Durante a escrita de minha dissertação de mestrado em História - há mais de dez anos - me deparei com um interessante fato na pesquisa sobre a importância de José Maria da Silva Paranhos – o Visconde do Rio Branco - e de suas relações de sociabilidade na história política do Império Brasileiro: várias biografias de relevantes nomes do cenário político imperial escritas por seus respectivos filhos já no período republicano.
O próprio Barão do Rio Branco, bem mais famoso que seu pai Visconde, fez questão de escrever uma biografia de seu genitor. Mais que uma singela homenagem, tal ato apontava para como as redes de sociabilidade foram – e são - parte da edificação das identidades políticas. Escrever sobre seu pai era também uma forma de contar sua história familiar a partir de seu próprio olhar, ressaltando aquilo que lhe parecia bom e escondendo o que ele julgaria como desnecessário. Contar sobre sua ascendência, da maneira que ele escolheu, era também falar sobre si enquanto alguém que era fruto de uma grandiosa trajetória, que ultrapassava sua mera existência.
Paranhos Júnior não esteve sozinho: muitos filhos de políticos do Império adotaram tal estratégia, demonstrando uma utilização simbólica das figuras paternas para a fortificação de uma identidade política já pós Proclamação da República. A escrita de biografias de seus pais, reafirmando os laços sanguíneos e políticos com os homens que participaram da política imperial foi uma bem-sucedida tentativa nesse sentido.
Joaquim Nabuco, por exemplo, ao escrever sobre seu pai Nabuco de Araújo, compartilhou com Paranhos Júnior os manuscritos do “Um Estadista do Império” e viu o Barão do Rio Branco pedir a omissão do fato de seu pai não ter sido a primeira opção do Imperador Dom Pedro II para liderar o Gabinete 7 de março, responsável pela Lei do Ventre Livre – além de outras tantas importantíssimas realizações. Para o Barão, publicizar o fato de que uma das mais importantes atuações de seu pai foi fruto de recusas de outros personagens vistos pelo Imperador como opções mais imediatas era algo que poderia manchar sua trajetória.
Taunay, pertencente ao círculo político e literário do Segundo Reinado, mantinha por exemplo relações de amizade e proximidade com o próprio Paranhos pai (aliás, Taunay ingressa na política em 1872, como Deputado pela Província de Goiás, graças ao amigo), e constrói uma biografia em 1884 sobre o Visconde do Rio Branco. Posteriormente, tal obra também passa pelas mãos de Paranhos Júnior, que lhe acrescenta anotações de grande valia. Importante aqui é atentar que tal biografia é republicada em 1930, por Affonso de E. Taunay, filho de Taunay, na tentativa de “não deixar incompleta a obra biográfica por seu pai encetada”. Affonso, mesmo que não escrevendo diretamente uma biografia paterna, ao republicar o trabalho do pai reaviva sua obra e reconstrói a figura do amigo do seu gerador, reforçando o vínculo entre eles.
Embora os filhos vivessem em um contexto pós Proclamação da República, preocuparam-se em construir uma memória familiar específica, intensificando laços com essa memória já modelada, que exalta o que lhe convém, e assim fortificando relações simbólicas fundamentais na política. A escrita biográfica assim aparece como pilar de formação identitária dos filhos a partir dos pais, assim como a manutenção de relações afetivas iniciadas pela geração anterior.
Ainda hoje é possível ver como a referência aos genitores no campo da política possui desdobramentos importantes. Ao utilizar, por exemplo, certos sobrenomes, muitos filhos conseguem herdar eleitores e assim mantém-se na atuação governamental nem sempre a partir de seus próprios feitos, e sim por fazerem parte de uma tradição familiar política. Hoje, criar sua identidade política a partir de suas figuras paternas e maternas pode trazer benefícios eleitorais, mas muitas vezes acorrentados ao risco de serem percebidos apenas sendo os mesmos, e vivendo como os seus pais. Pois bem, segue a História insistindo em demonstrar as continuidades que emergem mesmo nos contextos mais distintos. Sigamos.