No tempo presente, a sofisticação e o avanço da inteligência artificial, replica com um grande esmero, as funções cognitivas humanas.

O aprendizado de máquina, hoje, supera o raciocínio humano em cálculos, correlações instantâneas, reconhecimento de padrões em determinados contextos, como, por exemplo, leituras faciais e outros.

Mas tudo isso ainda seria rudimentar diante da humanidade, se houvesse um compromisso desta raça com o desenvolvimento da sua complexa perceção sensorial, emocional e integrativa.

As decisões tomadas por nós, mesmo as mais simples, envolvem o trabalho complexo de várias áreas cerebrais que são normalmente guiadas pelas ideias coletadas por nossos sentidos.

Essas respostas de mecanismos neuronais passam pela sensibilidade do sujeito, do seu ambiente e das suas crenças.

Qualquer decisão é composta por processos que ocorrem sequencialmente: acumulamos as informações, analisamos as opções disponíveis, consultamos as nossas preferências, restrições e com base nestes elementos, avançamos de forma confiável para a aventura da deliberação.

Para decidir, usamos uma imensa rede neuronal composta por algumas centenas de correlações que repercutem reflexos e propagam, em grande velocidade, a sua atividade na definição do nosso veredito.

Nisso podemos argumentar que os nossos antepassados tinham uma certa tranquilidade: viviam num mundo muito mais simples do que o atual e as suas opções de escolhas eram muito mais restritas.

Atualmente, com tantas opções, usamos os sentidos como aliados, mas por vezes eles não bloqueiam a paralisia que assalta muitos de nós. Em dado momento, sentimos que os nossos poderosos heróis ficam confinados diante de um labirinto de infinitas alternativas.

Para exemplificar tal evidência, imagine-se no corredor de um supermercado com a simples ação de decidir por uma polpa de tomate para fazer a massa do jantar.

Nesse contexto pode-se prever duas atitudes: escolher pela marca habitual e repetir a experiência de sabor que tem referência, ou mais desafiante, diante daquelas outras marcas não conhecidas, escolher outra para diferenciar o palato. Essa simples atitude nos leva a outras questões, como o custo-benefício, ingredientes arrolados no rótulo, tempo de escolha…

Há uma área derivada da fusão da neurociência com a economia que aspira entender os processos mentais através dos quais atribuímos valores económicos aos artefactos, produtos e serviços. Ela defende que baseamos as nossas tendências em recompensas que são inerentes a cada um.

Os místicos e religiosos justificam a importância do caminho interior e do trabalho de autoconhecimento como o portal para o sagrado, pois o contacto com as nossas qualidades e sombras compõe a malha base que sustenta as nossas decisões.

A herança cultural e aprendizado social validam atitudes que podem ser lidas como um campo partilhado, mas a neurociência e a biologia justificam que os humanos têm anatómica e fisiologicamente, mais de cinco sentidos.

A sinestesia, associação de sentidos, aludida por Richard E. Cytowic em The Man Who Tasted Shapes e outras revisões científicas em neurociências, apontam evidências da existência de outros sentidos adicionais para além dos cinco clássicos.

Ao analisar o sentido do tato, encontramos evidências de outros três sentidos relacionados a ele, a termocepção, que nos alerta para as sensações de frio e calor, a nocicepção que capta a dor e a propriocepção que relaciona a interpretação de posição corporal.

Embora a inteligência artificial possa processar grandes volumes de dados sensoriais como sons, imagens ou sinais químicos lidos como linguagem digital, o seu funcionamento é fragmentado e difere da interligação e refinamento dos vinte e três sentidos humanos.

Por exemplo, percebemos a qualidade do ar não só pelo olfato, mas também é captada pela pele (tato), pela termocepção (sensação de calor ou friagem) e até pelas respostas emocionais.

Biologicamente conseguimos fundamentar as nossas interpretações sensoriais em narrativas reflexivas por conta da leitura de estados internos como o reconhecimento da localização espacial do corpo (propriocepção), perceção de fome, cansaço, sede, estresse (interocepção) e cronocepção (leitura de passagem de tempo) enquanto as nossas irmãs máquinas, não tem este componente experiencial.

Elas podem até interpretar o gradiente de cores em um por do sol, mas não podem anexar este singelo momento, a memórias e emoções.

Possuímos uma inteligência holística que não está replicada na nossa criação. Este modelo conectado pelos sentidos internos, entrega uma experiência profundamente integrada onde necessidades fisiológicas, equilíbrio, sensibilidade de líquidos corpóreos, níveis de químicos, pressão arterial, estiramento visceral, cinestesia, coceira, avaliadores de força muscular, magnorecepção, deteção de glicose, inflamações, vibrações e até ultrassons, interagem de maneira fluída e adaptável.

Tudo isso refuta que a nossa força não está somente na lógica ou no raciocínio, mas nas entrelinhas da sensibilidade. Viemos dotados de uma capacidade de reagir à complexidade de situações onde dados objetivos não são suficientes para tomar decisões.

A inteligência artificial pode ensinar conteúdos académicos via plataformas educacionais, mas um professor tem a leitura corpórea, percebe o encantamento ou apatia não verbalizadas pelos discentes, ajusta a abordagem em tempo real, proporciona uma interação emocional que potencializa a aprendizagem.

O entrave da limitação da inteligência artificial em atribuir significado emocional ou de experimentação e replicar os sentidos humanos foi explorado no livro Artificial Intelligence: A Guide to Intelligent Systems e esta sentença tem sido massivamente discutida em artigos que investigam como se deriva o processamento das informações nas redes neurais artificiais.

A essência humana é a aglutinação de sentidos ampliados, como a criatividade, a empatia e a intuição. Aprender a usar as nossas habilidades e expandir as nossas capacidades com análises de vivências diárias e a utilização intencional da memória coletiva, essa vasta biblioteca invisível e atemporal, pode garantir um futuro de equidade com a inteligência artificial.

Adotar um formato mais íntimo e coerente com a metáfora dos místicos medievais que defendiam a existência do “olho do coração”, um terceiro olho, fusão de ambos, que nos premia com a sabedoria, equilibra os aspetos criativos e de auto-organização levará a nova identidade e funcionamento cerebral dos humanos.

A inteligência artificial não consegue replicar a complexidade sensorial humana e aprofundar a nossa consciência com mergulhos profundos no nosso autoconhecimento, permite acessar esses atributos, interagir de forma criativa e significativa com a tecnologia. Abraçar essa complexidade será o catalisador do crescimento.

Temos um potencial incalculável em mãos que podemos acessar no sentir, criar significado e integrar. Precisamos agir para tornar essa equação de variáveis competitivas num sistema colaborativo e intencional. A arte, a inovação e a regeneração estão a nossa espera para escrevermos juntos um futuro em sinergia. Aqui deixo um convite: Expanda os sentidos e cultive a autoconsciência.

Em tempos de dependências tecnológicas e máquinas capazes de nos aprisionar em distrações, cultivar momentos de presença, que podem ser ao mastigar um alimento e perceber a sua textura ou parar para ouvir a sua respiração, é valorizar a potente funcionalidade e singularidade da raça humana.