"Oscura Kermés Oscura - Argentina, 1976-1983: Memórias da opressão" ("Escura Quermesse Escura", ou simplesmente OKO) é uma exposição multissensorial dedicada às pessoas presas e desaparecidas durante a última ditadura militar-cívico-eclesiástica argentina. A OKO se estendeu desde o dia 12 de março de 2024 até o dia 02 de abril, no Museo de la Ciudad "César Blas Pérez Colman", em Paraná, província de Entre Ríos, Argentina. No dia 24 de março, feriado na Argentina pelo Dia Nacional pela Memória, a Verdade e a Justiça (pelo aniversário do Golpe de Estado de 1976), o Museu abriu uma sessão especial.

Para os autores Gustavo Hennekens, Victoria Puigcernau, Valentina Arlettaz e Félix Lenzi Colman:

De certa forma, todos estamos sempre em busca de nossa própria identidade, parcial, total. Ou pelo menos isto é o desejável se é que aceitamos que a identidade é um processo em construção e em estado de performatividade contínua em um cenário de contínua mudança. Isto estabelece um espírito de abertura ao outro, ao diferente, em que subjaz -talvez- uma ideia de utopia. Ou o desejo dela.

O visitante se encontra com uma série de Estações, cada uma delas precedida ou sucedida por textos, imagens ou sinais evocativos que - de maneira elíptica - remeterão ao sentido geral da Instalação: a opressão como modelo de sociedade.

Segundo os autores:

O êxito da experiência imersiva requer o cumprimento de certas condições. Seu êxito, de fato, depende em boa medida das características do dispositivo semiótico e do aproveitamento que faz o autor das possibilidades brindadas por ele: para que um texto seja imersivo, deve criar um espaço com o que o leitor, o espectador ou o usuário possa estabelecer uma relação pessoal e singular, enlaçando a experiência com instâncias de sua própria vida.

OKO é uma ação sustentada em uma perspectiva política da história argentina e centrada na memória como uma ação em permanente construção; tomamos como antecedentes imediatos as ações "OKO 2023", "Artefatos sob a sombra do poder" e "Sete anos, oito meses e dezesseis dias de escuridão", produzidas no Museu Provincial de Belas Artes "Dr. Pedro E. Martínez" as duas primeiras e no Museu Casa de Governo de Entre Ríos a última, todas realizadas em anos anteriores.

Oscura Kermés Oscura tem o formato de um Itinerário de Estações interligado por uma temática comum e por uma estética sustentada no performático:

O contexto histórico, político, cultural e social é essencial para a existência da memória. Nossa memória, a do indivíduo, está conformada por acontecimentos pessoais, mas sempre no marco de acontecimentos coletivos.

Logo ao entrar, o visitante vê um vídeo onde uma pessoa toma chimarrão e anota coisas. Logo se depara com uma espécie de animal quadrúpede oco e sem cabeça, dentro do qual se espera que coloquemos nossas cabeças. Dentro do animal, são projetadas imagens da época de forma hipnotizante, com a frase "Tudo está em ordem" repetidamente.

Seguindo o percurso, podemos ver uma sala com um armado de tecido preto enorme, de onde sobressaem diversas silhuetas de rostos gritando ou em sofrimento. Junto a este armado, um fragmento de uma carta de uma pessoa desaparecida.

Logo, em outra Estação, vemos uma pequena sala com uma pequena cadeira rodeada de arame farpado. Em frente a esta cadeira, uma pequena tela projetando imagens da época. Ao lado, outro fragmento de carta de uma vítima.

Ao lado, na parede, pode-se ver um estêncil da silhueta de um homem sentado. Dentro dela, e saindo dela, um fio vermelho que conecta toda a exposição e vai parar numa sala contígua, onde há uma espécie de telefone, com um ouvido. No aparelho, são ditos aos sussurros os nomes das pessoas desaparecidas. Do outro lado da sala, enquanto ouve-se a voz dizendo seus nomes, cortinas exibem fotos projetadas das vítimas, animadas, e que muitas vezes olham para o espectador.

Uma exposição para recordar, entender e empatizar com as pessoas detidas-desaparecidas da última ditadura argentina e suas histórias.

Contexto

A última ditadura argentina, que durou de 1976 a 1983, foi parte do Plano Condor de ditaduras na América do Sul durante os anos 1960 a 1990. Neste caso, a cumplicidade foi militar, civil, eclesiástica e econômica. Buscavam eliminar os movimentos de esquerda (armados ou não) ou quaisquer protestos da sociedade civil.

Houve, segundo a Justiça, um plano estatal sistemático de extermínio que incluiu torturas, assassinatos, desaparições forçadas, "vôos da morte" (onde os sequestrados eram anestesiados e jogados vivos de aviões no Rio da Prata ou no mar), roubo e apropriação de bebês, entre outros delitos de lesa-humanidade. Em suma, terrorismo de Estado. Milhares de pessoas foram sequestradas, torturadas e mortas. Estima-se que houve ao redor de 30 mil pessoas desaparecidas, e ao redor de 500 bebês roubados de prisioneiras grávidas e apropriados por militares e amigos - ou entregues a orfanatos. Os militares e civis implicados neste plano sistemático fizeram um pacto de silêncio, e até hoje só foram encontrados 132 netos.

Muitos dos cadáveres das vítimas continuam desaparecidos. O trabalho da Equipe Argentina de Antropologia Forense é incessante até hoje, tentando reconstruir a história ao identificar os corpos encontrados. Enquanto isso, as Mães e Avós da Praça de Maio continuam lutando por julgamento e castigo aos repressores, pela recuperação dos corpos de seus filhos e pela restituição da identidade de seus netos.

Depois de muitos julgamentos aos militares repressores, atualmente a Argentina tem um governo negacionista da ditadura, sob o comando de Javier Milei. Por coisas como esta, é muito mais importante reivindicar a Memória, a Verdade e a Justiça. Definitivamente, uma exposição de visita obrigatória para quem quiser entender um pouco mais sobre o contexto histórico-cultural dos anos 70 na Argentina.

E para exercer-se, este poder deve apropriar-se de instrumentos de uma vigilância permanente, exaustiva, onipresente, capaz de tornar tudo visível, mas a condição de tornar-se ela mesma invisível. Deve ser como um olhar sem rosto que transforma todo o rosto social em um campo de percepção: milhares de olhos por todos os lados, atenções móveis e sempre alerta.

(Michel Foucault - na obra Vigiar e Punir)