O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro1 em entrevista para o El País Brasil (2019) levantou duas questões cruciais para o aqui e agora vivido cotidianamente, a produção subjetiva (o solo e o corpo). Que a verdade se tornou inacreditável, e que a gente chegou numa situação no Brasil que você tem que usar um vocabulário da psicopatologia.

Cenário que descobre a pergunta: como a organização teórica e prática da revolução criadora inspirada por Moreno pode ajudar a produzir novos caminhos para além do terror? Pois, uma realidade onde as verdades estão desfalecidas e os argumentos transitam a partir de manuais psicopatológicos, nos coloca à frente de uma distopia que produz subjetividades de terror, a cultura do terror2.

O mesmo Michael Taussig2 nos lembra que para ir contra o terror é preciso pensar através do terror. Momento onde a revolução criadora de Moreno pode organizar possíveis saídas para pensar, e mais ainda, fazer através e para além do terror. Mas, o que é o terror? Em carne viva é tudo o que destrói os humanos e os não-humanos3, e produz subjetividades que encontra somente na violência qualquer explicação como real.

Pois, se a revolução criadora está no encontro, encarnado e inscrito como produção de vida. Hoje, o aqui e agora, faz do desencontro entre humanos e entre verdades, a paisagem que nos alimenta todos os dias pelos noticiários e pelas relações cotidianas. A ciência, a educação, a saúde e a arte ironizada dia após dia com o objetivo de formar queimadas não só nas matas, mas também nos corpos humanos que existem no solo brasileiro.

Mas, como vão as coisas? As coisas não andam bem, e por isso, se torna cada vez mais necessário que essa pergunta esteja em espaços e com grupos que aceitem encarar o rosto4 dos humanos e das coisas. Uma pergunta cotidiana que hoje ganha um peso desestabilizador, pois as coisas não andam bem, e a imagem do terror, amplia-se na tentativa de normalizar a realidade com sua própria imagem.

Como lembra Moreno (1975)5:

Existe um modo, simples e claro, em que o homem pode lutar, não através da destruição nem como uma parte da engrenagem social, mas como indivíduo e criador, ou com uma associação de criadores. Ele tem de encontrar uma estratégia de criação que escape a traição da conservação e à concorrência do robô. Essa estratégia é prática do ato criador, o homem como um instrumento de criação que muda continuamente os seus produtos.

Ato criador que desvenda caminhos para pensar, fazer e estar contra o terror, quando a partir da associação de criadores em espaços e grupos, os afetos e as subjetividades podem atravessar aquilo que mata, simbolicamente e de forma real, os humanos e não-humanos que insistem em existir. Mais do que nunca o trabalho de Moreno deve ser revisitado, suas origens clássicas, por conta da sua potência psicoterapêutica de produzir grupos que podem enfrentar uma realidade cada vez mais amedrontada pelo terror.

Sabendo que Moreno se produz como Moreno por entre contextos onde o terror lembra o terror de hoje, o aqui e agora de Moreno, possui imagens semelhantes com a nossa realidade ultimamente. E o mesmo Moreno, para enfrentar o terror, se colocou ao lado da ciência, a construção da Socionomia, da educação, da saúde e da arte.

E como Moreno se depararia com as coisas hoje? Talvez, da mesma forma como fez anos atrás, produzindo micro grupos a partir do encontro, na busca de uma alteridade radical, para tecer uma revolução criadora, quando os humanos enfrentam seus fantasmas.

Pensar e fazer terapêutico social que descobre na subjetividade, no comum cotidiano, a possibilidade de transformações sensíveis, alhures de devaneios e fantasmas que faz do humano um catalizador de injustiças, quando se torna instrumento de uma engrenagem as cegas. Método terapêutico que busca organizar sensivelmente e racionalmente o sujeito e a sociedade que esse pertence. Leia-se sensivelmente e racionalmente, como possibilidade de reorganizar uma realidade destroçada por discursos e ações de terror.

Caminhos para além o terror

Caminhar para além do terror é uma ação que transita por de baixo e por cima da pele, ação que é cientifica, terapêutica e coletiva, pois é no encontro terapêutico coletivo psicodramático que os humanos perdem suas vestes imaginárias, e revela a verdade, própria como sujeito, e coletiva como organização social e política. O que faz recuperar radicalmente a teoria de Moreno5 (1975) quando diz:

Essa guerra contra os fantasmas exige ação, não só da parte de indivíduos isolados e de pequenos grupos, mas também das grandes massas humanas. Essa guerra – dentro de nós próprios – é a Revolução Criadora.

Guerra contra fantasmas que é precisamente um movimento cientifico, terapêutico e coletivo, que descobre e indaga a posição do e da Psicodramatista em relação ao nosso aqui e agora. E revela em carne viva, a condição do Psicodrama como produtor de revoluções criadoras para caminhar para além do terror, pois sem isso, não existe nada.

Moreno (1992)6 também nos lembra que para mudar o mundo social, precisamos planejar experimentos sociais de forma a que produzam mudanças. Experimentos que podem estar em diversos lugares, nas praças, nas ruas, nos teatros, nas empresas, nas escolas, nas universidades e em espaços onde estão aqueles e aquelas que ocupam posições de poder e tomadas de decisões, essas que interferem diretamente na vida cotidianas de todos e todas que caminham pelo solo brasileiro.

Nem a Barata7 e nem Josef K8 de Franz Kafka são seres isolados, pelo contrario, são personagens que habitam ainda a realidade cotidiana social, e o que eles dizem e fazem é politico e coletivo. Por isso, a necessidade cada vez maior de grupos pequenos e grandes organizados e trabalhados pela teoria de Moreno, buscando na ideia central da revolução criadora, rasuras9 que atravessem o terror e transformem a organização social do aqui e agora que vivemos. Minha, sua, tua de e qualquer um ou uma que respire o mesmo ar.

Produção revolucionária, mas antes de tudo, sensível, que recupera em Buber10 a seguinte questão:

Somente aquele que conhece a relação e a presença do Tu, está apto a tomar uma decisão. Aquele que toma uma decisão é livre, pois se apresenta diante da face.

Dilema ético e político que produz o fenômeno da reflexibilidade, quando um grande espelho esta de frente ao rosto daqueles e daquelas que trabalham com ciência da Socionomia. O que vamos fazer com isso? Pergunto eu à você, pergunto eu ao espelho. Me pergunto todos os dias ultimamente. Nery e Costa111 faz pensar um caminho para esse dilema quando dizem:

A epistemologia socionômica também se alicerça no pressuposto de que o ser humano se estrutura e se desenvolve nas relações humanas. Se o ser humano é um ser em relação, um ser em situação, sua existência está atrelada à coexistência.

Caminho Moreniano que responde Buber quando não foge a face do Tu e do real, e faz dessa não fuga (ser em relação), a potência encarnada como revolução criadora, pois se o que temos é o humano, suas relações, seus medos, suas esperanças e sua coexistência com os humanos e não-humanos, esse é o lugar onde podemos pensar e fazer apara além do terror, para além da imagem do fim, descrita por Danowski e Viveiro de Castro12 nada aconteceu – apenas estamos mortos.

Notas

1 Viveiros de Castro, e Danowski, D. Há um mundo por vir?: ensaio sobre os medos e os fins. Cultura e Barbarie: Instituto Socioambiental: Florianópolis, 2017.
2 Taussig, Michael. 1993 [1987]. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem: um estudo sobre o terror e a cura. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
3 Latour, B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. 4ª. Reimpressão, Editora 34: Rio de Janeiro, 2008.
4 Lévinas, E. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. 2ª. Edição, Editora Vozes: Petrópolis, 2005. 5 Moreno, J. Psicodrama. Cultrix: São Paulo, 1975.
6 Moreno, J. Quem Sobreviverá? Fundamentos da Sociometria, Psicoterapia de Grupo e Sociodrama. Dimensão: Goiânia, 1992.
7 Kafka, F. A Metamorfose. Companhia das Letras: São Paulo, 1997.
8 Kakfa, F. O Processo. Companhia das Letras: São Paulo, 1997.
9 Derrida, J. Posições. Editora Autêntica: Belo Horizonte, 2001.
10 Buber, M. Eu e Tu. Oitava Edição. Editora Centauro: São Paulo, 2004.
11 Nery, M e Costa, L. Desafios para uma epistemologia da pesquisa com grupos. Revsita Aletheia, n.25, p.123-138, jan./jun. 2007.
12 Viveiros de Castro, e Danowski, D. Há um mundo por vir?: ensaio sobre os medos e os fins. Cultura e Barbarie: Instituto Socioambiental: Florianópolis, 2017.