Os casamentos prematuros sempre fizeram parte da tradição cultural moçambicana, e é inegável que esse tema tenha se tornado um ponto de debate, especialmente à medida que o conceito de emancipação da mulher ganhava destaque na vida política de Moçambique. No entanto, é lamentável e intrigante que o Estado esteja ignorando esse fenômeno dos casamentos prematuros, que está profundamente incorporado na dinâmica cultural da sociedade moçambicana. Esse fenômeno é visível em todo o país, principalmente nas áreas rurais e locais mais afastados.
Muitas jovens são submetidas precocemente a ritos de iniciação que as ensinam sobre a vida adulta, enquanto ainda são crianças inocentes. Algumas meninas perdem sua pureza e até passam por mutilação genital como parte dessas tradições culturais. Elas são ensinadas a não temer os homens, sejam adultos ou crianças, e esse processo ocorre dentro das próprias comunidades, com o consentimento de seus pais, que também fazem parte da mesma cultura. Infelizmente, essa dura realidade cultural persiste há várias gerações.
Nessas comunidades, os casamentos são frequentemente arranjados pelos homens, às vezes com a participação dos pais, sem considerar a idade ou a prematuridade das jovens. Algumas mulheres muito jovens são escolhidas involuntariamente por seus futuros maridos, enquanto ainda estão sob os cuidados de seus pais. Quando chega o momento adequado, o casamento é realizado de acordo com as tradições locais, muitas vezes envolvendo pagamento de dotes, como gado, terras ou dinheiro, diante de todos os membros da comunidade.
Com o tempo, o Estado e algumas organizações da sociedade civil decidiram intervir para combater esse fenômeno cultural, alegando que os casamentos prematuros são puníveis com prisão. Argumentam que as jovens devem ter consciência e capacidade para decidir sobre seu próprio futuro, sem imposições externas.
No entanto, o tempo e a força da cultura demonstraram que não basta ter a vontade de interromper ou eliminar algo que foi profundamente enraizado na sociedade ao longo do tempo. Em vez disso, enfrentar esse fenômeno requer um trabalho de base dentro das comunidades onde ele ocorre. Historiadores, antropólogos, sociólogos e psicólogos enfrentam a árdua tarefa de se envolver nessas comunidades e realizar pesquisas para encontrar uma resposta para a preocupação da sociedade atual sobre os casamentos prematuros.
É importante destacar que as comunidades que herdaram essa prática de seus antepassados acreditam que o governo está buscando problemas onde não existem, e esses casamentos continuam ocorrendo, apesar da imposição da lei. O governo e seus parceiros têm uma missão desafiadora pela frente na luta contra os casamentos prematuros. No entanto, é essencial compreender que não será uma tarefa fácil, pois a cultura é algo que não muda rapidamente. É necessário explicar a essas comunidades que as práticas deixadas por seus antepassados agora são consideradas crime e passíveis de punição pela lei, ou que o Estado simplesmente não tolera mais os casamentos prematuros. Somente o tempo dirá qual será o desfecho desse cenário.
Além do trabalho árduo das ciências humanas, os líderes comunitários dessas regiões têm a responsabilidade de fazer a diferença nesse processo de mudança e de eliminar ou reduzir os casamentos prematuros. Embora seja uma tarefa desafiadora, é crucial adaptar-se às novas formas de pensar e ver o mundo, que estejam alinhadas com os padrões da modernidade. "O homem moderno deseja uma cultura modernizada", mesmo que isso signifique questionar as tradições culturais profundamente enraizadas.
É importante ressaltar que a mudança cultural é um processo delicado e gradual. O diálogo e a compreensão são fundamentais para que as comunidades, juntamente com o governo e organizações da sociedade civil, possam encontrar soluções que respeitem tanto os direitos humanos quanto a tradição cultural. É necessário promover a conscientização sobre os riscos associados aos casamentos prematuros, como a saúde física e emocional das jovens envolvidas, bem como o acesso limitado à educação e oportunidades econômicas. À medida que as vozes de conscientização se fortalecem, a esperança é que a cultura evolua para abraçar práticas mais justas e igualitárias, onde o casamento seja uma escolha baseada no consentimento e na maturidade, não na imposição.