Gostava que os meus poemas fossem pardos, modestos, pequenos, lisboetas como os pardais e que tivessem o som do piar dos pardais.

Nascida em 1960 em Lisboa, Adília Lopes é poetisa e, - desbravadora de caminhos até então inexplorados na paisagem literária portuguesa. Em 1985, publica o seu primeiro livro Um jogo Bastante Perigoso e cedo adquire o estatuto de “poetisa pop”. Nostálgica e castiça, Ricardo Araújo Pereira vem (re)significá-la, destacando a sua “simplicidade declarativa”. Como quem apanha flores num campo comum, Adília Lopes tece uma literatura delicada e bucólica. O leitor quase que lhe entra casa adentro: retratos de família, a sua gata, cerâmicas e loiças antigas. “Estar em casa/Estar a estar/dias e dias”. Como se os seus livros de um teto se tratassem, regressa-se a casa.

Apesar de partir de um lugar de profunda admiração pela autora, a opinião pública relativa a Adília não poderia ser menos consensual – esta simplicidade de que falo, e a subjacente singularidade em sua consequência são definidoras de uma polémica que coloca Adília Lopes como objeto de uma atenção especial. O meio literário acolheu Adília, como se acolhe uma criança: os braços longos característicos de uma academia que é tão crescida e que a olha com relutância, ceticismo e alguma irresolução.

A minha gata Lu morreu
Está sempre viva
mas agora não lhe posso
dar festinhas.

Quando anteriormente mencionei o regresso a casa, a propósito da poesia de Adília Lopes, destaco em primeira instância a facilidade colocada na leitura das suas obras – como se não fosse necessário um conhecimento literário suficientemente amplo para poder-se ler Adília: lê-se Adília para se sentir. Adília Lopes invoca essencialmente, uma dimensão empírica que resvala para o sentimento óbvio.

Esta música
é linda
mas não anula
o sofrimento
não traz de volta
à vida
aqueles que amei
e que já morreram.

A aparente ausência de complexidade narrativa e a candura inocente que parecem conduzir a obra de Adília Lopes vieram trazer ao de cima questões ligadas a Ontologia Poética. Como coloca Osvaldo Manuel Silvestre: Os textos de Adília Lopes começam por aceitar a autonomia dos jogos de linguagem (…) usando as palavras de um jogo de linguagem com regras de um outro. Como se escrevesse por linhas tortas, Adília é alheia a códigos estéticos e gramaticais: escreve, demarcada de uma ordem de Gramática que se transforma em Poética.

É verdade que Adília Lopes se dedica ao empreendimento de uma poesia que se descola propositadamente dos intuitos proposicionais de uma tradição modernista da literatura. Mas é verdade também que a estrutura poética que prontamente se apressou a negligenciar Adília Lopes é a mesma que, entre muralhas construídas sob a rocha dogmática de uma longa herança de convenções métricas cerca e oprime.

A autora assume em contexto de entrevista com Osvaldo Manuel Silveira e Américo Lindeza Diogo, em 2001 que “a literatura foi inventada para agasalhar, para amparar, para consolar – acredito que a literatura é uma chaise-longue como a pintura era segundo Matisse. É o verdadeiro divã de Freud, de cretone às florinhas e não de napa preta como o dos psicanalistas que conheci” Paul Leminski, poeta brasileiro, assume a poesia como “a liberdade da minha linguagem” - Ora, coloquemos o corpo à mercê da corrente elétrica do sentimento, do olhar e da predisposição para as coisas. Num dos seus poemas, Modus Operandi, Adília diz: “Nunca consegui escrever nada com projetos, planos, programas, esquemas, prazos. Grão a grão, verso a verso, enche a galinha ao papo. Pôr o carro à frente dos bois. Assim é que funciona para mim”. Grão a grão se abandona o complexo de heroísmo do passado, verso a verso se deixa entrar Adília Lopes.