Estimado leitor, informo-o desde já, que o propósito deste artigo é dar a conhecer um pouco melhor o Grupo Wagner e o seu líder. A exploração da lógica deste tipo de organizações, o seu aparecimento ou, até mesmo, os seus objetivos, em especial deste grupo paramilitar russo, poderão ser abordados de forma meramente circunstancial, uma vez que seriam tema para muitas páginas e também para diferentes debates.
Refiro também que o artigo foi escrito cerca de duas semanas antes do desaparecimento da figura fundadora e mais controversa do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin. Apesar deste facto, achei que continuava a ser interessante manter esta temática e abordar este grupo mercenário, introduzindo apenas uma ou outra nota final.
Após estas breves linhas introdutórias, e mais uma vez referindo que o artigo foi escrito no início do mês de agosto, cabe-me referir que o líder do Grupo Wagner tem estado em foco nos últimos meses. Não só pela participação ativa na guerra que se verifica em território ucraniano, como também pelo avanço que o seu grupo de mercenários realizou em território russo. Este episódio, que remonta à noite de 23 para 24 de junho de 2023, culminou com a captura da cidade russa de Rostov, sede do comando sul do Exército. Muito se especulou sobre a intenção de Prigozhin com este avanço em território russo. A hipótese mais plausível seria a de se dirigir a Moscovo para afastar as lideranças militares russas, em resposta a um alegado bombardeamento contra os soldados mercenários do Grupo Wagner na Ucrânia.
Contudo, os mercenários em questão, da mesma forma que entraram em território russo, também abandonaram os seus intentos e, no dia seguinte, mudaram de direção e retiraram-se. Estes dados são factuais, assim como é real que foi o Presidente bielorusso, Aleksandr Lukashenko, que mediou o acordo entre Prigozhin e o Presidente russo, Vladimir Putin, de forma a suster a revolta, amnistiar os mercenários e enviar Prigozhin e alguns dos seus homens para o exílio na Bielorrússia, oferecendo a outros paramilitares a possibilidade de serem integrados nas forças regulares da Rússia.
É de notar que o Grupo Wagner esteve na linha da frente desde o início da invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, tendo assumido protagonismo na conquista de Bakhmut, na província do Donetsk, na mais longa e sangrenta batalha desta guerra, à custa de elevadas baixas, e entre acusações formais de Prigozhin sobre a falta de apoio militar por parte da cúpula de Moscovo. As motivações da rebelião não são conhecidas com verdadeiro rigor, assim como se desconhece quais as repercussões que existirão, tanto para o regime de Moscovo como, acima de tudo, para o futuro do Grupo Wagner.
Este grupo de mercenários, cujo nome provém de um dos compositores favoritos de Adolf Hitler, Richard Wagner, fator que por si só já demonstra os ideais de Prigozhin, existe desde 2014 e esteve sempre fortemente ligado ao governo russo, atuando em várias regiões do globo, com especial destaque para o continente africano e para o território sírio.
Já em 2016 tinha sido iniciada uma investigação, levada a cabo pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), com o propósito de saber até que ponto é que o governo de Putin tinha interferido nas presidenciais americanas de 2016, que elegeram Donald Trump como 45º Presidente dos Estados Unidos da América (EUA). O facto é que se concluiu que vários programadores e piratas informáticos trabalharam de forma dissimulada na criação de milhões de contas falsas relacionadas com as principais redes sociais. O objetivo era fazer circular diversas notícias adulteradas, as denominadas fake-news, para radicalizar uma parte significativa do eleitorado norte-americano. Prigozhin foi considerado um dos culpados, por um júri federal dos EUA, e o seu nome encontra-se na lista dos indivíduos procurados pelo FBI. Mas quero que o leitor tenha a noção que o fundador do Grupo Wagner tomou esta e outras ações a mando do governo russo porque, na realidade, este grupo de mercenários é um dos principais tentáculos do Kremlin.
Prigozhin não nasceu nem cresceu entre as elites russas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Foi preso diversas vezes, por fraude, roubo, aliciamento, mas nos anos 90, altura em que a Guerra Fria terminou, tornou-se mais fácil fazer fortuna neste novo paraíso do capitalismo desregulado. Os diversos negócios na área da restauração permitiram-lhe acumular fortuna, no entanto, a realidade é que Prigozhin nunca desenvolveu um modelo de negócio que permitisse ao governo de Moscovo obter algum tipo de dividendos, pelo contrário, os contratos que o natural de São Petersburgo (Leningrado à época) foi obtendo dependiam das adjudicações de diferentes serviços estatais.
Yevgeny Prigozhin foi crescendo na cúpula de Putin e nos planos que este traçou, principalmente para o continente africano. As intervenções deste grupo paramilitar estendem-se por diversos países não sendo, por razões óbvias, possível confirmar todas as ações levadas a cabo pelos homens de Prigozhin. O fornecimento de armamento e de todo o tipo de apoio militar a países como a República Centro-Africana, o Sudão, Líbia ou o Mali, fazem com que a Rússia seja um parceiro efetivo destes países. Com a exploração dos recursos locais pelas forças do Grupo Wagner, como o cobalto e o lítio, muitas vezes utilizados para a criação de tecnologia, os tesouros africanos acabam por ser direcionados para o esforço de guerra em todos os países onde os mercenários de Prigozhin operam gerando-se, desta forma, um circuito de riqueza e influência junto destes países.
À margem dos acontecimentos recentes, onde na teoria Prigozhin desafiou Putin, o Grupo Wagner pode, acima de tudo, ser classificado como uma extensão do Kremlin em África. E se as críticas de Prigozhin à estratégia e modus operandi de Moscovo na região ucraniana são uma realidade, também não é menos verdade que as operações no continente africano continuam e que Prigozhin e os seus homens são uma parte integral e basilar de todo este processo. Pelo menos por enquanto. Mas não se pense que o Grupo Wagner é a única força paramilitar russa (e não só) à margem da lei. Grupos como a Moran Security Group ou o Slavonic Corps (cuja existência se acredita ter terminado), são outros exemplos de forças mercenárias que não são oficialmente reconhecidas ou endossadas pelo governo russo, embora haja especulações sobre possíveis ligações entre esses grupos e os mais altos representantes do Kremlin.
Caro leitor, como adenda e nota final ao artigo que escrevi, cabe-me neste momento (final de agosto) informar que a morte de Prigozhin ainda se encontra envolta em dúvidas mas que, claramente, terá sido premeditada. O decreto assinado por Putin, e que estipula que os paramilitares se devem comprometer a respeitar a Constituição Russa, à semelhança do que sucede com as tropas regulares, é mais um passo efetivo para que Putin e a cúpula de poder que se encontra em Moscovo controlem todas as organizações paramilitares russas. É uma forma de, após o motim do Grupo Wagner contra a hierarquia militar russa, Putin voltar a tomar as rédeas das empresas militares privadas.
A especulação sobre o desastre aéreo que vitimou Prigozhin continua, assim como a investigação em curso, mas acredito que nunca iremos saber a verdade porque a escuridão, nestes casos, é sempre maior do que a luz que nos fazem ver e crer.