A sociedade em que vivemos, por vezes, nem percebemos às vezes, mas é extremamente consumista. No impulso de conquistar algo, além do necessário, reside a essência dos dispêndios. Adquirir um bem, em si, não é o problema; conforme analisado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, tornamo-nos, na realidade, escravos do esbanjamento e sentimos um profundo mal-estar quando não conseguimos nos apossar do objeto de cobiça. Os shoppings centers são os templos do consumo, como afirma Bauman, e estão a serviço do sentimento de bem-estar humano. Mas é uma sensação fugaz, uma vez que, passados alguns dias, ou até horas, perdemos o interesse pelo bem adquirido e desejamos outro produto, ou uma versão mais atualizada do mesmo produto para reafirmar nosso poder de compra e, assim, giramos indefinidamente no eterno círculo vicioso de consumir, consumir, consumir.
Considerando que atender a essa demanda insaciável de comprar não é privilégio de todos os seres; na realidade, grande parte da população, quando pode, trabalha mais horas e, às vezes, mesmo assim, não consegue mais adquirir sequer o necessário. Então, os cartões de crédito podem levar ao endividamento, porém, em primeiro momento, causam a sensação de alívio, mas a angústia de quem deseja comprar e não dispõe de condições de comprar à vista, recorre ao parcelamento. Em um círculo retroalimentado pelo capitalismo, vivencia-se assim a relação entre comprar e ser alguém, ou se perder no endividamento.
Ser alguém acaba sendo falsamente identificado com o poder de comprar compulsivamente. Nesse contexto, “compro, logo existo”. Assim, para que alguém seja considerado existente, é necessário que compre. Existir acaba sendo condicionado a comprar. E aqueles que não conseguem comprar, acabam se sentido pessoas miseráveis, alguns chegam a questionar porque nasceram, já que não podem comprar.
A mercantilização da vida não para por aí. O fenômeno religioso é perpassado por essa lógica veementemente consumista. Basta ouvir discursos de “conversão religiosa” para perceber depoimentos de que a transformação não foi pessoal, do ponto de vista de humanização do próprio comportamento de solidariedade universal. Pelo contrário, o que se ouve em muitos depoimentos de conversão a uma determinada expressão religiosa é que, por exemplo, “antes não tinha o carro dos meus sonhos e hoje eu me converti e tenho”. A vivência religiosa já não é uma gratuidade. E já que tive tantos benefícios, nada melhor que retroalimentar o sistema religioso mercantilista do sagrado pagando dízimo. E os líderes religiosos agradecem. Nada contra qualquer religião, mas a mercantilização da religião, a manipulação financeira em nome de Deus é diabólica.
O consumismo acaba abarcando todas as esferas da vida e tudo passa a ser visto pela ótica financeira. O sucesso de alguém passa a ser medido exclusivamente por uma questão de padrão financeiro a ser atingido ao longo da vida. E o resultado é constatar muitas pessoas totalmente angustiadas porque não conseguem atingir as metas que o sistema capitalista proporciona; no entanto, é válido ressaltar que existem antídotos para ajudar a superar tais situações.
A educação pública, laica e gratuita, que representa uma grande conquista da humanidade para equalizar oportunidades mínimas a todos de uma determinada sociedade tem, nos últimos anos, sofrido grandes ataques. A educação se torna mais uma mercadoria e mais um fator de promoção da emancipação humana. Grandes conglomerados capitalistas passam a investir massivamente em teses favoráveis à privatização do sistema público de ensino. Instituições financeiras indubitavelmente não estão preocupadas com a educação pública, mas, certamente, atraídas pelo encaminhamento de recursos públicos para atender a uma demanda dos estudantes públicos que vierem a estudar em instituições privadas. Temos uma lógica perversa que transforma tudo em mercadoria, inclusive a educação.
Compro, logo existo é um imperativo presente na sociedade contemporânea que gera grande mal-estar diante do fato que é impossível atender às demandas insaciáveis da mercantilização da vida humana. A vida humana se banaliza de diversas formas, uma tortura psicológica, porque as pessoas não podem comprar e, ao não poderem comprar, sentem-se irerealizadas, imprestáveis. Cumpre à humanidade valorizar a dinâmica financeira da sociedade, mas há outras dimensões também tão importantes quanto à dimensão financeira, é preciso pensar em outras perspectivas emancipadoras que contemplem o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Parafraseando Charles Chaplin, encerramos dizendo que mais do que comprar precisamos nos humanizar. Precisamos de vida, doçura e esperança e que dinheiro é importante, mas não é tudo na vida humana.