As tarefas de casa podem ser consideradas um dos dilemas educacionais que mais afetam o cotidiano familiar. Alguns defendem a abolição destas; outros garantem que o hábito de estudo contínuo em casa auxilia a construção dos conhecimentos de cada pessoa. De modo geral, estudantes se aborrecem somente por pensar na possibilidade de realizar as tarefas escolares em casa. Já, as famílias, muitas vezes vivenciam situações esgotantes buscando garantir que os estudantes cumpram com suas responsabilidades escolares a serem desenvolvidas em seus lares.
Sem entrar no mérito sobre a viabilidade, ou não, das tarefas de casa, uma pesquisa1 realizada com 1415 estudantes2 do ensino fundamental investigou as percepções de estudantes sobre as próprias capacidades para realizar algumas atividades relacionadas ao estudar em casa. Parte desses estudantes demonstrou crenças frágeis sobre as próprias capacidades para realizar atividades que são relativas à organização necessária para que as tarefas escolares possam ser realizadas. No geral, foi identificado que a menor parte desse grupo, ou seja, 386 estudantes, acredita bem pouco na própria capacidade para estudar. Já, os demais 1029 estudantes demonstraram crenças mais positivas sobre as próprias capacidades para estudar. Aparentemente, os maiores desafios para os estudantes são:
Estudar quando se tem outras coisas mais interessantes para se fazer;
Arrumar um lugar para estudar sem distração;
Organizar e planejar o que precisa ser feito em relação às atividades escolares;
Terminar a lição de casa no prazo combinado pelos professores.
Agora, o leitor pode estar se perguntando: por que saber quais as percepções dos estudantes sobre as próprias capacidades para realizar tarefas de casa é importante? Quando os estudantes expressam suas crenças sobre as próprias capacidades os pesquisadores analisam essas percepções de acordo com o entendimento de um construto da psicologia social cognitiva denominado autoeficácia. Este conceito é definido como uma crença pessoal sobre a capacidade para realizar uma tarefa ou atividade específica (realizar tarefas escolares em casa foi a especificidade relatada neste artigo).
Pela definição teórica, e por comprovação experimental relatada por inúmeras pesquisas realizadas em diversos países, as pessoas que têm uma crença de autoeficácia mais forte provavelmente dedicarão mais tempo ao planejamento e execução das ações, além de persistirem mais frente aos obstáculos. Esta crença, portanto, não garante a habilidade necessária para a realização das atividades, mas possibilita um maior engajamento com o processo e pode contribuir para melhorar o resultado obtido. No domínio educacional vasta é a quantidade de estudos comprovando que estudantes com crenças de autoeficácia para estudar mais fortes apresentam melhores desempenhos escolares.
É interessante destacar que a crença de autoeficácia não é uma crença permanente, mas sim uma crença que vai sendo construída ao longo da vida por meio de interpretações cognitivas das informações recebidas cotidianamente. A autoanálise sobre as atividades realizadas por nós mesmos pode ajudar a fortalecer nossa autoeficácia se julgamos que realizamos bem tal tarefa, sendo o contrário também verdadeiro.
O estado físico e emocional que as pessoas vivenciam em dadas situações também pode influenciar o modo como as pessoas julgam suas capacidades. Por exemplo, um adolescente que esteja dormindo pouco e/ou mal todos os dias pode ter seus níveis de energia rebaixados, aspecto que pode levar a um autojulgamento de pouca capacidade para a realização das atividades estudantis, sendo, portanto, ideal garantir uma noite de sono bem dormida.
A interpretação das mensagens que se recebe por meio da persuasão social contribuem para a formação da crença de autoeficácia, de modo que famílias que estimulam seus filhos dizendo que eles podem fazer as tarefas de casa porque são organizados, por exemplo, ajudam a fortalecer a crença de autoeficácia para lidar com os desafios relativos à organização e planejamento necessários para fazer as tarefas de casa. Já, famílias que dizem aos seus filhos que eles são desorganizados como um terremoto ajudam a formação de uma crença de pouca capacidade para lidar com os desafios da organização e planejamento. Esses exemplos valem tanto para meninas quanto para meninos, e querem chamar a atenção sobre o poder das falas e das ações dos familiares e/ou pessoas próximas aos estudantes como fontes influenciadoras que podem ser tanto positivas quanto negativas.
A fim de influenciar positivamente o fortalecimento das crenças de autoeficácia para estudar uma das principais recomendações para os familiares é o uso de persuasão respeitosa. Cuidar das palavras e da entonação utilizada com seus filhos durante as conversas sobre a escola e as tarefas relacionadas a ela é uma ação importante, de modo a evitar o uso de adjetivos negativos que possam favorecer a criação de rótulos e hábitos indesejados. Ou seja, ao invés de falar que seu filho ou filha é preguiçoso(a) ou desorganizado(a) (note: adjetivos negativos que podem rotular), ofereça auxílio para que ele aprenda a organizar melhor seu tempo, construa, junto com ele, um cronograma semanal com todas as atividades a serem realizadas, inclusive o tempo de lazer. Ajudá-los quanto às condições necessárias para a realização das tarefas e o estudo em casa é outra ação simples que os familiares podem realizar. Dentre essas condições pode-se sugerir que:
As crianças e os adolescentes estejam bem sentados, com apoio para livros, cadernos e/ou computadores e tablets;
Os aparelhos com acesso à internet que sejam utilizados somente para pesquisa de conteúdos e informações quando necessários;
As redes sociais e as plataformas de streaming estejam desligadas durante o tempo dedicado à realização de tarefas e estudos;
As demais pessoas que moram na mesma casa tentem manter o nível de ruído baixo durante o tempo de estudo das crianças e adolescente, dentre outras condições que cada família julgue ser necessária para o bom andamento da dinâmica familiar.
Evidenciar o progresso, mesmo que seja pequeno, é melhor do que evidenciar o erro, a nota baixa. Ao invés de falar “você não sabe ler bem”, seria mais interessante comentar “você percebe como já está lendo mais palavras?” por exemplo. As crianças e adolescentes usualmente reagem muito bem aos elogios quando estes são sinceros e vindos de pessoas por elas valorizadas. Assim, procurar os aspectos positivos e destacar o progresso é um caminho promissor para fortalecer a autoeficácia para estudar e contribuir com o aprendizado de crianças e adolescentes.
Sem muito refletir, neste exato momento em que escrevo, penso que, talvez, para que sejamos capazes de reconhecer o progresso de nossos filhos ou estudantes, necessitamos reconhecê-los como seres únicos. Cada qual com o seu ritmo, seus jeitos, suas imperfeições e seus tesouros. Quando assumimos isso como mantra para nosso cotidiano, diminuímos as comparações com os pares, vizinhos próximos ou virtuais. Enxergamos o tesouro que cada um de nós carrega: uma semente que se bem irrigada pode florir a cada estação. Uma flor que desabrocha a cada novo ciclo mais bela, fruto das experiências que se somam a cada vivência.
E, assim é o aprender: a cada vivência aprendemos algo, seja na escola, seja na vida. E, continuaremos a aprender para além da escola, ao longo de nossas vidas. Aqui, a nossa crença de autoeficácia para estudar ganha uma força imprescindível, pois é ela que nos possibilitará eleger nossos objetivos e persistir frente aos desafios nesse processo de aprender a aprender tão importante nesta era de informações que vivemos. Que possamos ser pais semeadores de crenças de capacidade!
Notas
1 A pesquisa completa, denominada Sucesso escolar: em busca de estratégias para fortalecer as crenças de autoeficácia, foi realizada com o apoio do Itaú Social e da Fundação Carlos Chagas, obtidos através do edital Últimos anos de educação básica: adolescência, qualidade e equidade em escolas públicas.
2 Participaram dessa pesquisa 1415 estudantes do 6º ao 9º ano de escolas públicas localizadas em três estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo e Pará.