Lembram-se do êxtase e da felicidade que foi entrar em 2020, a década que prometia trazer mundos e fundos e montes de felicidade para toda a gente? Devemos ser muito maus inquilinos neste planeta a que chamamos de casa ou receio bem que o Universo nos tenha trocado as voltas. A década d’ouro ainda agora começou e, não posso ser injusta ao ponto de dizer que tem corrido tudo mal, mas também não sejamos estupidamente otimistas ao ponto de afirmarmos que tem corrido tudo sobre rodas! Parece que 2020 começou ontem e, num abrir e fechar de olhos, estamos em 2024!

Também há 100 anos, quando se iniciou a década de 1920, havia muitas promessas por concretizar, sofrimento para deixar pra trás das costas e esperança de que algo de muito bom estava por vir. Ou de muito mau, depende da perspetiva. A entrada em 2020 trouxe à ribalta o mesmo sentimento: felicidade, novos recomeços e prosperidade. Verificou-se? Em certos aspetos.

Os anos anteriores a 1920, deixaram atrás de si um rasto de destruição, morte, sofrimento e horror por conta da I Guerra Mundial. Com fim do conflito armado, a paz e a acalmia imperam nos países lesados pela guerra e havia que pôr mãos à obra para reconstruir o futuro. A vida é refeita, mas algo na mentalidade da sociedade muda, o sofrimento e a tristeza não pagam dívidas, por isso as pessoas agarraram-se ao único que tinham: à vida. Desta feita, passaram a vivê-la como nunca o tinham feito com entusiasmo.

Foi também neste período que se registou um elevado vigor no crescimento económico dos países e no seu desenvolvimento, nomeadamente, na indústria que acabou por se refletir na qualidade de vida da população. E se a forma de viver da sociedade muda, a das mulheres também avança com os tempos, como aconteceu.

Se antes a mulher só era vista em casa envolta dos tachos e de roupa para passar, nestes novos tempos, a mulher libertou-se das tarefas domésticas e saiu para o mundo! Além de passarem a ser frequentadoras assíduas de espaços públicos, em consequência da guerra, muitas tiveram de começar a trabalhar para garantir o sustento das suas famílias, enquanto os maridos estavam na frente de batalha. Além de mudar a forma de viver, as mulheres alcançaram o direito ao voto, ainda que só em determinados países como Alemanha, Áustria, Inglaterra e Estados Unidos.

Entretanto, 100 anos se passaram e muita coisa aconteceu, desde a implantação de regimes ditatoriais pela Europa - o que resultou em um genocídio de milhões de pessoas que a única culpa que tinham era serem diferentes. O Homem foi à Lua, descobriu-se a cura para diversas doenças e, em prol disso, a esperança de vida aumentou. Também já assistimos a crises financeiras, nomeadamente, a de 2008 depois de o banco norte americano Lehman Bothers ter declarado falência, que inevitavelmente acabou por afetar a economia a nível mundial.

Portugal, como não seria exceção, também acabou por se ressentir com toda esta crise e, consequentemente, a vida dos portugueses também foi afetada, nomeadamente, com o aumento do preço de vida. Podemos aferir que a vida da população viria a sofrer mudanças, as pessoas tiveram de repensar a sua forma de viver e ser mais cautelosos com o futuro, que nestas situações tende a ser um tanto incerta.

Nos anos seguintes, os portugueses viveram no fio da navalha e tiveram que “apertar o cinto” para de alguma forma conseguirem fazer face às despesas do dia a dia. Até que em 2019 quando a situação do país começava a melhorar, um vírus surgiu na cidade de Wuhan, na China, e em questão de semanas disseminou-se pelo mundo sem olhar a classes sociais ou a raças.

Com o emergir deste novo vírus, a Covid-19, tudo aquilo que parecia ser um recomeço resultou em retrocessos na economia desde o abrandamento desta pelo mundo à redução dos investimentos, que acabaria por ter consequências nefastas na vida das pessoas. Acrescentar a isto, temos também a tentativa de combate a uma doença invisível e que por mais cuidadosos e prudentes que os cidadãos fossem, não olhava a idades, classes, estilos de vida, bons ou maus. Este novo vírus do “nosso tempo” trouxe consigo muitas mortes, deixando muitas famílias desamparadas. Contudo, creio que este vírus nos fez olhar com outros olhos não só a vida e a nossa forma de estar nela, mas também a importância de estar presente quando é necessário.

Talvez não queiramos assumir, mas 2020 começou e uma nova era também se iniciou com ele. Só não imaginávamos que seria tão tenebrosa e agitada. Não satisfeitos e ainda abraços com a crise pandémica, a 24 de fevereiro de 2022, a Leste inicia-se um conflito armado entre a Ucrânia e a Rússia, que dois anos depois parece não ter solução à vista e continuará assim enquanto o poder e a ganância imperarem como valores primordiais das sociedades.

A história parece voltar a repetir-se, ainda que um pouco desfasada no tempo: entre 1918 e 1919 surgiu a Gripe Espanhola ou Gripe Pneumónica, que de acordo com estudos realizados terá ceifado a vida de 50 a 100 milhões de pessoas pelo mundo. No fim da década d’Ouro e inícios dos anos 30, verificou-se o colapso da Bolsa de Nova Iorque, que provocou uma crise financeira a nível mundial. Em 1939, despoletou um novo conflito armado na Europa, que ceifaria muitas vidas no campo de batalha e nos campos de concentração tudo por conta de alguém que saiu do conflito anterior (I Guerra Mundial) com o ego ferido e que prometeu um dia vingar-se.

A par com uma guerra e com um vírus, a Rainha com o reinado mais longo na história acaba por sucumbir em setembro de 2023. Também uma era termina com Isabel II, e uma nova era se inicia com Carlos III no poder para o povo britânico. Como nem só Portugal é feito de burocracia, o príncipe Carlos só viria a ser declarado rei em maio de 2023. Depois de tanto tempo à espera, uma vida, o seu momento havia chegado por fim.

Ainda em maio de 2023 foi decretado o fim da crise pandémica causada pela Covid-19, e podemos regressar aos poucos àquela que um dia foi a nossa vida. Guardámos as máscaras e o álcool em gel para outra eventualidade. Esperemos bem que não, mas nunca se sabe. Podemos, por fim, abraçar e ser abraçados e estar presentes na vida uns dos outros. No entanto, como uma nunca vem só, em outubro de 2023, “rebenta” um novo conflito armado no mundo, desta vez entre Israel e Gaza, depois de os palestinos atacarem o povo de israelita, que tem ceifado vidas inocentes e destruído tudo o que lhe aparece pela frente.

De uma empreitada parece que o mundo vai colapsar a qualquer instante e nós, meros mortais, somos simples espectadores. Não bastavam os conflitos armados vigentes, parece que aos poucos tudo o que conseguimos alcançar nestes 50 anos de Democracia está a esmorecer. Onde estão os Valores d’Abril? Com certeza devem-se ter perdido algures, porque não acho normal, depois de tudo o que foi vivido durante a ditadura e foi feito para a derrubar um partido de extrema-direita seja a terceira força política em Portugal. Se esperam soluções com este tipo de partidos, bem que podem ficar à espera, porque não vão aparecer. Até podem dizer o que o povo quer ouvir, mas nunca serão capazes de apresentar o quer que seja que nos beneficie.

Os Valores d’Abril ficaram a dormir e com eles também ficaram os direitos das mulheres. Há cem anos as mulheres livraram-se dos tachos, das lides domésticas e ganharam a sua independência a custo e por necessidade. Cem anos depois as mulheres alcançaram os seus direitos e são independentes, mas ainda há muito por fazer, sobretudo quando se defende a criação de um estatuto de Dona de Casa para as mulheres. Curiosamente, só vi homens a apoiar esta medida. Porquê? Talvez porque são homens e porque a eles tudo lhes é permitido e sempre terão uma palavra a dizer, mesmo que não seja a apropriada no momento.

Cem anos depois, ainda que um pouco desfasada, a história repete-se. A década que prometia felicidade, vigor e realizações foi na realidade uma montanha-russa de acontecimentos. Só ainda passaram quatro anos e tanto aconteceu. Que os próximos anos sejam mais amáveis connosco. Ou nós com eles.