Neste momento, enquanto escrevo, observo um rapaz trabalhando no jardim ao lado, carregando sacos de entulho de uma obra que está sendo finalizada. É um serviço pesado, literalmente, mas ele trabalha de forma aparentemente tranquila, apesar dos anos já acumulados, visíveis em sua aparência. Seu nome: Pedro. Ou Peu apenas, como ele costuma se apresentar.
Peu veio do interior ainda jovem, para trabalhar na capital, na casa de um jovem casal que iniciava a vida. Lá, executava serviços diversos de manutenção e limpeza do local. Um funcionário de confiança, respeitoso, honesto. Atributos que as décadas de trabalho e convivência foram capazes de testemunhar.
Os anos passaram, seus patrões envelheceram, a casa diminuiu e os serviços executados por Peu já não eram necessários. Mas, a esta altura, a filha do casal, a quem ele vira nascer, já estava casada e morando em sua própria casa. E lá, ela também precisaria de “um” Peu. Então, lá se foi ele, mais uma vez, dedicar-se a uma nova família, para qual ele já nutria grande estima, pois aquela mulher, era a garotinha que ele vira crescer.
Os anos continuavam a passar... E novamente o ciclo se repetia. Trabalho, limpeza, confiança. A nova família também cresceu, e Peu ali, executando suas tarefas, auxiliando e, também, cuidando e brincando com a nova integrante da família. Certamente, muito mais do que apenas um funcionário.
Uma pessoa extremamente simples, de poucas ambições. Nas horas vagas, passeava com os cachorros da vizinhança ou lavava carros para ganhar algum dinheiro extra.
Um dia, no entanto, por um deslize, por assim dizer, Peu foi mandado embora daquela casa e daquela família, à qual tanto se dedicou. Ele não só perdeu o trabalho, mas também sua moradia, um quartinho isolado na área externa da propriedade. Saiu de lá, do dia para noite, apenas com uma mochila de roupas na mão.
Os dias passaram, e ele continuava a passear com os cães e a lavar carros, agora sua única fonte de renda. Soube-se que estava em dificuldade financeira, um ajudou com a compra do gás, outros se movimentaram para comprar-lhe uma cesta básica. E Peu, apesar das dificuldades, manteve-se firme. Começou a fazer diárias nas casas da vizinhança. Cuidava do jardim, cuidava da limpeza. Ao avistá-lo hoje, do alto da minha janela, fazendo seu serviço de forma compassiva e responsável me questionei se seria justo, uma pessoa que tanto se dedicou a outras envelhecer desta forma, sem apoio, sem suporte, sem respeito.
Sua juventude e força ficaram para trás e agora que a idade começa a pesar Peu não tem sequer um local seu para morar. Com grande dificuldade alugou um quartinho apertado que tem pagado a duras penas. A comida escassa e a falta de conforto não fazem jus a um homem que dedicou a vida aos outros. É entristecedor.
Mas, além da história deste homem, fico a me perguntar quantos outros “Peus” existem por aí. Com histórias muito semelhantes a esta. Eu mesma, conheço vários casos similares, e imagino que você, também. O caseiro que trabalhou desde a adolescência, a doméstica que há anos se dedicou a uma só família, o porteiro do edifício que você cumprimenta todas as manhãs.
O vendedor que batia recordes na empresa, mas que agora já não performa como antes. A estagiária que virou gerente, mas que agora se tornou mãe. Não serão todos eles “Peus” também? Quais serão seus destinos? Será que tudo que fizeram por anos e anos será reconhecido?
Ao desempenhar qualquer função, é necessário que de tempos em tempos façamos uma avaliação do percurso que estamos seguindo, onde queremos chegar e para onde estamos indo. O que estamos colocando de lado e o que de fato vale à pena. Se o caminho estiver coerente com nossos desejos, ótimo, mas lembrar-se de se resguardar para tempos vindouros é sobretudo uma necessidade, pois neste mundo, onde falta empatia, dedicar-se não é garantia.