Uma nova configuração para a religião no Brasil tem se feito presente. Tida como um dos maiores países católicos do mundo, a Terra de Santa Cruz possui uma população bastante diversificada em suas escolhas religiosas. Atualmente, são 58% dos tupiniquins que se declaram católicos, ao passo que 30% se dizem evangélicos e cerca de 12% afirmam sem ter religião – número que aumentou de 8 para 11,5% de 2010 para 2022, proporcionando um aumento de quase 40% - segundo dados da FGV.

O panorama ainda aponta para uma maioria cristã no país – 88,5% em 2022 antes 86,8% em 2010 – mas com um aumento do número de evangélicos, que saltaram de 22,2% em 2010 para 29,8% em 2022.

Os números, aliás, vêm mostrando um decréscimo vertiginoso do número de católicos desde 1950, como aponta o gráfico abaixo, gerado pela Inteligência Artificial do Google.

image host Figura 1: Gráfico sobre a evolução da religião no Brasil.

Um dado interessante que pode ilustrar essa realidade talvez esteja relacionado ao número de filhos por casal, com um decréscimo vertiginoso da fecundidade feminina, de 6,28 para 1,53 filho, como aponta o gráfico abaixo (também gerado por Inteligência Artificial).

image host Figura 2: Média de filhos por mulher no Brasil.

Um dos pilares dessa modificação foi a adoção de uma política antinatalista, baseada principalmente em um relatório do Clube de Roma sobre os Limites do Crescimento, cuja publicação se deu em 1972. Segundo Lambert 1:

As conclusões do seleto grêmio, de certa forma, chegavam a determinar o direito de viver e o dever de morrer numa curiosa álgebra que atribuía boa parte dos males planetários às taxas de natalidade do Terceiro Mundo.

É interessante notar que, em 1970, a média de filhos por casal era de 5,76 ao passo que, em 1980, era de 4,35 (queda de 32%); por sua vez, de 1980 para 1990, o decréscimo foi de inacreditáveis 52% (de 4,35 para 2,85); em 2000, a taxa de fecundidade já batia 2,38, ao passo que, nos últimos dois censos (2010 e 2022), diminuiu-se para menos de dois filhos por casal (1,87 em 2010 e 1,53 em 2022). A queda total, em 62 anos, foi de 410,4%, uma média de 6,61% ao ano.

O objetivo de diminuir a população era apregoado pelo biólogo Paul Erlich, que publicou em 1968 The Population Bomb, onde comparava, segundo Lambert1, “a multiplicação dos seres humanos à metástase no câncer” e sugeria “o uso de esterilizantes nos reservatórios de água ou nos alimentos de alto consumo”.

Kingsley Davis, por sua vez, também queria a redução populacional, mas acreditava que as campanhas de controle de natalidade não funcionavam porque apostavam unicamente em meios químicos ou mecânicos. A mudança deveria acontecer, portanto, com a cabeça da mulher. Ele queria zerar o crescimento populacional. Nas palavras do próprio sociólogo,

[...] o único modo de zerar o crescimento populacional seria retirar das pessoas o desejo de ter filhos e de criar uma família [...] Para isso, seria necessário mudar a estrutura da sociedade, e quem deveria fazer isso não era o médico, mas sim o sociólogo [...] seria necessário: 1) emancipar as mulheres para o mercado de trabalho (retirar a mulher do meio doméstico); 2) mudar o padrão das relações sexuais (a relação sexual deveria ser dissociada da ideia de procriação); e 3) mais importante, seria necessário mudar na sociedade o papel de complementariedade entre o homem e a mulher, que está na base do conceito de família. Concretizadas essas três mediadas, as pessoas não desejarão ter família nem filho. Feito isso de maneira adequada, chegar-se-ia ao crescimento populacional zero.1

O crescimento populacional zero, no entanto, vai de encontro ao ensinamento da Igreja Católica que, coincidentemente, foi a que teve seu número de fiéis reduzido drasticamente. Segundo o Catecismo da Igreja Católica2, publicado por São João Paulo II,

2366 A fecundidade é um dom, uma finalidade do matrimónio, porque o amor conjugal tende naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento. Por isso, a Igreja, que «toma partido pela vida» (112), ensina que «todo o ato matrimonial deve, por si estar aberto à transmissão da vida» (113). «Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, funda-se sobre o nexo indissolúvel estabelecido por Deus e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados inerentes ao ato conjugal: união e procriação» (114).

A abertura à vida em todo ato matrimonial ou conjugal é algo que tem sido combatido desde então por meio de uma revolução sexual que estimula a antinatalidade e um favorecimento ao movimento LGBTQIA+ – o que tem se manifestado em diversas leis, como ocorreu a partir do Mandado de Injunção 4733, de relatoria do ministro Edson Fachin, que enquadrou a homofobia e a transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).

Outro caso de destaque foi a possibilidade de adoção homoparental, considerada legal desde 2015 pelo Supremo Tribunal Federal.

Evangelismo em alta

O crescimento dos evangélicos no Brasil nos últimos 70 anos tem sido bastante consistente, saltando de 3,4% em 1950 para 29,8% em 2022 – o que denota um crescimento de 876% no período ou de 12,16% ao ano.

O Brasil hoje conta mais de 203 milhões de habitantes, sendo mais de 60 milhões de evangélicos; ou seja, se se mantiver esse crescimento, em 2033, essa população será de 132 milhões de pessoas.

O catolicismo, por sua vez, que já diminuiu 59% em 72 anos, caindo em média 0,81% ao ano, em 2032, deve sofrer uma queda no número de fiéis de 8%, totalizando pouco mais de 50% da população, enquanto os evangélicos devem alcançar 41% do total dos brasileiros, considerando as melhores perspectivas para os católicos.

Vale lembrar que essa é uma interpretação nossa dos dados, mas é preciso levar em conta que, segundo dados do Centro de Estudos da Metrópole, publicado em 2019, somente naquele ano, foram abertas 6356 igrejas evangélicas no Brasil (média de 17 por dia), totalizando 110 mil templos.

Sendo tantas denominações, os evangélicos conseguem se adaptar melhor às mudanças da sociedade. Mais conservadora, a Igreja Católica mantém suas posições a respeito de temas como natalidade, segunda união, homoparentalidade e é bastante atacada por mantê-las.

Bento XVI em 2005 alertava sobre esse ponto.

O conceito de discriminação é cada vez mais alargado, e assim a proibição da discriminação pode se transformar gradualmente em uma limitação da liberdade de opinião e da liberdade religiosa. Logo não se poderá dizer que a homossexualidade é uma desordem objetiva na estruturação da existência humana, como ensina a Igreja Católica [...] A confusa ideologia de liberdade conduz ao dogmatismo, que se tem revelado cada vez mais hostil à liberdade.3

Há, como aponta Sanahuja, uma busca de se colocar a religião a serviço de uma nova ordem mundial e, para alcançar os objetivos por ela propostos, não são poupados meios, pressionando as religiões externa e internamente para que mudem seus princípios morais e sua disciplina.

Os funcionários da nova ordem pouco se importam com as crenças religiosas; são apenas um instrumento para impor uma nova ética ou uma religião universal que consinta, por um lado, no relativismo moral e, por outro, na idolatria da lei positiva – a lei civil –, o que é fruto de consensos parlamentares ou políticos que vão mudando ao longo do tempo para servir aos interesses de quem esteja no poder. Obviamente, o grande inimigo deste programa é a doutrina imutável de Jesus Cristo anunciada aos homens pela Igreja Católica. Daí o assédio contínuo por ela sofrido.3

Ser católico, nos próximos tempos, não será um bom status para qualquer cidadão. Tornando-se menor em quantidade de fiéis, a Igreja Católica deixará de ser hegemônica não só culturalmente. Seu renascimento pode ocorrer caso haja uma virada conservadora fortíssima e que se sustente com o tempo. Mantendo-se fiel ao seu ensinamento de sempre, talvez em meio século (ou mais) ela retome sua força e possa tornar o Brasil novamente católico. Antes disso, apenas por obra e graça de Deus que, como se sabe, tudo pode.

Notas

1 Lambert, Jean-Marie. Educação Unesco: a clonagem das mentes. Londrina: E.D.A, 2020.
2 Catecismo da Igreja Católica. 30ª ed. Edições CNBB; Loyola, 2016.
3 Sanahuja, Juan Claudio. Poder global e religião universal. Campinas: CEDET, 2012.