Por mais que a implementação de recursos interativos no audiovisual aparente ser uma tendência recente e totalmente ligada à era da internet, o conceito de aproximar o espectador e o conteúdo possui um histórico tão longo quanto possa imaginar.
Nos anos 60, o filme tcheco Kinoautomat chamou bastante atenção na Expo 67, no Canadá, por contar com interrupções na história para que a plateia pudesse escolher como se daria a continuidade da trama. Posteriormente, nos anos 80, estreou um programa estadunidense chamado TV Pow, um game show onde o telespectador participava de um jogo de ação por telefone e precisava dizer repetidas vezes a palavra pow para acertar os inimigos que surgiam na tela.
Mas, a dinâmica interativa começou a tomar forma mesmo a partir de 1990, quando o game show dinamarquês Hugo se popularizou. Ele tinha um conceito bem parecido com o “TV Pow”, com o diferencial de que desta vez o telespectador poderia controlar o personagem através das teclas de seu telefone, basicamente transformando-o em um joystick. O formato foi um verdadeiro sucesso sendo vendido para países como França, Tailândia, Espanha, Alemanha, Estados Unidos e, claro, o Brasil.
No nosso país, a tendência se espalhou pela TV em diferentes modelos. Por exemplo: Garganta e Torcicolo no Paraíso das Ovelhinhas, da MTV, que seguia os mesmos moldes de Hugo e os games Fantasia e Gol Show, do SBT, com provas variadas de raciocínio, sorte etc. Isso sem contar os reality shows como Big Brother e A Fazenda que mobilizam torcidas e números astronômicos de votos para eliminar ou salvar um participante e até mesmo decidir as dinâmicas que afetarão algum ciclo do jogo.
No entanto, enquanto a interatividade apresenta há décadas uma crescente no segmento de não-ficção, se tornando algo tão comum que é possível listando dezenas de formatos que se baseiam na participação direta do espectador, a ficção ainda caminha em passos muito lentos neste aspecto.
Entre os exemplos mais memoráveis da mescla de dramaturgia e imersão está o Você Decide, da Globo. Lançado em 1992, o formato consistia na apresentação de uma história onde o desfecho ficaria a cargo do público através de uma votação popular pelo telefone. O programa abordou diversos temas como corrupção, relações familiares e justiça. Também alcançou um êxito tão grande que foi exportado para inúmeros países. O programa foi extinto em 2000 e volta e meia se discute sobre um possível retorno, mas no fim das contas, acaba não se concretizando.
A decisão instantânea do público sobre o rumo de uma história era vista como a grande promessa das próximas décadas, havia quem apostasse até que essa seria a nova forma de contar histórias no audiovisual.
Ainda em 1992, a produtora norte-americana Interfilm e a Sony Pictures firmaram um acordo para levar a interatividade para os cinemas. Através de um joystick acoplado nas cadeiras de algumas salas nos Estados Unidos, os espectadores poderiam decidir as ações dos personagens através do voto. Foram lançados três filmes voltados para esse formato: I’m Your Man, Mr. Payback e Ride for Your Life. Um quarto chamado Bombmeister começou a ser desenvolvido, mas foi cancelado por conta do fracasso de críticas e bilheteria dos títulos anteriores.
Enquanto o audiovisual patinava para implementar esse recurso, a indústria dos games pouco a pouco se fortificava com a possibilidade de mesclar as tomadas de decisão em suas narrativas, criando até mesmo games que funcionavam como uma extensão de filmes de sucesso.
Nos dias de hoje, a interatividade já pode ser vista no streaming, especificamente dentro da Netflix, que até o momento é a única empresa a apostar nesse filão. Em 2018, a plataforma lançou o episódio interativo da série Black Mirror, intitulado de Bandersnatch, que conta com cinco finais diferentes que são desbloqueados de acordo com as decisões que o espectador toma durante o decorrer do filme.
Mais recentemente, foi lançada uma comédia romântica chamada As Escolhas do Amor, onde o espectador precisa decidir com qual dos três pretendentes a protagonista deve ficar. Por lá também há títulos infantis de personagens como Carmen Sandiego e O Gato de Botas, do Shrek, que preenchem essa lacuna.
Algumas coisas martelam muito na minha cabeça sobre esse tema. Passados pouco mais de 30 anos da parceria da Interfilm com a Sony, das previsões e expectativas, será que algum dia essa promessa de fato vingará? A realidade virtual será a virada de chave para o aumento de produção e consumo desse tipo de conteúdo? E mais: O que falta para que essa tendência seja adotada por outros serviços de streaming?
Talvez a ideia da Netflix em entrar no ramo da produção de games lhe ajudou a ampliar o leque nesse sentido, já que se analisarmos bem de perto, existe uma grande similaridade entre As Escolhas do Amor e jogos como Episode e *Tabou Stories". É necessário olhar para esse setor para entender mais sobre jogabilidade e narrativa, mas ao mesmo tempo, entender onde é possível se diferenciar e não acabar se tornando uma versão desinteressante de algo que já é consumido, que foi basicamente o que aconteceu nos anos 90.
Espero que daqui há 30 anos, o cenário seja diferente e eu possa contar sobre o quanto a produção de ficções interativas evolui tanto quanto os formatos de não-ficção.