Coabitação é a prática política francesa de contemporização de perda de maioria parlamentar. Ocorreu, inicialmente, em 1986, quando o partido socialista do presidente François Mitterrand virou minoria no Parlamento após as eleições e, para se forjar governabilidade, convocou o líder da oposição que havia feito maioria para assumir o cargo de primeiro-ministro e ter autonomia quase integral para promover a indicação de ministros. Quase integral porque, pela Constituição promulgada pelo general Charles de Gaulle e vigente na Quinta República Francesa, o presidente da República possui o “domínio reservado” na indicação do responsável pelo Ministério da Defesa e do Exterior.

Em 1986, portanto, formou maioria parlamentar o partido presidido pelo Maire de Paris, Jacques Chirac. De maneira que ele, Jacques Chirac, foi convocado para ser primeiro-ministro em coabitação da presidência de François Mitterrand.

Com o sucesso eleitoral de François Mitterrand em disputa pela reeleição em 1988, a coabitação foi desfeita. Entretanto, em 1992, o seu partido socialista foi, novamente, minorado no Parlamento e, mais uma vez, pelo partido de Jacques Chirac, que, desta vez, para se guardar para a disputa presidencial de 1995, indicou, para a condição de primeiro-ministro em coabitação, o seu correligionário Édouard Balladur.

Balladur foi primeiro-ministro em coabitação até o fim da presidência de François Mitterrand, que foi sucedida pela presidência de Jacques Chirac.

Em 1997, sob a presidência de Jacques Chirac, o parlamento tendeu a ser minoritário ao encontro das intenções de governabilidade do governo. Diante disso, o secretário geral do Élysée – leia-se, da presidência da República francesa –, Dominique de Villepin, sugeriu ao presidente Jacques Chirac a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de novas eleições. No que o presidente da República anuiu.

No entanto, do resultado das urnas emergiu uma maioria socialista que obrigou o presidente gaullista iniciar uma nova manobra de coabitação. O responsável pelo partido socialista em questão era o seu primeiro-secretário, Lionel Jospin; que, dessa forma, foi convocado para o posto de primeiro-ministro em coabitação na presidência de Jacques Chirac, mas com abertas aspirações de se tornar ele próprio, Lionel Jospin, presidente da república. De maneira que ele, Lionel Jospin, primeiro-ministro da presidência de Jacques Chirac, apresentou-se às presidenciais de 2002, à sombra de François Mitterrand, com possibilidades claras de sucesso eleitoral.

Desde então, a França não voltou a vivenciar a experiência de coabitação. Mas o conjunto de crises políticas sucessivas no país tem indicado o imperativo do retorno dessa tendência.

O presidente Emmanuel Macron dissolveu a Assembleia Nacional francesa em junho de 2024 e perdeu a frágil maioria parlamentar de que dispunha. Mas o resultado não forjou maioria parlamentar a nenhum partido nem grupo. A rigor, ninguém ganhou. De modo que o presidente convocou para primeiro-ministro um político conveniente às suas convicções, Michel Barnier.

Entretanto, a situação francesa seguiu confusa e a classe política, belicosa. Como decorrência, Barnier recebeu voto de desconfiança dos parlamentares e foi destituído do cargo em menos de três meses. O que impôs a convocação de um novo primeiro-ministro. Desta vez, François Bayrou.

Bayrou participa do movimento macronista desde o início. Tendo sido, inquestionavelmente, um dos responsáveis pela chegada do jovem Emmanuel Macron a presidência em 2017 e por sua confirmação na reeleição de 2022. De maneira que está longe de representar um agente em coabitação. Mas, claramente, segue longe do primeiro-ministro dos sonhos do presidente Macron. O que leva o general De Gaulle a se revirar em ataúdes. Pois a Quinta República Francesa supõe plenos poderes ao presidente.

A invenção da coabitação começou a fragilizar o espírito da Quinta República. A sua normalização impôs ao regime impasses. O mal-estar recente, com a dissolução, levou ao regime à sua crise mais profunda. Que espera um fim. Que se mostra, cada vez, mais distante.