A cada filme que vejo, convenço-me de que a originalidade e o frescor criativo do cinema têm-se perdido ao longo das últimas décadas. A evolução da tecnologia atingiu um ponto onde podemos ter atores rejuvenescidos e efeitos tão realistas que nos fazem acreditar que podemos encontrar super-heróis nas ruas de Nova Iorque, na nossa próxima viagem de férias. Mas a tecnologia nas mãos sem talento não cria empatia, não nos emociona e não estabelece uma conexão entre o espectador e o filme. Onde está a magia do cinema?
O que torna o cinema mágico são histórias que nos tocam nos mais profundos sentimentos humanos ou que nos divertem e, em poucas horas, nos fazem esquecer da realidade. Histórias fantásticas que nos transportam para outros universos e outras épocas. Há uma magia em criar o que os americanos chamam de “suspensão da descrença”, aquele momento em que saímos da nossa realidade e aceitamos a ficção apresentada como real. É isso que torna o cinema uma arte tão especial, envolvendo todos os nossos sentidos.
O cinema como arte é um reflexo dos anseios e inquietações da nossa sociedade, mas também é uma indústria cujos produtos, os filmes, satisfazem as necessidades do mercado e geram lucro financeiro para quem os produz. É um produto cultural e comercial complexo, em crise de originalidade. O que fazer? Há algumas décadas, surgiu uma “ideia genial”. Vamos refazer o que já deu certo! Pensaram os executivos dos grandes estúdios. Se filmes de super-heróis deram certo, vamos fazer uns 30 por ano. Se clássicos do passado foram bem-sucedidos, ou nem tanto, vamos refazê-los ou criar versões inspiradas neles. Vamos pegar Blade Runner, West Side Story, Duna, A Pequena Sereia e refazê-los. Vamos também criar sequências ou séries. Que tal Missão Impossível, Star Wars, Indiana Jones, Top Gun, Toy Story, Avatar e quem sabe quantos mais?
Poucos são os filmes originais e criativos que quebram a dinâmica de aplicar a fórmula do sucesso, mas que nem sempre resultam em novos sucessos. Há esperança? Sim, claro! Existirão sempre exceções à regra. Os filmes de Christopher Nolan (todos), por exemplo, são sempre extremamente originais. Paul Thomas Anderson é outro realizador que consegue imprimir uma marca pessoal em filmes sempre originais e de estilos e argumentos bem distintos. Quase sempre, filmes mais simples, mais intimistas e de baixo orçamento têm mais chance de apresentar algo diferente e criativo. Os Espíritos de Inisheran, de Martin McDonagh, por exemplo, é um filme surpreendentemente simples e delicioso, um dos melhores de 2022.
Falta à indústria cinematográfica de hoje a coragem de apostar em histórias originais e em novos realizadores. A televisão está dando um banho no cinema em criatividade e, por consequência, em resposta da audiência. De tempos em tempos, o cinema enfrenta esses momentos decisivos. Como num roteiro bem escrito, chegamos àquele ponto no 2º ato em que o protagonista enfrenta todas as adversidades que parecem derrubá-lo por completo. Mas não se esqueçam que a história é cíclica. Hollywood estava praticamente morta e derrotada no fim dos anos 60 em guerra com a televisão, quando uma revolução aconteceu e transformou a década de 70 em um dos períodos mais prósperos para a indústria cinematográfica americana.
O desenvolvimento tecnológico (aí sim, bem usado) possibilitou a realizadores rodar seus filmes na rua, com câmeras menores e mais leves, e gravadores de som portáteis. Uma nova geração de roteiristas e diretores surgiu e se afirmou, com sucessos atrás de sucessos. Nomes como Martin Scorsese, Brian de Palma, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, John Cassavetes, Woody Allen, despontaram com grandes filmes e trouxeram consigo uma geração incrível de atores e um método de interpretação mais naturalista. Em pouquíssimos anos, eles resignificaram o termo “estrela de Hollywood”. Quem nunca assistiu a um filme “estrelado” por Robert De Niro, Dustin Hoffman, Al Pacino, Diane Keaton, Meryl Streep, Jack Nicholson, Gene Hackman, Robert Redford, Sylvester Stallone, Clint Eastwood?
Os anos 70 foram os anos do cinema na rua, quaisquer que fossem os gêneros. Foi o auge dos filmes policiais, com a cidade de Nova Iorque como cenário para histórias de pessoas comuns. Operação França, Midnight Cowboy, A Conversação, “Marathon Man”, Rocky, Os Embalos de Sábado à Noite, Todos os Homens do Presidente são todos filmes intensos, originais e grandes sucessos de público e crítica. Foram os anos em que ouvimos pela primeira vez o termo “blockbuster”, aqueles filmes-eventos lançados no verão americano que conquistaram audiências e bilheteiras no mundo inteiro. Filmes como Tubarão, Star Wars, Indiana Jones, Superman. Os departamentos de marketing dos grandes estúdios entraram pesado e definitivamente no jogo. O cinema nunca mais foi o mesmo.
Do outro lado do Atlântico, o cinema também fervilhava. Após a brutal reviravolta provocada pelos franceses com a “Nouvelle Vague”, movimento que influenciou diretamente a nova Hollywood, seus realizadores estavam a todo vapor. François Truffaut no seu melhor período, vencendo um Óscar em 1975, com um hino de amor ao cinema: A Noite Americana, e nos apresentando preciosidades como A História de Adele H., Duas Inglesas e o Continente, O Último Metro, e toda uma obra fantástica. A ele juntaram-se Jean-Luc Godard, Éric Rohmer, Claude Lelouch. Na Itália, Fellini, Antonioni, Bertolucci com seu grande sucesso de 72, O Último Tango em Paris. Sem falar de Bergman na Suécia, Szabó na Hungria, e tantos outros.
Tenho saudades de um passado, de uma década em que eu ainda era criança, mas que moldou a minha paixão pelo cinema e estabeleceu as bases para o cinema dos anos 80, essa sim considerada a minha década. Os anos 80 serão tema para outro artigo, mas o que estava por vir foi a consolidação e o amadurecimento da “Nouvelle Vague Americana”. Os génios realizadores da década passada estavam totalmente formados e, mais do que dirigir filmes, passaram a produzir filmes uns dos outros e criar uma geração de escritores, atores e diretores de cinema. Houve uma explosão de criatividade e diversidade de temas, histórias, estilos e tecnologia.
É uma pena que essa efervescência tenha durado apenas uma década, talvez duas, e que tenhamos caído novamente no marasmo criativo, na busca da fórmula do sucesso. Mas não foi surpresa, não mesmo! A necessidade crescente de grandes sucessos de bilheteira, a escalada de custos de produção e os investimentos milionários em marketing levaram a uma concentração de produções focadas no menor risco possível para o negócio do cinema, em detrimento da arte. Uma pena! A questão de sobrevivência que se impõe ao cinema atualmente é encontrar a saída criativa que o leve ao 3º ato com triunfo e um “happy ending”.