O presente artigo disserta sobre code-switching na música “I surrender”, da autoria de Mr. Bow, músico moçambicano, tido como versátil, tanto a nível temático quanto a de estilo e/ou rítmico.

Salvador Pedro Maiaze, popularmente conhecido como Mr. Bow ou Bawito, como vinca em grosso dos seus trabalhos, ou mesmo “Cota (pai) de família”, cognome que surge devido ao seu primeiro álbum, que assim se intitula, nasceu a 30 de abril de 1982, no distrito de Manjacaze, província de Gaza. Os seus trabalhos enquadram-se no estilo “Marrabenta”, sendo considerado um dos revolucionários do mesmo, de origem moçambicana, através do qual retracta histórias de superação, amor (…)

Aspectos teórico-metodológicos

Os termos code-switchig e code-mixing, i.e., alternância e mistura de códigos, respectivamente, são fenómenos bastante pesquisados em Linguística, pela sua intrínseca relação com as línguas de contacto. Hamers e Blanc (1989) acreditam que code-switching e code-mixing são estratégias de comunicação do bilíngue. Para estes autores, no code-switching, elementos de uma língua alternam com elementos da outra, cada um pertencendo somente a uma das línguas, deixando tanto a gramática quanto o léxico intactos. Já no code-mixing, o falante transfere elementos e regras de uma língua para a outra em todos os níveis linguísticos, alternando elementos monolingues, na língua base, com elementos baseados nas regras de ambas as línguas. Todavia, importa referir que, neste artigo, nos focaremos no primeiro conceito — code-switching — por ser muito explorado na música em pauta.

De acordo com Asklöv (2016), code-switching é o nome dado à alternância de códigos linguísticos durante um mesmo discurso. Pessoas bilíngues, com o mesmo grau de proficiência em ambos os idiomas, costumam praticar o code-switching com frequência. Trata-se, portanto, de um fenómeno bastante comum em sociedades ou grupos bilíngues, como no caso de comunidades moçambicanas.

Code-switching em “I surrender”, de Mr. Bow

Tal como se pode depreender através do título, esta faixa musical está em língua inglesa, “I surrender”, i.e., “rendo-me”, o que pode, a prior, levar os ouvintes a imaginarem que se trata de uma música que, apesar de pertencer a um músico lusófono, se desenvolve exclusivamente em língua inglesa. Entretanto, tal como assevera Asklöv (2016), code-switching é o nome dado à alternância de códigos linguísticos durante um mesmo discurso.

Ora, após o título, segue a primeira estrofe, na qual se pode ler/ouvir:

"I surrender to you Jesus
you change my life
you change my soul
my everthing
I surrender to you Baba" (…)

(Bow, 2020)

em que, para além de se conjugar o título (em língua inglesa) com a primeira estrofe, incorpora-se nela um termo bantu (Baba), que significa Pai, Senho…

De seguida, através do refrão, o sujeito poético vinca: “Khanimambo, khanimambo, Baba” (Bow, 2020), termo do XiChangana que significa “obrigado, Senhor”, como forma de reforçar o título (“I surrender”), adequando-o à língua bantu moçambicana (XiChangana). Porque, aliás, quem se rende a alguém demonstra, decerto, humildade, mas, igualmente, reconhecimento da superioridade do outro (para o caso concreto, de Deus/Senhor).

Estamos aqui perante a primeira evidência do code-switching, na medida em que o sujeito poético inicia a sua expressão de sentimentos em língua inglesa, porém a encadeia com uma língua autóctone moçambicana (XiChangana).

Isto é natural, pois que, para Grosjean (1982), o code-switching é um recurso comunicativo e bastante proveitoso, que se dá inconscientemente e, normalmente, o falante não percebe que está a alternar duas línguas, “uma vez que o seu principal objectivo é comunicar uma mensagem ou intenção”.

Na sequência, o sujeito poético retorna à língua inglesa, onde assevera:

"If no be God
who be there for me?
If no be God
who be there for you? (…)”
(Bow, 2020)

e, em seguida, alterna com o XiChangana, quando remata:

“Yehova mukulo (Deus é grande)
ani hlulisa wusiwana (faz-me vencer a pobreza)
Xikwembo xamina (meu Deus)
Xininyika ntamu niwutivi (…dá-me força e sabedoria) (…)."
(Bow, 2020)

Estamos perante prova clara de que Mr. Bow, na música em pauta neste artigo, serve-se do code-switching que, para nós, mais do que estilo, serve como uma estratégia linguística para situar os seus ouvintes, não interferindo na compreensão da mensagem nela veiculada.

Romaine (1995) ressalva ainda que a deficiência linguística não pode ser vista como o único motivo para que falantes bilíngues alternem códigos, i.e., a ocorrência da alternância também tem uma dimensão pragmática, se considerado o facto de que ela é um importante meio de transmissão não apenas de informações linguísticas, mas, também, sociais.

Para esta autora, existem duas perspectivas de estudo da alternância linguística: (i) a estrutural, que se preocupa principalmente com a busca de explicações para as restrições linguísticas que motivam a alternância; e a (ii) pragmática, que procura entender os motivos que levam a essa alternância, assumindo, assim, que ela seja um recurso estilístico, uma estratégia discursiva.

À guisa de conclusão

Portanto, Mr. Bow, no seu “I surrender” (assim como noutras faixas musicais), serve-se do code-switching que, mais do que estilo, é estratégia linguística que situa os seus ouvintes e não interfere na compreensão da mensagem nela veiculada, tanto que os seus trabalhos são sobejamente conhecidos e consumidos, de tal sorte que num dos maiores concursos de música moçambicana (Ngoma Moçambique - 2022) foi destacado na categoria de música mais popular pela sexta vez.

Referência

Grosjean, F. (1982). Life with Two Languages: An Introduction to Bilingualism. Cambridge, Mass: Harvard University Press.
Hamers, J. & Blanc, M. (1989). Bilinguality and Bilingualism. Cambridge: Cambridge University Press.
Romaine, S. Bilingualism. (1995). Cambridge, Mass.: Blackwell, 2ª ed.