Comumente, é empregado o adjetivo vagabundo, ou marginal para definir este que incorre à condição de criminoso. Vale pontuar de início que para definir alguém como criminoso é necessário o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, logo não há alguém descondensado ou qualquer sinônimo que possa definir a situação.

Isso posto, o inconformismo com a palavra é justamente por ser mais uma das muitas terminologias racistas que verificamos no Brasil, palavras as quais nos debruçaremos em outro artigo vindouro.

Especificamente sobre o termo vagabundo, o verbete em dicionários, como o dicio.com.br, nos aponta à “característica de quem não trabalha ou não gosta de trabalhar; vadio”. É importante, e há um estigma que nos diz muito enquanto sociedade, o vagabundo foi criminalizado, e nossa pergunta é: onde surgiu o vagabundo?

Em 13 de maio de 1888 a Lei Áurea é assinada e assim o Brasil é o último país das Américas a abolir a escravidão, interrompendo o nosso maior símbolo de desumanidade e perversidade. Maior, mas não o único.

Assim, com o fim da escravidão, os escravizados migram para as cidades, pois no campo já há o movimento da imigração italiana e as elites entendiam, ou ainda entendem, que é indignidade pagar um preto para trabalhar no campo, ou em qualquer outra área, o que nos diz muito sobre as relações trabalhistas na atualidade, mas não é nosso foco nesse momento. Não tinha espaço para que os cidadãos, que tiveram seus direitos constituídos pela primeira vez, trabalhassem nas cidades e razão começarão a vagar pelas cidades sem ter moradia e trabalho.

Por isso a escravidão foi citada como a maior perversidade brasileira, mas não a única.

E assim surge o vadio, e a sua condição, esta imposta pela falta de oportunidades e inclusão aos demais brasileiros, a solução foi criminalizar a vadiagem, que foi considerada crime e hoje é considerada uma contravenção penal.

Nesse sentido, o artigo 59 da Lei de Contravenções Penais discorre o seguinte: “entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência”. O texto do artigo define a vadiagem, mas poderia definir pessoas em condição de desemprego ou desocupação.

Não importa o peso de ser crime ou contravenção, é uma clara criminalização da pobreza e a solução durante décadas foi o encarceramento, e não a correção de erros estruturais da sociedade. A vadiagem era “cometida” por pessoas pretas, os marginais, como falado em texto anterior. Assim, temos a definição física da marginalização social, o vadio ou o marginal, surge dos recém libertos em 1888 e perpetua-se na sociedade brasileira, afinal, quem nunca escutou uma autoridade bradar que favelado é marginal, escudo da bandidagem ou perversidade que o valha.

E a mudança de percepção leva exatos 100 anos, ou perto disso, se estipularmos o 5 de outubro de 1988 como ponto de inflexão dos direitos das gentes no Brasil. A promulgação da CF de 1988 tem esse poder, embora continue criminalizada, o desempregado tem outra representação social.

A pobreza e a exclusão eram pensadas de forma individual, o sujeito é assim, logo o condena e o esconde na prisão e problema resolvido. A Constituição mudou isso.

Pensar problemas como pobreza e exclusão em recortes sociais e não individuais legitimam uma mudança proposta na Constituição, em que no art. 3º, III da Carta, coloca a superação das desigualdades e o fim da marginalização como objetivos do Estado.

E hoje vemos políticas públicas de redistribuição de renda como regra, uma população com Direitos Sociais assegurados, mesmo que de tipos mínimos como tem se apresentado, mas que efetivam a dignidade da população, principalmente a mais pobre.

Contudo, ainda resta essa mancha em nosso rol de contravenções penais, mas existem projetos que buscam revogar o citado artigo.