Desejos e propósitos não propiciam mudança, pois a mudança decorre da presença de contradições. Tudo que vai na mesma direção, buscando encontros que agrupem, que sinalizem mudanças são, por definição, inoperantes. Isso se aplica tanto aos anseios individuais de transformações na vida cotidiana, quanto a aspirações de cunho social ou coletivo.
Para haver mudança não basta vontade e desejo de mudar, são necessárias antíteses, situações, realidades que se antagonizem. O querer viver melhor, o desejo de paz no mundo, o desejo de que as guerras terminem, por exemplo, nada mais são que desejos. Só se realizam como atos efetivos quando fazem antítese aos mobilizadores das guerras existentes e isso não depende simplesmente de vontade ou ação individual.
Resolver situações de guerra significa acabar com interesses colonialistas, imperialistas, expansionistas, em outras palavras, interesses de tirar de um povo ou de um país o que é dele. O colonialismo é o roubo oficializado. Nesse sentido, só o enfrentamento, a denúncia e a reprovação do conquistador pode trazer mudança. Acabar com o poder usurpador e colonizador é a única maneira de acabar com guerras de expansão colonialista e atingir a paz. Não se trata de exercer a vontade de mudança, de perceber uma oportunidade, uma brecha que levaria à mudança, mas sim de se criar questionamentos exemplificadores de contradições que geram mudanças.
Impedir que presidiários consigam armas é uma maneira de evitar levantes, por exemplo. Armar populações, grupos insatisfeitos com suas contradições - contradições oriundas de constante exploração e/ou privação de recursos - é uma maneira de incitar sublevação, revoltas e guerras às vezes classificadas como legítimas respostas do direito de existir. É oportuno lembrar que reivindicar direitos muitas vezes se estriba na não legitimidade do pretendido.
Mudanças são sempre resultado de processos, são abruptas, não são suaves: são nascimento de novas formas, nova realidade. O fórceps, a indução facilitadora é independente e desnecessária aos processos de mudança. Não é preciso que se aproveite de situações, ou que se perceba brechas que levariam à mudança – explicação comum para as transformações sociais e individuais – pois a mudança não depende de escolha, ela não é resultado do acaso, da oportunidade, ela é resultado de processos, bastando vivenciá-los. Para que essa vivência aconteça é necessário que não se esteja impermeabilizado pelos desejos, pelas metas, pelos compromissos.
Mudar requer apenas disponibilidade. Ser disponível em um sistema de sobrevivência é o alfa e o ômega das dificuldades, pois toda sobrevivência está estabelecida em aproveitar o que aparece, em aproveitar o que pode ser melhor e evitar o que pode ser pior. O compromisso com metas neutraliza a disponibilidade, fazendo com que a divisão gerada pelos desejos aumente, e assim ou se nega, ou não se percebem as contradições, consequentemente impedindo a possibilidade de mudança, desde que isso aliena o indivíduo em certezas, em dúvidas e conhecimento inadequado, percepções distorcidas do que está diante dele.
Acreditar que se pode perceber e aproveitar algo como uma oportunidade de mudança é colocar o processo de mudança fora de suas condições estruturantes, é imaginar outros parâmetros, outros privilégios, desejos, compromissos e quimeras, negando assim a força gravitacional dos processos estruturantes da mudança. Quando o mundo amanhece em guerra, por exemplo, ou quando catástrofes climáticas acontecem, o que percebemos são mudanças e não oportunidade para mudar. Invocar, nesse processo, a importância da subjetividade é uma maneira de negar os próprios processos.
Muda-se quando se muda, ou ainda, muda-se para mudar, é o final de linha, é o túnel que se ilumina, é não ter mais para onde ir, para onde voltar. Mudar é a nova ocorrência, é o novo que se impõe, é o que resulta da contradição de há muito atenuada, disfarçada seja na esfera coletiva ou individual.
Estabelecer antíteses ao invés de atenua-las, não amenizar contradições é o que se exige para quebrar o compromisso com a sobrevivência, o medo, a alienação e a busca de vantagens salvadoras. É a maneira efetiva de possibilitar mudanças.