O DNA humano é uma fita dupla complementar composta pelas bases: adenina, guanina, timina e citosina. Com este código de quatro letras, o DNA tem as ferramentas para construir um corpo humano inteiro, além de guardar todas as informações genéticas referentes àquele indivíduo, desde suas características físicas, o perfil metabólico, até a presença de variantes que causam as doenças genéticas e hereditárias. Ao longo dos cromossomas, estão distribuídos os genes, que são regiões do DNA com informações para formar uma proteína. O DNA humano tem de 20.000 a 25.000 genes. O conjunto completo do DNA de um organismo é chamado genoma.
A Genómica é um campo da ciência que estuda os genomas, avaliando a interação entre os genes e o meio ambiente. Por ser multidisciplinar, tenta abordar tanto sua função quanto estrutura. É historicamente uma ciência emergente que teve início com o Projeto Genoma Humano, o qual mapeou todos os genes do DNA das células do corpo humano. Esse trabalho foi iniciado na década de 1990 e concluído no início dos anos 2000. Quase duas décadas depois, a genómica e sua progenitora, a genética, estão entre as áreas de maior crescimento no mundo. No entanto, é importante questionar quanto dessa produção científica tem impacto, acessibilidade e compreensão para a sociedade em geral.
Compreender a ciência pode ser um desafio, mesmo para aqueles que possuem uma boa cultura científica. Quando se trata de uma área intrinsecamente complexa como a genómica, as dificuldades podem ser ainda maiores. No entanto, é fundamental que o público em geral tenha uma noção geral do funcionamento, das conquistas, das práticas e dos resultados da genómica - e de outras áreas. Somente assim podemos entender e nos posicionar, com base científica e não apenas opiniões, sobre questões médicas, sanitárias, ambientais e éticas que interferem na sociedade.
Não é necessário ser um especialista em genómica para compreender conceitos como células-tronco, reprodução assistida e biotecnologia. Essa é uma batalha que deve ser assumida por profissionais como professores, cientistas, biólogos, jornalistas que escrevem sobre ciência e outros. Uma pessoa que não tem clareza sobre a influência dos genes no desenvolvimento de uma característica dificilmente compreenderá os efeitos das variações do genoma como um todo sobre um organismo. Segundo o biólogo evolucionista britânico Richard Dawkins em seu livro “O gene egoísta”, expressões como “gene para pernas compridas” são figuras de linguagem convenientes, mas é importante entender que não existe um gene sozinho que construa uma perna comprida.
A construção de uma perna é uma cooperação entre as influências dos genes e do ambiente externo, como alimentação na fase de crescimento. Quais cuidados deveram tomar para não propagar determinismos genéticos, ou seja, que características ou variações no organismo não são explicadas apenas geneticamente? Esse é um conteúdo que precisa estar em sala de aula para combater o senso comum de que o DNA e o gene determinam tudo. Quem estuda um pouco de genómica perceberá que os genes atuam em conjunto, podendo encontrar genes com funções diferentes ou o mesmo gene cumprindo funções biológicas diferentes, a depender do contexto em que ele for ativado na célula. Para não propagar essa visão determinista, o ideal é pensarmos no genoma como um ecossistema, e não como um compartimento isolado ou como um programa de computador. Relacionado a isso, há a responsabilidade dos próprios geneticistas e pesquisadores da genómica, os primeiros a usar metáforas como programa de computador, livro da vida e código da vida.
Mesmo um código de DNA não produz uma mensagem com um único significado.
Apenas em casos raros podem haver defeitos genéticos que produzem uma variação bem específica no organismo, como doença de Huntington e algumas outras síndromes genéticas raras que podem ser causadas por um único gene ou um defeito em um único gene. Mas isso não deve ser o paradigma, para todo o restante do fenómeno biológico, como desenvolvimento embrionário, metabolismo ou outra doença. O excesso de expectativa sobre a tecnologia genómica, como se esta fosse logo entregar uma medicina de precisão, individualizada e desprovida de riscos, é outra das visões erroneamente propagadas. Um dos maiores avanços da genómica é a tecnologia de CRISPR (em português: repetições palindrómicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas), uma técnica barata e rápida de edição genética, que foi superestimada por muitos pesquisadores como uma revolução científica. É uma aposta futura para terapias genéticas por sua capacidade de apagar, incluir ou modificar sequências de DNA em células vivas ou embriões, mas isso exige um debate profundo sobre ética quando se trata de seres humanos.
Cortar e colar genes são a base do CRISPR, a técnica de edição de genes que, descoberta há cinco anos, já está dando seus primeiros frutos no tratamento e diagnóstico de várias doenças e enfermidades. Explico o que é esta tecnologia e para que ela é utilizada. O CRISPR é um acrônimo que significa Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats. Trata-se de famílias de sequências de DNA encontradas em determinadas bactérias, que contêm fragmentos de DNA de vírus que já infetaram essas bactérias anteriormente. Os CRISPRs funcionam como uma memória imunológica, armazenando a impressão digital molecular dos vírus no DNA das bactérias, o que permite detetar e neutralizar novas infeções, resultando na imunização dessas células. O funcionamento do CRISPR é simples de entender. A enzima Cas9 age como uma "tesoura molecular", cortando e modificando secções de DNA associadas a doenças ou defeitos que precisam ser reparados. Para encontrar o local exato para cortar e agir, outra molécula, o RNA guia, direciona as "tesouras" para o local exato onde ocorreu a mudança de DNA. Uma vez feito o corte, os mecanismos necessários são colocados em andamento para reparar o fragmento.
Embora os CRISPRs sejam conhecidos desde os anos 80, sua função exata só foi descoberta na última década. Em 2015, eles foram considerados o maior avanço científico do ano, pois tornaram possível decifrar essas sequências repetitivas presentes no DNA de algumas bactérias. Graças a eles, foram feitos enormes progressos no campo da edição genética, tornando os processos mais baratos e abrindo a porta para uma ampla gama de possibilidades. As técnicas CRISPR são usadas para introduzir mudanças no genoma com enorme precisão. As principais aplicações incluem o seguinte: aplicações médicas, tais como ensaios para eliminar o HIV, ou para tratar doenças como a distrofia muscular de Duchenne, Huntington, autismo, progeria, fibrose cística, câncer tri-negativo ou síndrome de Angelman. As pesquisas também estão tentando determinar se poderia ser usado como um teste diagnóstico para detetar o coronavírus, ou como uma terapia capaz de destruir seu genoma e também na luta contra as doenças infeciosas transmitidas por insetos como malária, Zika, dengue, chikungunya e febre amarela.
Quanto à biotecnologia vegetal, as técnicas CRISPR podem ser usadas para produzir variantes de plantas mais adaptadas ao meio ambiente, mais resistentes à seca ou mais resistentes a pragas de insetos. As propriedades organolépticas, incluindo as propriedades físico-químicas, podem ser modificadas para torná-las mais adequadas para o consumo humano. Já ao nível da tecnologia animal, pode ser usado para introduzir melhorias nas espécies para, por exemplo, criar rebanhos resistentes a doenças típicas.
No momento, não existem técnicas CRISPR aprovadas para o tratamento de doenças causadas por um único gene, que são as que poderiam em teoria, ser curadas pela edição genética. Por esta razão, as aplicações médicas são mais teóricas do que práticas e são, por enquanto, baseadas em ensaios.
No caso de usos da edição genética na indústria primária, agricultura e pecuária, desde que sejam benéficos para a humanidade, eles são positivos. Entretanto, cada caso precisa ser analisado com base em seus próprios méritos. Por exemplo, a manipulação de espécies vegetais para torná-las resistentes a pragas é de grande benefício para a humanidade.
Por outro lado, quando se trata de intervenção nos ecossistemas, é preciso ter mais cautela, pois qualquer alteração inesperada pode levar a problemas sérios ou incontroláveis.
Em termos de aplicações médicas, o uso de técnicas de edição de genes em seres humanos requer garantias muito altas de segurança e só deve ser usado em patologias onde atualmente não há tratamentos eficazes, ou em patologias onde os tratamentos atuais envolvem efeitos colaterais significativos.
A edição de genes em embriões não é nem científica nem eticamente justificada.