Incrível como, no fundo, cada um de nós sabe o que tem de fazer para atingir os objetivos individuais, mas divagamos por distrações que desviam do nosso caminho e atrasam a chegada nos nossos objetivos. Mas talvez isso que seja a vida, não é mesmo? A experimentação. Acredito que no nosso core todos os seres são pré-programados a buscar conforto, é instintivo, estar em conforto significa estar fora de perigo, que não existem ameaças e riscos que abalem a nossa integridade e paz.
Talvez tenha começado lá atrás com os nossos ancestrais. Quando estavam sempre sob ameaça, sob o risco de perder territórios, da necessidade de caçar para poder comer e sobreviver, sem saber se ficariam 1, 2 ou 10 dias de estômago vazio até conseguirem algo, ou de congelarem até a morte caso não tivessem um abrigo com fogo. Talvez seja algo extremamente novo que tenha aparecido com as novas comodidades que a vida moderna trouxe, afinal não vivi naquela época para saber. Mas o fato é que a maioria das pessoas acredita que estar em desconforto é algo negativo. A possibilidade de haver perigo, risco, ou algo que coloque a nossa integridade física, mental, e social, coloca até as pessoas mais capazes em estado de conflito.
Mas a história evolutiva humana é repleta de desafios e momentos que nos forçaram a sair das zonas de conforto, seja mudança climática, escassez de recursos de determinadas áreas ou até mesmo a simples curiosidade de ir buscar algo novo. Independentemente de sabermos se esse algo novo seria bom ou mau no momento da descoberta, de certa forma, esses momentos sempre nos fizeram evoluir. Bem, pelo menos aqueles que não morriam no processo, não é mesmo?
E de certa forma, a ideia de sucesso, principalmente social, na mente dos seres humanos, nunca mudou muito. Continua a ser a mesma de sempre: Sobreviver, prover, reproduzir-se e criar um ambiente confortável para as próximas gerações. Afinal, conforto, de forma mais simples, significa a ausência de perigo. Estar fora de uma zona de risco onde podemos descansar e relaxar, seja para recarregar as nossas energias antes de “ir para a batalha novamente” ou simplesmente aproveitar os momentos e coisas a nossa volta. Essa busca por uma zona confortável, continua a ser uma das principais buscas sociais.
Por um lado isso trouxe-nos e ainda traz benefícios, o desenvolvimento humano e social sempre foi através da necessidade de adaptar-se e encontrar soluções para problemas encontrados, e o ciclo se dá por que no momento que resolvemos um, acabamos por criar outros. É o ciclo evolutivo, “estamos em perigo aqui, vamos para outro local, chegamos em outro local, não temos onde ficar, construímos um abrigo, o nosso abrigo está sob ameaça, lutamos e protegemos, acabam os nossos recursos daqui, buscamos e trazemos mais ou nos movemos, se trouxermos não temos como armazenar, temos que criar uma forma, e etc…etc…etc…” Não exatamente assim, mas você entende a ideia. O desenvolvimento, de forma mais pura, só acontece quando uma ameaça de abalar a nossa zona de conforto está presente e isso nos faz evoluir e desenvolver para resolver esse problema.
Por outro lado, isso nos faz criar uma “aversão psicológica” a tudo que consideramos uma ameaça ao nosso conforto. Afinal de contas, como alguém pode gostar de algo que coloca o seu próprio ser sob ameaça? Nem todos somos masoquistas e suicidas. Mas fato é que para atingir o nosso potencial máximo, significa que temos que sair da zona de conforto, significa nos fortalecermos e adaptarmos para lidar com o risco em potencial. Porém, o que acontece quando o nosso conforto cria mais problemas do que oferece soluções? No mundo moderno, a estrutura social não nos força mais a sair da zona de conforto, não existem mais tantos riscos e ameaças que podem abalar completamente a nossa estrutura e cada vez mais problemas são criados por isso.
Inicialmente a ideia de estar em conforto pode parecer boa e satisfatória, afinal, se os nossos familiares e colegas estão em segurança, tem comida nas suas barrigas, todos estão bem, posso sentar para assistir o meu programa de TV favorito enquanto como uma pizza maravilhosa e não tenho com o que me preocupar, o que mais eu poderia querer, não é mesmo? Porém, ao deixarmos de usar as nossas capacidades e executar ações para resolver problemas que nos forçam a sair dessa zona de conforto para novas e melhores versões de nós mesmos, é onde o problema começa. Pegamos, por exemplo, alimento. Uma das três principais necessidades básicas, atrás apenas de oxigénio e água. Originalmente um dos problemas diários que os nossos ancestrais enfrentavam era: será que teremos uma boa caça ou um bom plantio? Tínhamos que ter um grupo de caça, no qual esse grupo necessitava ser treinado e adquirir experiência através do erro. Era necessário um trabalho em equipe, em busca de comida, sem saber se conseguiríamos apanhar algo, quais problemas seriam enfrentados no caminho, se seria suficiente para o grupo todo. No caso da agricultura, questionávamos se a colheita seria suficiente para todos, se alguma praga ou eventualidade aconteceria, e até mesmo se ninguém morreria nesse processo. Eram diversas variáveis, e um único segundo de fúria incontrolável de uma besta selvagem poderia desestruturar um grupo social inteiro.
Mas mesmo assim iam, pegavam os melhores caçadores treinados que podiam, e iam. Afinal, lembre-se: é sobre sobreviver e prover, de manter todos a sua volta vivos, de se reproduzir, criar filhos e indivíduos que contribuam para a sociedade, que sejam saudáveis e fortes, física e, principalmente nos últimos tempos, mentalmente, para que quando os mais velhos não possam fazer isso, a nova geração assuma. Sempre foi, e sempre será a ordem natural das coisas.
Mas hoje, por razões de evolução (e poderíamos até deixar um gancho em aberto aqui para uma conversa futura sobre se realmente é evolução), muitos desses problemas e desafios desapareceram. Atualmente, a grande maioria das pessoas está a 10 minutos de caminhada de um mercado, onde encontramos um suprimento infinito de comida e quase tudo o que necessitamos. Se lá na base houver um problema, talvez não tenha uma colheita tão forte como no ano passado, ou a produção de carne diminua por algum motivo, o único "problema" real que enfrentamos é que alguns cêntimos no preço dos produtos aumentarão ou diminuirão. Hoje, podemos ter comida quente e pronta para comer diante de nós sem termos que fazer absolutamente nada, além de deslizar nossos dedos na tela de um dispositivo eletrônico. Todos os itens e suprimentos podem chegar na porta das nossas casas com o mínimo de esforço necessário e ainda ficamos stressados quando demora 5 minutos a mais para chegar por culpa do trânsito ou chuva. Os nossos ancestrais devem sentir bastante inveja não?
Atualmente, na estrutura moderna, não existe mais a “necessidade” de sair do conforto. Se não quisermos, não precisamos sair para basicamente nada. A única real ameaça que existe para a grande maioria dos seres em volta do planeta é a insuficiência financeira, a ideia atual de prover é basicamente resumida a “fazer dinheiro”, e se você consegue fazer dinheiro de casa, como cada vez mais se torna comum principalmente após a pandemia, a necessidade de ir ao mundo exterior literalmente acaba. Isso nos coloca numa zona de conforto que de acaba criando mais problemas do que resolvendo, Se hoje o nosso conforto é comprado e não mais criado, isso interfere em todas as outras áreas das nossas vidas, não só como indivíduos, mas como sociedade. Diversos problemas sociais, emocionais, psicológicos e aumentam dia após dia.
Segundo a organização mundial de saúde, apenas a depressão teve um aumento de 13% nos últimos 10 anos, em 1980 a taxa de adultos com sobrepeso era algo em torno de 12%, um estudo em 2008 mostrou que estávamos em 34%, números que fazem com que a organização mundial de obesidade preveja que em 2035 o número estará em mais de 50%, e nesse estudo não foi levado em consideração a pandemia de 2022. A não necessidade da saída da zona de conforto e a resistência e a mudanças são atualmente os maiores causadores dos problemas de saúde físicas e mentais do mundo. A grande maioria das pessoas não sai mais de casa por absolutamente nenhum motivo que não seja “fazer dinheiro”, e através do trabalho, a forma que encontram de fazer dinheiro, mais de 70% das pessoas é insatisfeita com a maneira que o fazem. Em outras palavras, saem do conforto porque são obrigados a irem para algo que não suportam e logo após voltam para zona de conforto.
Doenças, isolamento social, obesidade, insatisfação profissional, falta de objetivos, como agir em sociedade, e quase todos os problemas que enfrentamos na totalidade do século XXI, são causados por esse motivo. Na psicologia é comum encontrarmos a ideia de que o indivíduo deve aprender a operar fora do conforto criado por ele próprio para conseguir obter avanços na sua vida e melhorar o seu desempenho em todas as áreas. É um fato que todos os indivíduos mais bem sucedidos do mundo em qualquer que seja a área de atuação, estão sempre se levando para fora das suas zonas de conforto para encontrarem novos desafios e superá-los. Estar em risco, colocar-se em situações de desconforto sempre desempenhou papel central na evolução humana, sair para o desconhecido e ir ao encontro do perigo é a única coisa que podemos e devemos como a espécie mais evoluída do planeta fazer, caso contrário, estamos todos estagnados ou em retrocesso.
De forma simples, só temos duas opções como indivíduos: ou levantamos todos os dias e vamos ao encontro do desconhecido lutando contra os desafios para nos fazer crescer e evoluir, ou definhamos em conforto trazendo a nossa própria queda. A escolha é algo pessoal, cada um tem a sua, mas o problema é uma consequência para todos.