Mais um ano se inicia e, com ele, outro ano letivo, ou seja, outro ano de lições, de aulas. E, com ele, mais uma vez, devemos fazer a pergunta: que educação se pode esperar no próximo ano?
Educação vem do latim educativo, educationis, que tem sua origem em ducere, conduzir; assim educar é conduzir para fora, mas...para fora de quê? Essa talvez seja a pergunta a ser respondida neste artigo, a partir das concepções de educação. E essas serão moldadas a partir da necessidade de cada época.
Grécia Antiga
Na Grécia Antiga, a educação se voltava para a formação para a cidadania. Como deixa claro Facão (2019):
Em todas as fases históricas gregas, a partir do período homérico, é possível delinear o aprimoramento, e a prática de várias noções, que deveria estar amplamente afinada com as habilidades que cada um dos gregos desempenhava na sociedade para encontrar a harmonia do seu respectivo espaço social e político.
(Facão, 2019)
Percebe-se aqui que era importante que cada grego encontrasse sua função na sociedade, ou seja, a educação se encarregava de formar bons cidadãos naquilo que escolhessem ser. O ideal pedagógico de Platão de formar para a busca da verdade não era a principal corrente.
O jovem grego, por sua vez, segundo Facão, “deveria seguir à risca uma série de procedimentos que eram repassados por vários mestres ao decorrer de sua infância até o fim de sua juventude”. Na fase adulta, esses conhecimentos eram aprimorados e postos à prova. No entanto, antes do período platônico, lembra Facão,
(...) o processo educacional de um modo geral estava focado na formação militar em todas as cidades que faziam parte da cultura helênica, pois havia uma demanda prática que precisava ser suprida de modo eficiente em cada uma dessas localidades.
(Facão, 2019)
Note-se, neste caso, uma palavra importante: utilitarismo – a qual aparecerá apenas com Bendtham no século XIX. Para ele, a ação humana deve ser dirigida de forma a buscar o bem para a maioria.
El principio de la utilidad es (…) el principio que establece la mayor felicidad de todos aquellos cuyo interés está en juego como la justa y adecuada finalidad de la acción humana, y hasta la única finalidad justa, adecuada y universalmente deseable; digo de la acción humana en cualquier situación o estado de vida, sobre todo en la condición de un funcionario o grupo de funcionarios que ejercen los poderes de gobierno. La palabra ‘utilidad’ no resalta las ideas de placer y dolor con tanta claridad como el término ‘felicidad’; tampoco el término nos lleva a considerar el número de los intereses afectados; número éste que constituye la circunstancia que contribuye en mayor proporción para formar la norma en cuestión: la norma de lo recto y de lo errado.
(Bendtham apud Araújo, 2006)
Esse princípio do utilitarismo vai, portanto, manifestar-se na forma de educar do grego. Era preciso formar soldados assim como, durante a Revolução Industrial, se fez necessário criar uma mão de obra para trabalhar na indústria. Porém, antes disso, é preciso relembrar a educação na Idade Média.
As artes liberais na Idade Média
Para situar a educação liberal da Idade Média, vamos nos servir de um trecho do artigo de Nunes (1975:3) a fim de ilustrar a situação na qual se encontrava o homem do medievo.
Os estudiosos medievais herdaram dos romanos a sua cultura, bem como as tradições pedagógicas. Os romanos, por sua vez, durante o período helenístico, absorveram e difundiram através do seu Império o legado educacional dos gregos. Sabe-se que Platão no livro VII da República distingue as logikai tecnai das bánausoi tecnai, isto é, as artes racionais próprias dos homens livres, e as artes mecânicas ou servis, próprias dos trabalhadores manuais ou escravos. Mostra Platão que a aritmética, a geometria, a astronomia e a harmonia são disciplinas propedêuticas à ciência da dialética, que permitirá à alma passar à contemplação da suprema Ideia do Bem.
Além disso, no Protágoras diz ainda Platão, que os jovens, quando já se julgam livres do estudo das artes, são compelidos pelos sofistas ao aprendizado do cálculo, da astronomia, da geometria e da música. Os sofistas, do seu lado, cultivaram com empenho a gramática, a retórica e a arte das discussões. Mas, enquanto Platão formulou e representou ao vivo o ideal pedagógico da filosofia como a meta dos estudos, seu contemporâneo Isócrates atraía para Atenas multidões de alunos, aos quais ensinava os segredos da retórica e da persuasão política.
Desse modo, surgiram os dois modelos e paradigmas da formação escolar: de um lado, o ideal platônico que reduz todas as disciplinas literárias e científicas a simples estudos proemiais à filosofia e, do outro lado, o ideal ¡socrático, de acordo com o qual o importante era dar aos jovens boa formação literária, ensinando-lhes a bem falar, exprimir-se com clareza e a comunicar-se com os ouvintes por meio de palavras adequadas e de belas expressões. Pois bem, foi esse ideal retórico de Isócrates que vingou entre os romanos, e que Cícero e Quintiliano transmitiram, através de suas obras, aos estudiosos da Idade Média e, mais tarde, aos humanistas do Renascimento italiano.
(Nunes, 1975, p.3)
A educação da Idade Média, portanto, buscou, por meio do Trivium e do Quadrivium, desenvolver no homem o senso de busca pela verdade, mas sempre voltado para Deus. Clareza na comunicação, boa expressão, ensino da gramática, da retórica e da lógica se tornaram o básico para alguém que almejasse encontrar a verdade.
Porém havia aqueles que buscavam apenas aprender um ofício; era o que acontecia nas guildad, que ensinavam ao homem apenas um trabalho ao qual iria se dedicar durante a sua vida.
Vale lembrar que foi esse ensino que chegou ao Brasil no século XVI, logo depois do descobrimento, junto com Padre Anchieta e Padre António Vieira, quando fundaram o Patteo do Collegio, a primeira escola do Brasil.
Com a reforma protestante, a ideia de sistema de ensino o fortaleceu-se, foi rompendo com a transmissão de ideias da Igreja Católica e também começou a ser usado pelos Estados como meio de propagação de ideias. Isso fomenta a ideia de uma educação compulsória, em que as leis obrigavam crianças a frequentar instituições de ensino criadas pelo governo, com pena de aprisionamento caso fossem descumpridas.
A virada
A partir da Revolução Industrial, com a necessidade de mão de obra de massa, os pais passaram a ter que matricular seus filhos na escola para que esses pudessem ser formados pelo estado (tal como na Grécia antiga), mas agora com um objetivo: formar mão de obra, pois a sociedade necessita de pessoas que possa trabalhar e fazer a roda da economia girar.
E foi justamente esse o ponto central proposto por O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a partir do qual parece se formar um sistema público de ensino no Brasil, cujas bases eram uma escola totalmente pública, que fosse essencialmente gratuita, mista, laica e obrigatória, em que se pudesse garantir uma educação comum para todos, colocando, assim, homens e mulheres frente a iguais possibilidades de aprendizagem e oportunidades sociais, abolindo os privilégios de gênero ou mesmo de classe social.
Repare que, nas duas palavras em negrito, já aparece um grande problema: a obrigatoriedade do ensino. Porém houve algo ainda mais complicado de se dar em relação à educação: a tentativa de unir trabalho e vida, como apregoava o filósofo e educador norte-americano John Dewey. Nessa perspectiva, unir-se-iam teoria e prática, em favor da reconstrução nacional – o que, no entanto, acaba por não se mostrar como algo viável.
Porém, o que se deve esperar do ensino atual?
Se se pensar no ensino público, talvez o máximo que se permita é uma formação para a cidadania, em busca de sermos pessoas que saibam agir na nossa sociedade, não apenas como seres adestrados, mas como quem tenha alguma autonomia de pensamento. É preciso ser pragmático no que tange à possibilidade de formação dos alunos, mas não é possível querer atingir vários objetivos ao mesmo tempo.
Talvez seja importante desenvolver características importantes como o senso estético, o senso de responsabilidade por si e pelo outro, a busca pela realidade objetiva e pelo que é verdadeiro, segundo critérios reais e não apenas mentais. Mas isso é assunto para outro artigo.
Referências
Araújo, Cicero. Bentham, o Utilitarismo e a Filosofia Política Moderna. En publicacion: Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de Filosofia Letras e Ciencias Humanas, USP, Universidade de Sao Paulo. 2006.
Facão, Emerson. Poesia, educação e política na Grécia antiga. In: Ensaios filosóficos. Rio de Janeiro: PUC-Rio, dez 2019.
Nunes, Ruy Afonso da Costa. As artes liberais na Idade Média. Revista de História, v.51, ano 26, São Paulo: USP, 1975, jan-mar, p.3-23.