Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque e meu cantor favorito, é sem dúvidas um dos grandes nomes da Música Popular Brasileira. Renomado cantor, compositor, escritor e dramaturgo brasileiro, Chico veio para embelezar o mundo com seus lindos olhos verdes e cabelos encaracolados em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro, Brasil. Filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista Maria Amélia Buarque de Hollanda, Chico cresceu em um ambiente culturalmente estimulante e cercado de mulheres por todos os lados, entre elas a mãe e as quatro irmãs. Nesse ambiente, desde cedo, ele demonstrou interesse pela música e começou a estudar piano aos seis anos de idade.

O cenário musical brasileiro na década de 1960 foi o palco onde Chico ganhou destaque, em um período marcado por muitas transformações sociais e culturais no país. As canções de Buarque traziam questões sempre muito pertinentes ao contexto que estava envolvido, como as políticas, sociais e amorosas,com isso ele se tornou um dos principais representantes da MPB da época. Ao longo de sua carreira, Chico lançou muitos álbuns de sucesso e compôs músicas que até hoje são consideradas clássicos da música brasileira como "Construção", "Apesar de Você", "Atrás da Porta", "A Banda", "O que Será", "Cotidiano", "João e Maria", Meu Guri" e tantas outras belíssimas e atemporais.

Conhecido por seu posicionamento político e social, além da música, outras grandes contribuições culturais de Chico estão na literatura e no teatro. Suas produções expressam críticas e reflexões sobre a realidade brasileira, assim como aspectos universais da condição humana. Sua contribuição para a música e para a cultura brasileira é inegável, mas além disso é profundamente importante ressaltar a grande capacidade que Chico tem de escrever letras que tocam no íntimo feminino, mais ainda que representam e falam tal qual uma mulher poderia se expressar. É facilmente notável que dentro do seu vasto repertório musical Chico tem uma série de músicas que abordam as mulheres de forma singular, retratando suas diferentes facetas, desejos, dores e amores. Neste artigo, quero explorar algumas dessas canções emblemáticas e refletir sobre como Chico Buarque as utiliza para pintar um retrato vívido da feminilidade.

Em uma entrevista Chico disse certa vez que "Há sempre pra mim um grande mistério na alma feminina, eu tenho uma grande curiosidade com relação a mulher. Como ela pensa, como ela age… Sou um expectador, um voyeur, um vedor." Apesar de se considerar um grande desconhecedor da alma feminina, há quem ache (eu, inclusive), que ele conseguiu retratar de forma excepcional a essência feminina, mesmo em canções onde a perspectiva é masculina.

Nas suas letras, Chico trouxe à a várias mulheres emblemáticas: Geni, Ana, Rita, Carolina, Teresinha, Beatriz, Cecília, Januária, Angélica, Bárbara… E todas essas mulheres das letras, na minha cabeça, vivem por aí, em algum lugar do mundo… Mas Chico afirma que suas inspirações não necessariamente foram mulheres reais. Muitas dessas canções foram escritas para cantoras/intérpretes/personagens femininas na primeira pessoa. A primeira música que Chico escreveu nessa perspectiva do eu lírico feminino foi para Nara Leão, "Com Açúcar, Com Afeto". Separei dez músicas de Chico sobre mulheres, juntamente com uma análise pessoal sobre a mensagem que cada uma delas me transmitiu.

Para embalar a leitura, criei uma playlist com as dez canções abaixo.

Carolina

Carolina, nos seus olhos tristes
Guarda tanto amor, o amor que já não existe
Eu bem que avisei, vai acabar
De tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar
Agora não sei como explicar

Carolina parece ser uma moça que vive a dor da perda de um amor que deu errado, na canção a vimos triste e solitária, talvez amargando escolhas que não foram boas, pois foi continuamente avisada que a relação poderia acabar só que não esteve atenta aos sinais.

Eu já fui Carolina em algumas relações, já vivi relações que findaram e eu amarguei o término arrependida por não ter seguido direções diferentes. Mas a parte boa de ter vivido a amargura do término foi ter percebido que passada a fossa, eu me dei conta que tinha tomado a decisão correta. Torço para que Carolina também tenha se encontrado em novos amores.

A Rita

A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos

Rita é uma mulher que finalmente deixou para trás um relacionamento que não dava mais frutos. Sabe aquelas relações que a gente apenas empurra com a barriga até chegar o momento que não dá mais e simplesmente vamos embora sem olhar para trás? Esse cara que canta se lamenta mas sabe que fez por merecer, pois fala em vingança. O homem sempre sabe quando perde. Nunca vivi uma experiência assim, mas conheço muitas Ritas que já se libertaram de relações fracassadas e que minavam sua auto estima e liberdade. Eu desejo que cada mulher que hoje vive desse jeito possa criar coragem para sair levando tudo que é seu de direito.

Geni e o Zepelim

Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

Essa é uma das minhas canções favoritas de Chico e existem muitas análises quanto ao seu significado. Eu enxergo em Geni todas as mulheres que são marginalizadas, exploradas e objetificadas pela sociedade. As que servem sem ser servidas, as que só ganham atenção quando podem oferecer algo. A gente vê todos os dias corpos padrão hipersexualizados, a erotização do corpo feminino infantil, a cultura do estupro. Carol Teixeira reflete que:

Séculos e séculos de repressão e violência de uma sociedade que nos fez acreditar que somos um corpo para o outro, uma vagina para o outro, uma sensualidade para outro. Um patriarcado com armadilhas cruéis e muitas vezes imperceptíveis que nos fazem achar que estamos escolhendo, quando na verdade estamos sendo mais uma peça no jogo patriarcal.

Geni é uma mulher que apesar de buscar manter sua dignidade é explorada, maltratada e desprezada pela sociedade em que vive.

Januária

Ela faz que não dá conta
De sua graça tão singela
O pessoal se desaponta
Vai pro mar, levanta vela

Em "Januária", Chico nos presenteia com uma figura feminina que aparenta ser de bem com a vida, que chama atenção por sua beleza física e é talvez um tanto quanto desinteressada dos flertes e atenções que recebe. É daquelas belas por natureza que não fazem disso seu principal atributo e muitas vezes nem se dão conta do quanto que são notadas. Januária me parece ser uma moça modesta e também forte, independente e que desafia as convenções sociais para viver a vida à sua maneira. A música celebra a liberdade e a individualidade de Januária, resistindo às expectativas e pressões externas, sempre na sua janela vivendo a vida como quer e nem aí para os olhares de cobiça ou recalque que recebe.

Cecília

Quantos poetas
Românticos, prosas
Exaltam suas musas
Com todas as letras
Eu te murmuro
Eu te suspiro
Eu, que soletro
Teu nome no escuro
Me escutas, Cecília?
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas

Cecília é o amor platônico de alguém. Ela vive a vida sem saber que alguém nutre por ela um sentimento avassalador. Essa é uma daquelas músicas de novela de Manoel Carlos, Cecília talvez fosse a melhor amiga de alguma das Helenas… É musa inspiradora de algum estudante, paixão secreta de um artista tímido ou a paixão de algum melhor amigo que ainda não sabe se declarar. De toda forma ela exala nostalgia e a saudade de um amor que não se concretizou. A protagonista, Cecília, é lembrada com carinho e melancolia pelo narrador, que lembra melancólico o que gostaria de ter vivido e não viveu ao lado da amada.

Ana de Amsterdam

Sou Ana de vinte minutos
Sou Ana da brasa dos brutos na coxa
Que apaga charutos
Sou Ana dos dentes rangendo
E dos olhos enxutos
Até amanhã, sou Ana
Das marcas, das macas, das vacas, das pratas
Sou Ana de Amsterdam

A letra evoca uma atmosfera de mistério e sedução, revelando a fascinação do narrador por essa figura enigmática que é Ana. Importante salientar que Ana de Amsterdam é o nome de uma personagem do livro/peça Calabar, o elogio da traição (1973), de Chico Buarque e Ruy Guerra. Aqui tem-se uma suposição a Ana como sendo uma amante de Bárbara, que era viúva de Calabar. "Há cortes parciais em duas faixas do disco. Na canção “Bárbara”, há um diálogo entre Ana (Amsterdam) e Bárbara (viúva de Calabar), em que Ana convida Bárbara para se afundarem “no poço escuro de nós duas”. No disco, a parte “nós duas” é cortada e se percebe na execução da música a mão da censura. Seria uma indicação de que ambas seriam lésbicas". Inclusive, ao pesquisar, me pareceu que ela ser mais de uma, ela tem versões, ela é personagem. Buscando por análises da letra, encontrei muitas suposições tais como "Ana era prostituta, e hoje em dia é falada, como diz no trecho 'Hoje sou carta marcada, hoje sou jogo de azar' e Ana era seu nome fictício, que usava na ‘profissão’, quando diz 'até amanhã sou Ana'. Há também uma ideia de que a canção seja uma referência a uma mulher que leva a vida sem medo de seguir seu coração e apostar nos relacionamentos, vivendo-os intensamente. Por

Beatriz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

"Beatriz" é uma das canções mais românticas de Chico Buarque, retratando o amor idealizado por meio da figura de Beatriz. A letra é uma ode à beleza e à pureza dessa mulher, que se torna um símbolo de perfeição aos olhos do narrador. Aqui temos, na minha visão, mais uma letra de amor platônico e/ou idealização da pessoa amada. Beatriz é o retrato do inatingível para a pessoa amada e ele a coloca em um lugar de quem vive em um altar e não na vida real. Particularmente acho esse tipo de idealização romântica perigosa, pois no fim ninguém é realmente perfeito e criar essa visão gera frustração de desapontamento. Recentemente, Chico fez uma mudança na letra dessa canção, trocando "A vida da atriz" para "A sina da atriz".

Angélica

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar

Uma das mais tristes composições de Chico, das letras que mais me emocionam pelo pesar que carrega. Antes mesmo de ser mãe eu já me conectava a essa letra por sua profunda melancolia e significado. A música é uma homenagem à estilista mineira Zuzu Angel, que travou uma batalha internacional por informações sobre o filho, desaparecido durante a ditadura militar. O filme Zuzu Angel, de 2016, tem a canção em sua trilha sonora.

Angélica, assim como Zuzu, é uma mulher forte e que nunca desistiu de encontrar o corpo do seu amado filho. Ela foi determinada até seu último suspiro, quando foi assassinada por agentes da ditadura em 14 de abril de 1976. Mesmo do meu lugar de mãe, não consigo mensurar a dor de Angélica, seu lamento e seu estribilho. Só consigo pensar que “A saudade é arrumar o quarto de um filho que já morreu” (Chico Buarque).

Tereza da Praia

Tereza é da praia, não é de ninguém
Não pode ser tua...
Nem tua também
Tereza é da praia
Não é de ninguém

Partindo de uma interpretação totalmente pessoal, acredito que Tereza é só dela. Imagino ela livre, leve, solta e dona de si. Gosto de pensar que não se prende a nenhum amor, talvez ela seja até poliamor. Monogamia não é pra essa gata. Tereza da praia vive a vida sob suas próprias perspectivas e pode ser que até crie nos outros a expectativa de pode em algum momento ficar e se assentar, mas no fundo no fundo vai acabar por voar porque Tereza tem asas e não é de criar raízes.

Essa música está em um dos álbuns mais recentes de Chico, Na Carreira é um álbum ao vivo lançado em 2012 no qual constam outros grandes clássicos do cantor.

Bárbara

Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor, vem me buscar
O meu destino é caminhar assim, desesperada e nua
Sabendo que no fim da noite serei tua
Deixa eu te proteger do mal, dos medos e da chuva
Acumulando de prazeres teu leito de viúva

Bárbara é a mulher que desperta a paixão de Ana de Amsterdam. A viúva de Calabar, é também citada em "Cala a boca, Bárbara". Uma relação tão interessante que em minhas pesquisas descobri já ter sido tema de TCC "A experiência homoafetiva feminina na canção Bárbara de Chico Buarque de Hollanda".

A canção tem um aspecto um tanto fúnebre e acredito que isso se dá pelo fato de que são duas mulheres que sofrem tanto na vida como no amor. Uma perdeu seu amante assassinado, a outra veio do outro lado do mar em busca de amor e felicidade, mas acaba nos braços de muitos e acaba por ansiar estar nos braços de Bárbara, mesmo sabendo que pode ser socialmente julgada por querer viver um amor lésbico e talvez trágico.

Em todas essas músicas, Chico Buarque nos presenteia com retratos complexos e multifacetados das mulheres, explorando sua beleza, sua força, sua sensualidade e sua vulnerabilidade. Suas letras capturam a essência da feminilidade de forma única e poética, contribuindo para enriquecer o universo da música brasileira com personagens femininas inesquecíveis. Não à toa, como falei no começo é meu canto favorito.