Quando eu era pequena, eu era uma dessas garotinhas falantes e sonhadoras que queria ganhar o mundo. Eu sonhava em ser artista; via nas novelas aquelas lindas atrizes e imaginava que um dia eu seria uma delas, ganhando prêmios pela minha atuação e sendo um exemplo a outras mini Camilas como a que eu fui um dia.
O tempo foi passando e, agora já mais adolescente, eu passei a ter outros sonhos pois acreditava que a carreira de atriz era apenas uma lembrança bonita que guardei no meu coração. Agora, já quase uma mulher, eu passei a sonhar mais concretamente e pensava que, ao fim dos meus vinte e seis anos, eu seria uma engenheira civil renomada, daquelas que constroem pontes e barragens, ou que faria mestrado e doutorado e seria a famosa prima que mora no exterior. Pobre de mim, não sabia o que a vida me reservava.
Com dezessete anos, saí de casa pela primeira vez, para fazer cursinho e, naquela época, realizar o sonho de cursar uma faculdade pública de Engenharia Civil. Pois bem, em partes, eu até que realizei alguns desses sonhos: eu cursei uma faculdade pública (na verdade, foram três até me formar de fato, mas isso eu conto em outro texto), fiz Engenharia (mas não Civil, Química) e até ingressei no Mestrado (mas desisti no fim do primeiro semestre). Mesmo com tantas mudanças de direção ao longo do caminho, continuei tendo os sonhos ali, bem guardadinhos dentro do meu coração.
Ao fim da faculdade, eu me vi perdida e sem um plano para o futuro. Pela primeira vez, eu estava sem rumo e, num ímpeto de impulsividade ou talvez, por medo de ficar desempregada, aceitei ir fazer um mestrado, no Rio de Janeiro. Parecia uma oportunidade incrível, apesar da “simbólica” contribuição (bolsa de apoio) que era concedida pela empresa que financiava o meu projeto. Porém, como a outra opção era ficar desempregada, eu encarei o desafio e, adivinha? Sabe aquela frase “Nada é tão ruim que não possa piorar?” Pois é, piorou e, muito! De escrotidão de orientador a uma profunda tristeza, eu aguentei quase tudo e, na tentativa de me salvar naquele mar de confusão que eu havia me enfiado, eu me afundei ainda mais: caí num golpe de uma imobiliária carioca e perdi praticamente tudo o que eu havia economizado até então (e mais um pouco).
Apesar das adversidades, naquele momento eu percebi algo muito importante sobre a vida: não adianta fugir das situações que você tem que passar pois de uma forma ou de outra, elas vão te encontrar. E eu digo isso pois, ir para outro estado e começar uma Pós-graduação, nada mais era do que a fuga do desemprego. E que no fim das contas, acabou me alcançando e, por um bom tempo, acabou me destruindo.
Sem dinheiro e sem emprego, agora, eu só tinha mesmo uma opção: retornar à casa de meus genitores enquanto tentava me reerguer, tanto financeiramente quanto emocionalmente. De volta ao lugar onde nasci, tracei um plano: em cerca de seis meses, no máximo, eu estaria empregada e, voltaria a morar numa cidade maior, como Londrina (onde me formei). E os meses foram passando, eu continuava a enviar milhares de currículos, fazia entrevistas e, nada do emprego. No total, acredito ter mandado cerca de 800 a 1000 currículos e, a única oportunidade que me ofereceram foi de ser trainee no interior do Goiás, numa cidade minúscula e distante quase que da civilização humana (brincadeira, mas era bem longe de tudo que eu conhecia). Lembrei do mestrado, aceitei porque não tinha opção e depois, minha vida virou caos e tormenta. Recusei. E, de novo, caí em desespero, porque, agora, a única opção que eu tinha, eu havia recusado. E, o emprego? Nada de aparecer.
Foi então que, no começo de 2024, fui chamada para participar de um processo trainee na região metropolitana de Curitiba. Mesmo sem condições financeiras de ir até lá, eu fui. Viajei quase 1000 km de ônibus da casa dos meus pais até a capital do Paraná, parcelei as passagens em infinitas vezes, peguei dinheiro emprestado para pagar o hotel e me alimentar, fiz o que eu podia fazer para estar lá e, quem sabe, conseguir o meu tão sonhado emprego. Eu sentia que estava ali, na frente do gol, era só marcar e, por um milésimo de segundo, eu chutei a bola e, eu juro que eu pude ouvir o Galvão Bueno gritar na minha orelha: - na trave! Fiquei arrasada, cheguei tão perto de conseguir, me esforcei tanto, fiz uma maratona para participar da etapa da dinâmica de grupo e, deu tudo errado e, ainda, fiquei com uma fatura de cartão para pagar com as despesas da viagem.
Mas acredite, o pior de tudo não foi o retorno negativo e, sim, a falta de empatia do ser humano nos dias de hoje. Quando fui comunicada sobre o resultado do processo seletivo, obviamente, fiquei bastante abalada, mas, agradeci à recrutadora sobre o retorno e, pedi, gentilmente, que ela me enviasse um feedback para que eu pudesse melhorar e evoluir para os próximos processos seletivos e, para a minha surpresa, quase como um email automático da Gupy, a moça me enviou a seguinte mensagem: “Estou bem também, obrigada! Não teria um feedback de melhoria, você tem um potencial excelente, gostamos muito do seu perfil, porém entendemos alguns requisitos de perfil para a vaga onde tivemos que ter uma escolha...” Bem, para quem não conhece as nomenclaturas do mundo corporativo, segue a tradução: “Você é uma candidata excelente, mas o gestor da vaga gostou mais de outro candidato por motivos que nem ele sabe explicar e por isso você não foi escolhida.” Ou então: “Você é uma excelente candidata, mas seu concorrente tinha indicação por isso ele foi escolhido e você não. Tente ser sobrinha do diretor da próxima vez, quem sabe dá certo!”
Como eu já disse, meu mundo desabou, de novo e, por um bom tempo, achei que a minha carreira tinha acabado antes mesmo de começar. A essa altura, morando com meus pais há mais de um ano e, incrivelmente, com menos dinheiro do que quando eu havia chegado, em 2022, eu cheguei ao nível mais baixo que eu havia conhecido a minha vida inteira: o fundo do poço.
Contudo, bendita foi a última gota que me fez transbordar e sair daquela vida deprimente que eu me encontrava. Na minha cabeça, minha vida caminhava para o fim e, na realidade, eu estava certa, era o fim ... de um ciclo de escassez que eu estava quebrando.
Foi então que eu decidi ouvir os sonhos daquela pequena menininha de oito anos. Lembra do sonho de ser artista e aparecer na TV? Ele ainda estava lá, bem no íntimo do meu ser, quietinho, adormecido, esperando a hora dele de acordar, ou melhor, de ressignificar. E a carreira que eu achei que tinha acabado? Pois é, na verdade, ela estava só começando.