Somos ou não somos seres ritualistas por natureza? Essa é uma questão complexa e intrigante que abre espaço para diversas reflexões, interpretações e aqui revisito algumas delas.
Durante a nossa existência, coletamos evidências que apoiam a natureza ritualista da humanidade. Isso fica explícito nos relatos ao longo da história em diversas culturas.
Universais, os rituais são elementos centrais na vida das sociedades tribais e também encontrados nas grandes civilizações espalhadas pelo mundo. Eles tinham funções de transmissão de crenças e valores, celebração de vida e morte, fortalecimento da coesão social e auxiliavam nos momentos de crises.
Existem estudos que refutam a capacidade ritualista como uma característica biológica para a sobrevivência, mas a questão ainda é controversa, necessita de mais pesquisas para sua comprovação e a conclusão não deve ter lugar entre os extremos.
Os rituais manifestam-se em diversos contextos e podem ser definidos como ações simbólicas e repetitivas, expressadas individualmente ou na coletividade. Uma celebração social, cultural, religiosa, ritos de passagem ou práticas políticas, esses elementos moldavam a expressão de um grupo, transmitia preceitos e regras que determinavam a formação identitária de um povo.
Assim como os rituais públicos tecem a nossa malha coletiva, somos compostos de pequenas ações diárias que costuram a nossa existência. São momentos que podem passar despercebidos no turbilhão do dia a dia, mas que verdadeiramente é o que nutre a nossa mente e espírito.
Mas, não seriam os hábitos, rituais pessoais? Claro que sim, ao serem feitos com uma carga cerimonial, em presença e não de forma robótica. Os nossos comportamentos habituais, além de serem ferramentas práticas e funcionais, podem acalentar a alma, transmitir valores e fomentar a harmonia do coletivo. Sob este olhar, os rituais pessoais são as ações ou práticas repetitivas carreadas de intenções, que realizamos para cuidar de nós mesmos, seja física, mental ou emocionalmente. Eles são momentos dedicados à introspeção, ao relaxamento e a conexão com o nosso interior, mas que fortalece o Todo.
Trazer consciência nas pequenas práticas diárias é ritualizar. Conotar os comportamentos automáticos com uma intenção específica, nos agracia com ganhos emocionais, espirituais e sociais.
Na prática, normalmente o agito da vida moderna, nos faz esquecer de dedicar tempo para cuidar de nós e é neste contexto que os rituais pessoais ganham importância como ferramentas valiosas para promover o bem-estar, a paz interior e a conexão consigo mesmo.
O segredo é fazer tudo com intento. Seja a limpeza do corpo com duche rápido pela manhã para um dia de desafios, degustar em presença aquela xícara com uma bebida quente que nos acorda e anima o físico, dedicar um momento para silenciar a mente inquieta das preocupações e arrumar os pensamentos, recitar aquela oração de agradecimento e de proteção ao acordar, ou ao sair de casa, são ações ritualistas de início de dia, que fazem uma enorme diferença no quotidiano.
Seja claro e defina estratégias, mas sem egocentrismo. Faça celebrações durante o seu dia, isto facilita mudanças de estados vibracionais, aumenta a sua produtividade e traz-lhe conforto emocional.
Promover ações de cuidados pessoais como alongamentos no decorrer do dia, um banho relaxante ou a imersão dos pés em água quente com finalidade terapêutica após as tarefas laborais, uma leitura de um assunto que lhe seja interessante, a escrita reflexiva sobre um evento que te roubou a paz, fazer ioga, meditar, mexer no jardim, ouvir música, dançar ou outra atividade de lazer que lhe apetecer, são exemplos de rituais pessoais que podem ser inseridos no conforto do seu lar, com uma frequência pré-estabelecida, só trará benefícios e geralmente vai contagiar os outros moradores da casa.
Escolher os momentos do dia e repetir com consistência a intenção é a rota mais assertiva. Os benefícios são percebidos pelo físico e mental quase que imediatamente e manifestam-se na melhora da circulação sanguínea, no relaxamento muscular e mental, no alívio de stresse, no estímulo do foco, na clareza mental e o melhoramento do humor.
Tire momentos das horas laborais para fazer alongamentos. Levante e abra os braços para desfazer as tensões dos ombros. Mova o pescoço a girar para direita e esquerda e a mover a cabeça lateralmente. Use óleos essenciais como o alecrim para trazer o benefício do foco, concentração e memória. Respire em presença, agradeça o funcionamento dos seus órgãos, beba água, alimente-se e faça as suas necessidades em modo reverência.
Compre sais de banho, velas aromáticas ou use difusor de óleos essenciais no seu banho noturno. Pelo menos uma vez por semana cultive o agradecimento pelo maior órgão do seu corpo que se chama pele. Pode ser uma aplicação de argila ou um esfoliante caseiro. Dê atenção às unhas, olhe nos seus olhos pelo espelho e faça juras de amor a este corpo que te serve.
Tenha a companhia de um livro, crie uma relação com ele. Tudo à nossa volta é composto de energia. Livros são gatilhos para novas conexões neurais. Vibre com a estória, os ensinamentos. Comente trechos da leitura com os que encontrar pela frente. Propague as boas novas dos livros.
Pratique ioga, para melhora de postura, ganhar flexibilidade, obter relaxamento físico e mental. Se nunca experimentou, este é o convite. As redes sociais podem ser úteis para este primeiro passo, mas com certeza na sua região há profissionais qualificados para uma ajuda mais direcionada.
Outro ritual pessoal de custo zero é a escrita reflexiva. Tire um tempo, escute a sua mente e anote, sem julgamentos, o que povoa a nuvem invisível dos seus pensamentos e sentimentos. Esta ação regula o “stress”, traz luz aos nossos terrores e nos fortalece.
Cuide de plantas, seja ela ornamental como uma orquídea ou ervas aromáticas que te vão nutrir. O contacto com a natureza aumenta a sensação de bem-estar.
Use uma seleção de músicas da sua preferência ao longo das atividades. Componha o seu ritual, convide os filhos, cônjuges e mantenha viva e acesa a transmissão cultural na criação de laços através do exemplo.
Ao incorporar os rituais pessoais na sua rotina, o ideal é experimentar. Defina os dias e horários, deixe criar raízes, desfrute os benefícios que aparecerão ao longo do tempo. Os mais comuns são o bem-estar, a autognose e a paz interior.
Viver com o ritualismo não é só celebrar vida e morte, mas usar elementos simbólicos para o autoconhecimento e o fortalecimento de elos sociais. Esses gestos factuais perpetuam a complexa relação que nos define como uma espécie saudável e plena.