Mudar de hábito é ancestral. A nossa existência é devida a constante capacidade adaptativa dos nossos antepassados, de testar novas práticas e de experimentar diferentes modos de vida. Se os nossos ancestrais tivessem se apegado a padrões comportamentais sem explorar o desconhecido ou buscar novas soluções, a sobrevivência teria sido impossível.
Historicamente, sabe-se que a nossa existência tinha uma dependência direta dos fatores ambientais e quando os recursos se tornavam escassos, os pequenos grupos familiares, para ultrapassar este percalço, começavam a coreografia da mobilidade espacial em busca dos recursos alimentares.
A habilidade de se deslocar e adotar hábitos diferentes foi crucial para superar desafios ambientais como as estações do ano e condições climatéricas extremas e desta forma se perpetuou a continuidade da espécie.
Mesmo com a criação de assentamentos permanentes, cidades e sociedades mais complexas, a nossa natureza foi moldada e aprimorada em movimentos cíclicos. Estes condicionamentos comandam os comportamentos onde os convites de pausa e ação são renovados.
Assim como os movimentos de translação e rotação gerem a nossa contagem de tempo, os ciclos lunares harmonizam as marés dos oceanos e também as águas internas dos seres vivos. Estudos científicos comprovam as interferências suaves ou monumentais sofridas pelos animais, plantas e seres humanos no balanço dos ciclos.
Uma boa metáfora são as florestas. Elas são madrinhas em nos ensinar sobre ciclos e isso vai muito além da ecologia. Entreter as adversidades e ensinar sobre renovação, resiliência e capacidade de adaptação são alguns exemplos de profundas lições para nossas sociedades.
Estes ecossistemas revelam-nos que a devastação não é sinónimo de fim. Intervenções humanas ou ambientais podem dilacerar um determinado território, mas a sucessão ecológica será uma questão de tempo e condições necessárias para que as características de resiliência e adaptação se manifestem.
Aqui não fazemos a apologia a destruição da diversidade florestal, aliás este tipo de pensamento não deveria ser cogitado a partir de um cérebro dito racional, mas fazemos a alusão a capacidade de regeneração do ecossistema através do florescimento cíclico.
As plantas chamadas espontâneas, gritam esta linda mensagem. Ano após ano, nas selvas de pedras das cidades, rompem a espessa camada do pavimento em bairros e acostamentos de rodovias e simplesmente manifestam a sua presença.
Outro bom exemplo, para entender este paradoxo evolutivo, é perceber a enorme quantidade de pesquisas dedicadas as bactérias. A adaptabilidade destes pequenos seres é extraordinária e evidenciada pela resistência aos antibióticos, que frequentemente precisam a ser substituídos devido à sua capacidade de produção de enzimas que neutralizam a ação dos medicamentos.
Essa transitoriedade tem uma dimensão coletiva, não se limita apenas a fatores externos ao homem e reverbera tanto individualmente como no nosso sistema familiar.
Somos consequência de padrões perpetuados ao longo de gerações, que muitas vezes se forjaram em referências que faziam sentido em determinados contextos históricos ou atendiam uma determinada massa de dominação, mas hoje, diante do nosso progresso, esses padrões e diretrizes podem trazer certos desconfortos e abrir precedentes para diversas interpretações.
Todos os dias temos a nossa disposição vinte quatro horas para serem vivenciadas, que apesar da nossa constante tendência a parametrizar, nunca se repetem integralmente.
Essa é a beleza da vida: embora tenhamos unidade de medida de tempo, a imprevisibilidade sempre se faz presente.
Planeamos chegar a tempo, mas um imprevisto no trânsito altera a duração do translado. Investimos numa relação e, depois de um período, podemos perceber que foi uma “perda de tempo”, e muitas vezes, deixamos de valorizar os momentos de alegrias e o crescimento que estas relações nos proporcionaram.
Como já ponderava o Heráclito, “tudo flui”. Assistimos o baile das erupções vulcânicas, correntes atmosféricas, variações das temperaturas dos oceanos, mudanças climáticas, ciclos de dormência e florescimento de plantas, ritmos circadianos dos humanos e animais bem como os seus ciclos reprodutivos, e estas são algumas das variáveis que compõe a nossa manifestação.
Se convivemos em relações interpessoais favoráveis, o tempo desvanece, porém, em situação de estresse, parece que ele se arrasta em infinitos nanossegundos.
Compreender os nossos ciclos é a oportunidade concedida a cada manhã. A pluralidade de culturas, ideias, experiências e habilidades consolida que o nosso ritmo natural não deve ser precipitado, que cada ente tem o seu papel e toda essa diversidade é o que nos fortalece, equilibra, cura.
Os elementos inatos e culturais moldam as curvas emocionais dos indivíduos, as suas ações e desejos desenham os diferentes modos de existir. Somos resultados de uma metamorfose ambulante, de um ir e vir na possibilidade. Tudo está em evolução.
Assimilar a interdependência com uma configuração relacional é o caminho para a renovação e progresso. Remodelar, reinventar em resposta aos desafios é integrar a combinação da regeneração.
Nada se regenera em uníssono. As conexões provocadas pelas ruturas carrega o potencial de novos cenários e reconhecer esta complexidade é um belo lembrete que a vida é ritualista, respeitosa e sagrada.