Personagem tímida, insegura, aptidões medianas ou até medíocres, tem ou é levada a ter uma epifania.
Poderes mágicos são descobertos ou um segredo do passado é desvendado – por vezes ambos os eventos ocorrem.
Siga-se a aventura.
Este padrão pode ser encontrado ao longo da história da humanidade, não só na literatura escrita, mas também na oralidade, e, mais recentemente, no cinema e na televisão. Os exemplos são virtualmente inesgotáveis e tão antigos como a própria humanidade. Tudo depende do género e da inspiração do autor no calor do momento e da página. Ou da tabuleta, se pensarmos no Épico de Gilgamesh. É um motivo que várias versões da Bíblia têm em comum com sagas como Star Wars, de George Lucas, ou Dune, de Frank Herbert. Encontram-se na base da Terra Média de J. R. R. Tolkien – ou não fossem os Hobbits a criação perfeita para o motivo do herói inesperado: criaturas caseiras e modestas que em geral dão preferência ao conforto da sua casa em detrimento dos perigos que se escondem em aventuras.
Esta fórmula tem sido usada e replicada, adaptada e reformulada, torcida e retorcida. É uma constante nas narrativas humanas, mantendo o seu apelo enquanto premissa condutora da ação inclusive noutras formas de expressão para além da literatura. Quantas vezes nos deparámos com um herói improvável à procura de algo que dê valor à sua identidade em filmes, séries, músicas?
A este motivo inescapável Joseph Campbell dá o nome de “a Jornada do Herói.” Um dos mais prolíferos contribuidores para o campo da mitologia comparada na segunda metade do século passado, Campbell assenta a sua construção de herói numa sucessão circular de momentos narrativos. A sua ideia basilar prende-se com os rituais de passagem representados nos referidos momentos: separação, iniciação, regresso. Eneias e Luke Skywalker têm em comum o facto de serem forçados a sair da sua terra natal, por outras palavras, a separar-se do mundo que lhes é familiar. Fora da sua zona de conforto, as personagens passam por uma série de atribulações que os levam a conhecer outras formas de vida e modos de percecionar o mundo. Estes eventos atuam como catalisadores para o desenvolvimento dos nossos heróis e das suas atitudes para com o mundo em seu redor.
Talvez a explicação resida precisamente na passagem de uma fase para a outra e desta para a seguinte. É que, apesar do apelo ser geral, este modelo literário parece sobretudo cativar adolescentes e jovens adultos.
Assim parecem comprovar a popularidade de sagas como Jogos da Fome, Divergente e Harry Potter. Katniss, Tris e Harry são os descendentes por excelência do herói de Campbell: personagens que não se integram totalmente nas estruturas sociais e familiares em que cresceram e que embarcam em jornadas que constituem um verdadeiro caminho de autodescoberta. Numa tentativa de proteger os seus entes queridos ou de se libertarem do clima opressivo em que vivem, as atribulações pelas quais passam eventualmente transformam-nos em símbolos de oposição ao status quo. Se pensarmos na faixa etária para a qual estas histórias são direcionadas, facilmente encontramos uma conexão a um momento muito específico na vida humana. A fase de transição entre a segurança da infância e a ansiedade do desconhecido muito associada à idade adulta. Aquele ponto de não retorno em que todas as decisões são requeridas com a maior brevidade possível, e em que imensas perguntas recebem novas perguntas como resposta.
O ser humano encontra-se em constante concorrência contra os seus próprios limites. Talvez o apelo da jornada do herói resida precisamente nessa relação de passagem de uma etapa que nos é familiar para a estranheza de um futuro incerto. Esta noção encontra-se na base do sonho americano: abandonar as barreiras socioeconómicas do velho continente em busca de uma tabula rasa sobre a qual recriar um futuro novo.
Apesar do sentimento de liberdade, não deixa de haver receio pelo que está para vir. Os colonos europeus no continente americano que o digam: a novidade da aventura depressa dá lugar à ansiedade do desconhecido. O padrão que se verifica em narrativas um pouco por todo o mundo constitui uma forma de contrabalançar esse receio. Há poder na familiaridade de uma história que nos é facilmente reconhecida. Relacionar experiências pessoais com relatos de quem sucedeu antes de nós aproxima-nos daqueles que a História considera heróis. No fundo, abre-nos as portas à possibilidade de sucesso.
Esta é uma história tão antiga como a Humanidade. A grande questão, diz-nos Campbell, é se seremos capazes de dizer um “sim” caloroso à aventura que nos chama.