Hoje, os Portugueses enquanto “cidadãos europeus”, não sendo considerados “emigrantes”, continuam a ser “estrangeiros” numa União Europeia que se tornou num espaço com liberdade de circulação… Todavia, a cidadania europeia fica aquém das expectativas não garantindo os mesmos direitos a todos, nomeadamente na protecção social, saúde, educação, desemprego, impostos… Cada Estado- Membro continua a ser soberano em matéria de políticas de emigração, umas mais drásticas do que outras, nomeadamente com acordos entre líderes europeus para retirar ainda mais direitos aos cidadãos migrantes!
França: uma nova-emigração pouco informada
Assim, assistimos, hoje, no caso de França, a novas realidades com inúmeras situações de exploração de Portugueses, num país onde deveriam usufruir, supostamente, dos mesmos direitos que os autóctones, mas no qual só um processo de “naturalização”, cada vez mais difícil de obter pelo tipo de exigência que é imposto, concede a um estrangeiro os mesmos direitos. Afinal, fugir à precariedade nacional significará acabar numa situação de extrema precariedade no estrangeiro?
Sabemos que as razões subjacentes à saída dos Portugueses da sua “zona de conforto” se centram na falta de expectativas, na precariedade, nos elevados níveis de desemprego, baixos salários, na incerteza e no desempoderamento social, profissional e, mesmo político, na falência dos seus sonhos… Criou-se, portanto, uma situação de alternância sem alternativa.
Os expatriados de hoje caracterizam-se por uma elevada percentagem de jovens- quadros que, na sua maioria, encontram trabalho não relacionado com as competências e formação académica que adquiriram, mas com outras actividades. Em regra geral, estes recém-chegados acabam por ocupar segmentos do mercado de trabalho que os nacionais não desejam, nem mesmo quando o emprego escasseia. São jovens, altamente qualificados, que trabalham, quase sempre, fora da sua área de conhecimento e com imensas dificuldades de integração devido essencialmente a um problema de domínio da língua francesa e uma falta de conhecimento do funcionamento do sistema francês, nas suas varias vertentes.
Uma nova classe: Os “cidadãos europeus clandestinos do século XXI”
Todavia, há que constatar que uma parte significativa dos Portugueses que abandonam o seu país são, ainda, pessoas com poucas qualificações, quase sempre ligadas a profissões menos qualificadas, como a construção civil, empregados da restauração, prestação de serviços com pouca qualificação. Notamos que parte dos problemas de exploração, a que os Portugueses acabam muitas das vezes sujeitos, tem origem no grande negócio que é o trabalho temporário, o que designamos em França por “ínterim”.
Por todas estas razões, num país estrangeiro, as pessoas ficam entregues a si próprias, sem conhecerem a realidade local, nem saberem a quem recorrer, sempre que surgem dificuldades. Acabam por se tornarem “cidadãos europeus clandestinos” numa Europa que obriga a ter um vínculo salarial após uma estada de três meses, para poderem permanecer no país de acolhimento. Acabam por viver, em pleno século XXI, de forma ilegal e em condições de grande precariedade!
A bomba-relógio do exilio laboral precário
Este exílio laboral precário poderá, assim, revelar-se nos próximos tempos e em termos económicos e demográficos, uma verdadeira bomba-relógio... Os “emigrantes” de outrora não são os “expatriados” de hoje, obedecendo a outros contornos, o que deve compelir a uma participação maior dos poderes políticos e dos mais diversos sectores da sociedade na discussão desta nova realidade que foge aos cânones do passado. Somos todos Portugueses não havendo “cidadãos de segunda categoria” rotulados de “emigrantes” apenas pelo facto de terem sido obrigados, na maioria dos casos, a assumir o estatuto de residente no estrangeiro, sendo vítimas visíveis de uma política de austeridade sem rumo que os incentivou a abandonar o seu país, violando o mais elementar, mais fundamental, princípio de desenvolvimento humano que é o direito ao trabalho.
A língua portuguesa: um instrumento cultural e político
O seu regresso geográfico talvez não seja expectável. Mas é sempre possível o seu regresso à cultura portuguesa, para o qual a língua portuguesa é a alavanca primordial. Este é, por isso, o tempo para, sem demoras, equacionar verdadeiras políticas de reencontro dos Portugueses residentes no estrangeiro com Portugal. Saibamos fazê-lo. Assim, não reiteremos os erros do passado!
Portugal tem de olhar para o fenómeno migratório de hoje numa perspectiva global e integrada, em que a integração social, profissional e educacional dos seus compatriotas no estrangeiro seja devidamente alicerçada e protegida nos países de acolhimento/destino, afirmando-se no palco internacional. Porém, Portugal teima em não despertar para este fenómeno de uma novo fluxo migratório. Por que será? E, infelizmente, a Europa não tem, sequer, uma doutrina e uma resposta para este fenómeno da “nova emigração”. Por tal, remeteu-se a um mero papel de laboratório de reflexão em detrimento de, como seria expectável, se impor como propulsor de medidas concretas de protecção dos direitos dos seus cidadãos no seu todo e no pleno direito de exercício da sua cidadania.
Face a esta inacção da Europa, é premente que a sociedade civil portuguesa seja mais activa, que participe, que fale e exprima as suas vontades e anseios, a exemplo do que ocorre noutros países europeus. Incitámo-la a, de forma mais visível e mesmo em micro-círculos, a assumir as suas responsabilidades… Ou seja, os problemas globais que actualmente enfrentamos e pelos quais nos debatemos têm de impor uma convergência de comportamentos. Se, como afirmava Michel Foucault, “todo o lugar de exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação do saber”, e acreditamos que assim seja, então aguardamos que os governantes aprendam, efectivamente, com o poder que lhes é conferido.