Com a popularização das redes sociais, como Instagram, ou mesmo o Facebook e o Twitter, a fotografia, esta arte do instante, tornou-se mais instantânea ainda. "Entre as muitas maneiras de se combater o nada, uma das melhores é tirar fotografias", já avisava o escritor argentino Julio Cortázar em seu clássico As babas do diabo. Afinal, a fotografia "é o que nos arremessa mais para fora de nós" (ainda Cortázar). Com um clique você fotografa e com outro compartilha, em uma ou mais redes sociais, num segundo você fotografa e no outro, zap, o mundo todo, a rede. Eu mesmo vi a foto do meu sobrinho segundos depois de nascer, no Facebook. Milhões de fotos, todos os dias, para um mundo que vai apagando a palavra, escrita e falada, e substituindo por signos gráficos e fotográficos. Um dos sinais mais claros e lógicos é que hoje a fotografia é uma espécie de sentido, como o tato ou olfato, e não à toa que todos os dispositivos móveis pessoais, como celulares, tablets, computadores, vêm com câmeras fotográficas, pois elas tornaram-se indispensáveis: num mundo saturado de informação como o nosso, as fotografias são uma espécie de segunda memória, é para lá que você corre quando quer lembrar os melhores momentos de uma viagem, de seu casamento, de sua família, do final de semana. É nossa memória externa.
Eu não sou fotógrafo profissional, não domino e nem estudei anos e anos as técnicas de fotografia, tampouco tenho bons equipamentos: as fotos que vocês conferem aqui neste espaço são cliques do meu surrado Iphone 4. Mas o que me move para a fotografia é a distância entre o fotógrafo e a fotografia, e suas similaridades com a literatura. Algo que o ensaísta inglês Geoff Dyer levanta muito bem num trecho de seu ensaio Sonhos antigos, sonhos novos: "Às vezes, creio que o elemento definidor de minha interpretação pessoal de fotografias deriva do fato de que, durante anos, nunca pensei em quem as havia tirado. Na realidade, é mais do que isso. Além do fato de que um botão tinha sido premido, nunca me ocorria que as fotografias eram produzidas por uma pessoa. Para mim, as fotografias se reduziam a quem ou que aparecia nelas. Meu interesse pela fotografia nasceu no momento em que soube que uma foto de D. H. Lawrence que eu admirava bastante tinha sido feita por Edward Weston, uma figura famosa - vou usar apenas esse adjetivo - na história desse meio expressivo. Antes desse dia, havia minha maneira antiga de ver fotografias; depois dele, a maneira nova".
E tentando compreender este distanciamento real ou fictício do fotógrafo e de sua fotografia, e estender a pesquisa para outras áreas do conhecimento, circulei pelo Brasil varonil por alguns anos, com um laboratório de autoria, investigando a imagem na literatura, na fotografia, no cinema e nas artes visuais. Propondo a construção de narrativas a partir de obras do fotógrafo Henri Cartier Bresson, do videoartista Bill Viola e do encenador Tadeuzs Kantor.
Há quatro anos, interrompi o laboratório, as viagens e as pesquisas, por conta do nascimento do meu primeiro filho (as prioridades sempre mudam), e desde então, venho tentando, ao menos, estabelecer um olhar fotográfico sobre as coisas, e bater fotos que possam, sob a inesgotável verve da imaginação, iniciar pequenas narrativas, pois afinal, cada fotografia é, também, uma narrativa. E o mais interessante é que este projeto caótico levantou uma segunda reflexão: o momento do clique, este ato de decisão e exclusão (você imortaliza uma fração do tempo, e exclui todas as demais), intuitivo e orgânico, é o correto, a melhor decisão? O clique das 14h56min32s pode ser superior ou inferior ao clique das 14h52min39s? Para a imensa maioria, que bate fotos como respira, isto pode soar a paranoia ou mesmo preciosismo, mas quando se pensa numa narrativa visual, a mudança da luz ou qualquer movimento influencia, e muito. Nada é preciosismo para um escritor, alguém capaz de não dormir uma noite em busca de uma palavra para um conto. Mas, por fim, Milan Kundera e seu A insustentável leveza do ser podem nos aliviar:
"Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez, sem preparação. Como se o ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é esboço de nada, é um esboço sem quadro".
Se a vida é um esboço sem quadro, a fotografia bem pode ser um quadro sem esboço, e então, só me resta suspeitar, que cada vez mais a vida e a fotografia irão se misturar, até ser uma imagem só.