A globalização como um processo de integração (política, económica, cultural) mundial é um fenómeno antigo, conforme nos confirmam os historiadores, situando seu início (ou a sua primeira, se assim quisermos) com as Grandes Navegações (expansões marítimas) no século XV. Foi grandemente marcada pela acentuação dos fluxos e trocas comerciais bem como o estabelecimento de redes de circulação de pessoas, bens e serviços com países como Portugal e Espanha, inicialmente movidos pela busca de novas rotas para as Índias à procura de especiarias.
Sabe-se bem da importância histórica da viagem feita por Vasco da Gama de Portugal para Índia em finais do século XV. Essa viagem terá ficado para a história como a primeira viagem de navegação da Europa para Asia e assim o mais longo trajecto já percorrido até então pela via marítima. Essa viagem marcaria assim o início da globalização interligando os continentes Europeu a Asiático passando pelo continente Africano. Na verdade, outros navegadores anteriores a vasco da Gama já haviam iniciado a exploração do litoral africano, mas não haviam ainda conseguido contornar a sua extremidade sul, dando acesso ao oceano índico e à costa leste africana.
Esta costa leste africana, habitada obviamente por populações africanas, era já frequentada por povos provenientes da Asia (Árabes, Indianos), movidos por motivos comerciais já desde pelo menos o século IX, pelo menos na costa do actual Moçambique.
E é precisamente na costa Moçambicana por onde Vasco da Gama aporta tanto na ida, assim como no seu regresso da Índia, que encontra-se uma cidade que pelos séculos seguintes cruzaram-se e passaram a viver populações oriundas dos três continentes: africanos nativos, asiáticos e europeus. Entre diversos períodos de convivência pacífica e tentativas de sobreposição de uns sobre outros, até a própria efectivação deste intento, passou a ser palco de contacto intercultural entre estes povos que acabou moldando uma paisagem cultural excepcional. Actualmente, e devido à essa herança, a cidade carrega o título de património cultural da humanidade classificado pela UNESCO.
Tal como se lê na referida classificação, datada de 1991:
A cidade e as fortificações na Ilha de Moçambique são exemplos excepcionais de uma arquitectura em que as tradições locais, a influência portuguesa e, um tanto menos, as influências Indiana e árabe, estão interligadas.
A Ilha de Moçambique mantém-se como testemunha importante do estabelecimento e desenvolvimento das rotas marítimas entre a Europa ocidental e o subcontinente Indiano, e assim toda a Asia.
Assim, a excepcionalidade da herança cultural que esta cidade foi ganhando ao longo dos séculos e que hoje esta visível em si, integra dentre mais:
- A arquitectura: que apresenta fundidos traços africanos, orientais e ocidentais.
- A língua: a língua local Macua Naharra é uma variante da língua nativa local Macua com influencia árabe-suaíli, alguns vocábulos de origem Portuguesa.
- As danças: danças presentes nesta cidade como o tufo e o Mualide, são de notória influência do tipo de Islamismo aqui vigente e associáveis às particularidades Suaílis.
- A gastronomia: a grande convivência dos Nahara com povos vindos de diferentes regiões do mundo, mais concretamente da Europa e da Ásia, trouxe à culinária novos empréstimos que juntaram novos sabores aos pratos locais.
- A religião e seus símbolos/elementos: a miscigenação de povos neste território deu lugar a presenças de elementos de diferentes credos. Abundam neste pequeno território varias igrejas, mesquitas e um templo hindu. São espaços não só do passado mas presentes no dia-a-dia na vida das pessoas, e em convivência muito harmoniosa. São lugares-comuns do dia-a-dia: um muçulmano que trabalha como guia no museu de arte sacra cristão, o padre que é muito amigo do sheik e do sacerdote do templo hindu, e até a mesquita conhecida como a “mesquita de santo António”.
Incrivelmente, este território de não mais de 3 kilometros acolhe em si duas cidades, ou pelo menos dois sistemas urbanos, com características próprias cada um: a cidade de Pedra e Cal, de influencia europeia e asiática e com edifícios administrativos, comerciais, religiosos e militares construídos a base de pedra e cal; e a cidade de Macuti, de origem Suaíli que encera maioritariamente edifícios residenciais, com as casas de quatro águas e cobertas de palha vegetal.
Andar pelas ruas destas cidades hoje é viajar no tempo por várias culturas e múltiplos espaços. Tal tem sido, provavelmente, a experiencia dos muitos turistas que aqui desaguam em varias épocas do ano.