O Brasil tem 155.912.680 eleitores aptos para votar, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Das cinco capitais com maior eleitorado, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza concentram 19,12 milhões de eleitores, representando 12,24% do eleitorado nacional. Essas cidades sempre foram palco de disputas acirradas, e historicamente, a esquerda desfrutava de forte apoio entre as classes mais pobres. Porém, a última eleição congressistas e pesquisas mostram uma queda significativa nesse apoio.
O que motivou essa mudança? Para entender o fenômeno, é crucial examinar o contexto social e econômico em que a população de baixa renda se encontra e a narrativa atual da esquerda, que costumava ser amplamente aceita por esse grupo.
A perda da hegemonia da esquerda entre os mais pobres
Dos anos 2000 até 2019, os partidos de esquerda no Brasil, especialmente o Partido dos Trabalhadores (PT), criaram um histórico dominante do voto das classes mais baixas. Programas sociais como o Bolsa Família, o aumento do poder de compra e políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade consolidaram o apoio de milhões de brasileiros de baixa renda que conquistaram uma lealdade eleitoral entre a esquerda e o até então eleitorado mais pobre.
Contudo, as últimas eleições têm mostrado uma erosão significativa dessa base. Uma análise das pesquisas mais recentes registradas na Justiça Eleitoral nas cinco capitais com maior número de eleitores revela essa mudança.
Em São Paulo, de acordo com pesquisa Datafolha, o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) lidera com 28% das intenções de voto entre eleitores com renda de até 2 salários-mínimos. Guilherme Boulos (PSOL), um candidato que representa a esquerda, aparece com 19%. A erosão do apoio da classe mais pobre à esquerda é clara, quando Pablo Marçal (PRTB), um candidato fora do espectro da esquerda tradicional, segue com 17%.
No Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), um político de centro, também domina as intenções de voto com 57%, enquanto Tarcísio Motta (PSOL), de esquerda, possui apenas 4%. A capital fluminense, onde grande parte da população vive com rendimentos baixos, mostra que o eleitor de baixa renda já não está tão alinhado com a esquerda quanto em pleitos anteriores. A pesquisa mostra que entre os eleitores com renda familiar de até 2 salários-mínimos, o distanciamento da esquerda é ainda mais evidente.
Em Belo Horizonte, a pesquisa da Quaest revelou que Mauro Tramonte (Republicanos) lidera com 28% das intenções de voto. Fuad Noman (PSD) vem logo atrás, com 20%, e Bruno Engler (PL) tem 18%. Candidatos que representam a esquerda, como Duda Salabert (PDT), com 10%, e Rogério Correia (PT), com apenas 5%, estão significativamente atrás. A pesquisa apontou que 32% dos entrevistados tinham renda de até 3 salários-mínimos, outro indício de que o eleitorado de baixa renda está mais inclinado a candidatos de centro e direita.
Em Salvador, Bruno Reis (União Brasil) tem um domínio impressionante nas intenções de voto, com 74%, enquanto o atual vice-governador do estado e candidato oficial do PT, Geraldo Júnior (MDB), possui apenas 6%. A pesquisa Quaest indicou que 59% dos eleitores entrevistados têm renda familiar de até 3 salários-mínimos, o que demonstra um claro distanciamento da população mais pobre em relação aos candidatos da esquerda.
Já em Fortaleza, a pesquisa realizada pelo Real Time Big Data também reflete essa mudança. André Fernandes (PL), alinhado à direita, lidera com 23%, empatado tecnicamente com Evandro Leitão (PT), que também tem 23%. Contudo, o crescimento da direita entre os eleitores de baixa renda, que compõem uma parcela significativa dos entrevistados (41,5% ganham até 2 salários-mínimos), sinaliza que o campo progressista já não é o principal destino do voto popular.
Esses dados mostram uma realidade inegável: a esquerda brasileira, que antes tinha uma hegemonia sólida entre os mais pobres, agora precisa lidar com um eleitorado fragmentado e mais propenso a votar em candidatos de centro e direita.
O discurso da atual esquerda brasileira
A esquerda dos anos 2000 até 2014, liderada pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tinha como principal proposta a defesa dos sindicatos e dos trabalhadores. Embora causas sociais sempre estivessem presentes em seus discursos e planos de governo, elas eram secundárias. O discurso era direcionado ao trabalhador brasileiro sem ensino superior, com filhos e renda baixa.
A partir do segundo mandato de Dilma Rousseff como presidente da república, a esquerda passou a concentrar seu discurso na defesa de causas progressistas, como a igualdade de gênero, questões ambientais e direitos humanos, que, embora importantes, não necessariamente atendem às preocupações diárias e urgentes da atual população mais pobre, que, após o fim da pandemia de Covid-19, voltou a enfrentar desafios relacionados ao desemprego, inflação e insegurança alimentar.
Enquanto o PT e outros partidos de esquerda continuam a apostar cada vez mais em temas de inclusão social e progressismo, com pautas identitárias, colocando muitas vezes, um dos seus eleitores mais fortes: um homem cisgênero, nordestino, do interior, com no máximo o médio completo, religioso, conservador e pai de família. Como vilão de uma narrativa que ela mesma criou para agradar a jovem classe média-alta que frequenta grandes universidades do país e se perdem em conversas acadêmicas e militantes.
Enquanto isso, esse eleitor que foi taxado como vilão tem buscado soluções imediatas para problemas econômicos. Soluções essas que são vendidas pela direita, que por sua vez consegue capturar o eleitor que foi abandonado pela esquerda.
Além disso, há um sentimento generalizado de decepção com os anos de governos petistas, especialmente entre eleitores de baixa renda que se sentiram diretamente afetados pela crise econômica que eclodiu em 2014. Crise econômica que levou a: Falta de emprego, o alto custo de vida e o aumento na violência urbana. Questões que a esquerda abandonou ao focar quase que completamente em pautas identitárias e globalizadas. O impacto da Operação Lava Jato e o aumento da corrupção política também contribuíram para essa percepção, enfraquecendo a confiança no discurso de renovação e justiça social da esquerda.
As necessidades atuais da população de baixa renda no Brasil
O custo elevado dos alimentos, o aumento dos combustíveis, a falta de empregos formais e a violência são as preocupações centrais desse grupo. As políticas sociais universais, como o Bolsa Família, ainda têm impacto, mas o que essa população demanda no momento são propostas que gerem oportunidades de emprego, melhorem a segurança pública e lidem com a inflação de maneira eficaz.
Se antes a promessa de incluir os filhos da empregada doméstica na universidade era uma bandeira forte da esquerda, hoje essa narrativa perdeu parte de sua força. A realidade mudou: o diploma de ensino superior já não garante o mesmo retorno que trazia, especialmente para as classes mais pobres. Dados recentes mostram que a taxa de desemprego entre pessoas com diploma superior atinge 56% em alguns cursos.
Enquanto isso, candidatos de centro e direita, que focam em propostas - mais agridoces- de ordem, segurança e geração de empregos, conseguem captar a atenção desse eleitor de maneira mais eficaz. Suas mensagens, são voltadas para as necessidades do cotidiano, e consequentemente, ressoam com mais força entre os eleitores de baixa renda.
O maior desafio para a esquerda brasileira é: reconquistar o eleitor de baixa renda.
As crises políticas e econômicas da última década deixaram uma marca profunda no eleitorado, e muitos dos que antes apoiavam partidos de esquerda hoje se encontram céticos ou desencantados.
A apertada vitória de Lula na eleição presidencial de 2022 é uma prova de que, apesar de anos de afastamento, o antigo discurso de união e o diálogo com os sindicatos ainda funcionam.
No entanto, a derrota da esquerda no Congresso Nacional é um grande sinal vermelho. Mostra que copiar e colar o modelo político progressista-democrata do norte global, não funciona.
O eleitorado brasileiro, sobretudo o de baixa renda, não está buscando discursos abstratos de grandes promessas a longo prazo, mas sim, soluções imediatas e viáveis para os problemas que enfrentam no cotidiano. O desemprego, a insegurança alimentar, a falta de moradia e o custo de vida são questões que exigem respostas imediatas.
Se a esquerda deseja continuar relevante no cenário político brasileiro, precisa "voltar para casa", ouvindo novamente seu eleitor de base, e voltar a dialogar diretamente com os problemas das classes populares. Afinal, a democracia continua sendo feita pelo povo.