Ensino Médio, tive que lidar com a grande incógnita que muitos jovens prestes a adentrar à vida adulta se deparam - O que farei da minha vida de agora em diante? Qual o meu maior sonho?
No livro Um lugar na janela, de Martha Medeiros:
Viajar é uma maneira de nos espalharmos, de rompermos com nossas divisórias internas e aniquilarmos medos e tabus. Viajar é que descobrimos nossa coragem e atrevimento, nosso instinto de sobrevivência e nossa capacidade de respeitar novos códigos de conduta. Viajar minimiza preconceitos.
Após muita reflexão, percebi que a minha maior vontade era sair de casa, mas para onde? Respondi - para o mundo. Isso foi muito fácil. Contudo, sabia que a minha jornada teria de ser menos ambiciosa de início. Decidi que começara por entrar numa Universidade em outra cidade antes de atravessar outras fronteiras. Anos depois, percebi que o meu desejo não era apenas sair de casa, e sim romper o cotidiano, e que viajar era a melhor maneira de ultrapassar esse ‘’condicionamento mecânico’’. A principal dificuldade imposta para a nossa “casta de jovens que querem desbravar o mundo” é justamente a falta de recursos financeiros.
O que eu gostaria de ter descoberto nessa fase de vida é que é possível viajar o mundo sem despender de muito dinheiro e ainda com um bônus: a de trabalhar por uma causa ou adquirir uma experiência curricular. Hoje escrevo para você, que assim como eu, tem o sonho de romper o cotidiano e viajar pelo mundo, independente do seu momento de vida atual e limitações. Isso é possível com o trabalho voluntário.
Apesar de ter conseguido muitos carimbos no passaporte, foi somente aos meus 29 anos que me deparei com o trabalho voluntário internacional. Na época, embarquei para a Itália, juntamente com a minha namorada (e hoje minha esposa), na tentativa de estabelecer uma vida lá. Como sabemos que nem tudo sai como planejamos, meu tempo na Itália estava acabando e eu teria de deixar a Europa. Descobrimos um programa de trabalho voluntário na Tailândia e partimos para o Sudeste Asiático. No meu programa eu ficaria 2 meses trabalhando na recepção de uma pousada no Sul da Tailândia, recebendo turistas, em sua grande maioria estrangeiros.
Essa pousada era administrada por uma ONG chamada Lanta Animal Welfare, que resgatava cães e gatos de rua, fornecia a castração e outros cuidados para colocar esses animais para adoção. Após os dois meses no front-office da pousada, decidi que gostaria de trabalhar na ONG com os animais e a experiência deu tão certo que prolonguei meu contrato de dois para mais de seis meses, e posso assegurar a vocês que essa foi uma das melhores experiências que tive em minha vida. Convivi com pessoas de diversas nacionalidades, algumas que hoje conquistaram o status de melhores amigos na minha vida. E o melhor, cuidar de animais que não teriam chance de sobreviver mais do que algumas semanas se permanecessem nas ruas e encontrar tutores e um lar para eles. Nunca havia sentido tanto propósito na vida, um trabalho que me fez tanto sentido, e que, apesar de ser exaustivo fisicamente, não pesava nenhum pouco na minha rotina. Ao contrário, todos os dias foram emocionantes, divertidos e recompensadores (pelo menos é o que hoje, quase 9 anos após essa experiência, ficou de lembrança no meu coração).
Tudo isso em troca de algumas horas de trabalho e com direito a acomodação e alimentação fornecidas pela ONG/pousada, fato que colaborou imensamente na extensão do meu contrato justamente por me fazer economizar muito dinheiro na minha viagem. Este é só um exemplo de atividade que você pode desempenhar e, se sua curiosidade se despertou até aqui, fique tranquilo, abordo com mais detalhes ao longo do texto.
Se assim como a minha, a sua vontade foi a de atravessar as fronteiras e poder atuar numa causa que fará diferença para o mundo ou de poder ter uma experiência curricular enquanto decide quais serão seus próximos planos de vida, esse texto é para você. Se você não suporta mais o cotidiano e sempre sonhou em realizar um período sabático, e assim como eu fiz, romper o cotidiano com experiências enriquecedoras para a mente e a alma, fique aqui comigo. Seja você quem for, saiba que trabalhar voluntariamente pelo mundo pode se encaixar em qualquer perfil, gênero ou idade, sozinho ou com família, somente um aspecto é necessário: o de ter um espírito aventureiro.
Aparentemente, viajar é preciso para os brasileiros. Segundo a pesquisa da SPC Brasil, 76% dos brasileiros entrevistados têm vontade de viajar pelo mundo, principalmente entre os mais jovens, de 18 a 24 anos. Contudo, 68% dos entrevistados acima de 55 anos não querem deixar esse sonho morrer e a vontade de desbravar o mundo permanece viva. Viajar ao mundo também é um aspecto importante nos planos de vida dos brasileiros. De acordo com a mesma pesquisa, viajar para o exterior ficou em quarto lugar na lista de prioridades, perdendo para “ter saúde”, em primeiro lugar soberano, “conquistar a casa própria”, em segundo e na retaguarda, “ter um bom emprego com estabilidade financeira” ocupa a terceira posição.
Dos principais impeditivos para se viajar, segundo a pesquisa da SPC Brasil, os brasileiros listaram em primeiro lugar o ‘’custo alto para viagens no exterior’’ (54%). Na sequência vem a “a falta de dinheiro” (49%), “dificuldade de tirar visto” (33%), “medo ou insegurança com a língua estrangeira” (22%).
Estes dados reforçam muito a ideia de que buscar um trabalho voluntário em algum lugar do mundo pode amenizar esses impeditivos. Com relação ao custo, normalmente o anfitrião oferece a acomodação e pelo menos uma das refeições do dia. Obviamente, dependendo do perfil do destino e do viajante, o orçamento de uma viagem pode variar consideravelmente, contudo, considerando uma média geral, um planejamento de viagem tem no orçamento os seguintes percentuais: 30 a 40% são destinados à passagem aérea, 25 a 35% com hospedagem e acomodação, e 15 a 20% com alimentação. Outros gastos podem ser destinados a transporte, passeios, souvenirs, e esses tomam 20% em média no orçamento. Com esses números, um anfitrião de voluntariado pode economizar de 40 a 60% de seu orçamento de viagem, isso porque muitos destinos incluem passeios, tours e outras vantagens.
Com relação à falta de dinheiro, existem muitos lugares em que a nossa moeda está valorizada, tornando esse fato um grande coringa na hora de viajar. Sudeste asiático e América do Sul são os destinos mais procurados para os viajantes que preferem economizar. Já se seu impeditivo se dá pelo medo ou insegurança de ter que lidar com um idioma desconhecido, saiba que no mundo temos 10 países que se fala o português, e todos com programas de trabalho voluntário. Algumas posições tampouco exigem o idioma básico do destino e a proximidade do português com idiomas de berço do latim, como espanhol, italiano, francês, amplia ainda mais o radar de lugares e minimiza a dificuldade de se comunicar.
Um ponto que exige a atenção do viajante é sobre a obtenção de vistos e os agentes de imigração. Alguns países emitem vistos de trabalho voluntário, como o Brasil, mas fique atento: aplicar para destinos como EUA, Canadá, Reino Unido e outros destinos com processos imigratórios mais delicados, pode despertar a desconfiança dos agentes consulares ou de imigração. O mais indicado é ir com o visto de turista, caso seja necessário, ou optar por países em que os brasileiros não necessitem de algum visto de entrada. Mas sobretudo, o mais importante é nunca mentir na imigração [mas também não ser totalmente transparente].
A vlogueira Tarsila Ceruci explica em seu canal do Youtube como foi sua experiência de trabalho voluntário em Nova Iorque. Em seu vídeo, ela menciona que participou de um programa de voluntariado num retiro de Ioga e que para os agentes de imigração, ela não aconselha mencionar que o objetivo da viagem era a trabalho, pois isso gera muitos questionamentos que podem dificultar a sua entrada nos EUA. Em sua experiência, ela informou que o retiro de Ioga que ela passaria sua estada, e que em nenhum momento ela iria trabalhar no local. Eu mesmo quando migrei para a Tailândia, fui questionado se estava exercendo alguma espécie de trabalho quando deixei o país, pois fiquei mais de seis meses no país.
Minha resposta, em contrapartida, foi totalmente honesta, mas diferente dos EUA, a relação com o Brasil e seus viajantes tende a ser mais amigável. A Wolrdpackers, uma plataforma que agencia trabalhos voluntários e que fora criada pelo brasileiro Riq Lima, recomenda o seguinte:
Para uma experiência Worldpackers recomendamos que sempre use o visto de turista, por se tratar de uma experiência de viagem econômica e não uma relação de trabalho. Ao passar pela imigração, deixe muito claro que sua viagem tem como objetivo o turismo, evite falar que vai trabalhar, mesmo que como voluntário.
Além do visto, fique atento aos demais requisitos para adentrar no país, como manter a carteira de vacinação internacional atualizada. Alguns países necessitam comprovante de vacinas, como febre-amarela e de imunização ao Covid-19. Seguros-viagem também são requisitados e o tipo de cobertura também pode ser especificado.
Outro fator que não pode passar desapercebido pelo viajante é a da adaptação cultural. Se informe dos hábitos culturais locais. O tipo de vestuário, consumo de bebida alcoólica, o tipo de cumprimento ao abordar alguém, fotografar e entre muitos outros aspectos, pode ser muito diferente com relação ao Brasil, e desrespeitá-los pode resultar num ‘’problemão’’ para sua viagem.
Com tudo isso no planejamento da viagem e na escolha do destino, você pode buscar pelas atividades que mais lhe interessam. E não são poucas. Existem trabalhos na área da Educação, como Idiomas, educação básica, alfabetização para jovens e adultos, creches e escolas. Trabalhos na área da saúde, em hospitais e clínicas, seja uma posição mais administrativa ou até mesmo mais técnica para enfermeiros e médicos. Preservação da natureza, construção, projetos culturais, trabalhos com refugiados ou na proteção de animais, como foi o meu caso. Imagine colher uvas nas fazendas da Toscana ou cuidar de elefantes no Santuário de Chiang Mai. Ser um instrutor de Ioga na Índia ou ensinar inglês no Camboja, passear de trenó com Huskies na Finlândia ou quem sabe até cuidar da residência de alguém durante o período de sua ausência. As oportunidades disponíveis são numerosas.
Uma amiga muito próxima a mim já fez tantos e que hoje é seu principal estilo de vida. Ela trabalha com contratos temporários remunerados e após economizar o suficiente, ela parte para a próxima viagem.
E agora, vamos ao que interessa: listarei aqui 8 sites para encontrar trabalho voluntário ao redor do mundo:
- Workaway: plataforma que conecta voluntários a anfitriões em todo o mundo. Oportunidades em áreas como agricultura, educação, cuidado com animais e muito mais.
Destaques: Grande variedade de oportunidades, sistema de feedback e seguro-viagem.
Custo: Plano gratuito limitado, planos pagos a partir de $44/ano. - Worldpackers: plataforma focada em viajantes que desejam combinar viagens com trabalho voluntário. Oportunidades em hostels, pousadas, projetos ecológicos e outros.
Destaques: Comunidade vibrante, eventos exclusivos e descontos para viajantes.
Custo: Plano gratuito limitado, planos pagos a partir de $49/ano. - HelpX: plataforma similar ao Workaway, com foco em intercâmbio cultural e experiências autênticas. Oportunidades em diversos setores.
Destaques: Possibilidade de buscar por vagas por país, região e tipo de trabalho.
Custo: Assinatura anual de $20. - WWOOF: plataforma específica para trabalho voluntário em fazendas e projetos orgânicos. Ótima opção para quem busca contato com a natureza e agricultura sustentável.
Destaques: Foco em agricultura e alimentação, oportunidades em diversos países.
Custo: Assinatura anual de $40 (individual) ou $60 (casal). - Idealist: plataforma com diversas oportunidades de voluntariado em diferentes áreas, incluindo causas sociais, educação e meio ambiente.
Destaques: Grande variedade de oportunidades, banco de dados com milhares de vagas.
Custo: Gratuito. - VolunteerMatch: plataforma americana com foco em oportunidades de voluntariado nos Estados Unidos. Ideal para quem busca experiência internacional.
Destaques: Foco em oportunidades nos EUA, banco de dados com milhares de vagas.
Custo: Gratuito. - AIESEC: organização internacional que oferece oportunidades de intercâmbio cultural e voluntariado para jovens. Ideal para estudantes universitários.
Destaques: Intercâmbio cultural, oportunidades de desenvolvimento profissional.
Custo: Varia de acordo com o programa. - UNV Online Volunteering: plataforma do Programa das Nações Unidas para Voluntários (UNV) com oportunidades de voluntariado presencial ou online em diversas áreas.
Destaques: Oportunidades online para contribuir com a ONU.
Custo: Gratuito.
Caro leitor, acredito que existe um lugar no mundo (ou mesmo mais de um) que precisa do seu olhar sensível e da vontade de ajudar. Meu caminho começou da vontade de desbravar o mundo, mas foi o mundo que me desbravou, me transformou de diversas maneiras, derrubou muitos preconceitos, me obrigou a exercitar a empatia, a solidariedade e que esses valores, nós podemos levá-los para o nosso país, para os nossos lares. Se não for no mundo afora, temos um universo aqui perto de nós. Nunca é tarde para quem precisa de ajuda e quando nos damos conta, são essas ocasiões que acabam nos ajudando. Trabalho voluntário nos traz propósito, senso de missão e de dever cumprido. Nos faz seres humanos melhores, éticos e direciona nosso olhar para nos darmos conta do tamanho do nosso privilégio. Viajar está no nosso DNA e temos um chamado a cumprir. Só nós temos a capacidade de diminuir as fronteiras que existem entre as pessoas. Acreditem, ganhamos muito mais do que oferecemos.