Meus pés descalços tocavam o asfalto quente do fim da tarde. Aquela rua nos arredores da cidade estava cimentada há anos, mas nenhuma casa havia sido construída para emoldurá-la.
Ali, no topo daquele morro de cimento, eu poderia ver toda a cidade. Atrás de mim, o sol se punha contra o horizonte de árvores, e a próxima manhã nasceria à minha frente, banhando a cidade em dourado.
Assim como há anos atrás, eu havia tocado o chão de terra descalço, havia visto o sol nascer com os pés na terra vermelha. Como a terra havia se tornado cimento, eu havia mudado, envelhecido, amadurecido.
Calcei meu tênis e entrei no carro, descendo o morro devagar, apenas acompanhando o ritmo preguiçoso do sol que se punha em sua cor avermelhada, deixando o céu tornar-se escuridão. A estrada me absorvia, em minha mente não havia nada além do vazio sonoro que existe quando desejamos deixar de pensar, o branco de assistir a tinta secar.
Então, um verso, um simples verso de uma música antiga, me puxou completamente de volta para a realidade, mas apenas para me jogar de volta aos devaneios. Devaneios esses que agora possuíam uma trilha sonora.
Voltei lentamente para aquele nascer do sol, de quando o cimento era terra. E quanto mais as lembranças invadiam minha mente, mais distante do passado eu me sentia. Porém, essas memórias eram, e ainda são, claras demais. São mais do que memórias. São sentimentos puros. Eu recordava como se fosse ontem, dois garotos bobos rindo e sorrindo.
Há tantos anos atrás, uma dupla que subia aquele morro de terra antes mesmo do sol nascer, escondidos pela madrugada. O plano era flagrar o nascimento do sol. Na verdade, era meu plano, algo como uma surpresa, fazê-lo sair de cama antes do nascer da manhã.
Eu faria daquele momento uma memória inesquecível, romantizando minha própria existência. Faria um café da manhã banhado pela luz amarelada da matina. Nessa memória me perdi, a música do rádio acabou, e a única coisa que me restou foi o gosto adocicado de seu beijo no fundo da minha garganta.
O morro também chegou ao seu fim, eu seguia agora uma rua plana, rumo ao centro da cidade que se acendia com os postes esbranquiçados. O sol havia se entregado para a escuridão. A música, o morro e a luz haviam chegado a um fim. Assim como o amor dele por mim.
A lembrança daquele último momento juntos era a única coisa física à qual eu podia me agarrar. Porque todos os outros planos que eu havia sonhado para nós nunca deixariam de ser devaneios da minha mente hiperativa.
Parei o carro em uma rua deserta, bem embaixo de um poste que me iluminava. A primeira lágrima escorreu, abrindo as portas para todo aquele turbilhão de sentimentos que eu havia escondido abaixo do meu coração, me sufocando. Os sentimentos queriam, precisavam, sair, e sem muita resistência deixei que saíssem. Que escorressem, que me molhassem.
Deixei que os soluços saíssem pela minha boca como gritos de desespero. Não sei dizer por quanto tempo fiquei parado, ali, respirando memórias, deixando que aquela onda me afogasse.
Em algum momento liguei o carro e voltei a dirigir, andei reto, segui por ruas vazias, até chegar na saída da cidade. Ali, continuei.
Até chegar na próxima cidade, e na próxima, e na próxima, e na próxima. E só parei quando senti o ar voltar a meus pulmões. Quando recuperei minhas lágrimas e me recolhi da poça de melancolia que havia virado.
E voltei para casa.
Voltei vazio, para uma casa vazia.
Tomei um banho de água fria para lavar a alma e não somente o corpo. Deitei na cama nu, sozinho, sentindo apenas o frio e a falta do seu abraço. Do cheiro de seu perfume, do tom de sua voz, da sua risada. Fechei os olhos e me entreguei a qualquer lembrança dele. Mas nada veio, agora restava-me apenas a mim.
Então, entreguei-me a qualquer plano que já havia sonhado para nós e me permiti sonhar, só mais uma vez.
Me permiti viver aqueles momentos que nunca vivi e nem nunca viveria. Pois eu ficaria para sempre com meus planos e meus sonhos, sozinho.