O advento da Internet e a popularização das redes sociais reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão. A Internet veio facilitar a comunicação e a interação entre as pessoas a uma escala global, para além de permitir a partilha massiva de informação e de opiniões. No entanto, a liberdade concedida pela Internet no que toca à partilha, e a falta de filtros para regular o que é dito no ambiente digital, são também um problema. Observa-se, cada vez mais, uma polarização das opiniões no online. Vivemos em bolhas de conteúdo, em câmaras de eco, onde o que consumimos serve apenas para afirmar as nossas convicções. As redes sociais tornam-se, assim, plataformas de mobilização política e de propagação de discursos de ódio contra as minorias.
A crescente polarização da Internet e o aumento significativo dos discursos de ódio leva ao aparecimento de um fenómeno curioso: a cultura do cancelamento. Esta compreende a anulação progressiva das opiniões ou atitudes que não são aceites pela sociedade. Assim, se num primeiro momento a Internet era sinónimo de liberdade, a sua crescente utilização colocou-nos a necessidade de estabelecer limites à liberdade de expressão, ou mais especificamente, de combater o que a ameaça.
O problema principal, e ainda discutido hoje em dia, é se devemos restringir o discurso de ódio e, neste caso, como o fazer. As duas soluções apresentadas são completamente diferentes: se por um lado há quem defenda a regulamentação do discurso para proteger a própria liberdade de expressão e o livre debate de ideias; por outro, há quem defenda que a única forma de combater o discurso de ódio é através da troca livre de ideias, como forma de mudar essas opiniões.
A restrição da liberdade de expressão é por si só complexa, ainda mais no caso do discurso de ódio, desde logo, porque o próprio conceito é difícil de definir. Para além de não existir um consenso no que toca à definição, muitos dos termos utilizados como “humilhação” e “discriminação” são suscetíveis de terem diferentes interpretações ou de afetarem as pessoas em diferentes graus de intensidade. Desta forma, pode-se destacar três campos de atuação no que toca à regulamentação do discurso de ódio. Um dos campos defende a restrição do discurso para conseguir proteger a dignidade dos grupos minoritários e a própria liberdade; outro dos campos defende a proteção do indivíduo, que deve ser livre para falar e exteriorizar tudo o que pensa.
Nesta perspetiva, proibir o discurso de ódio condiciona o debate público e impossibilita que as pessoas deem o seu parecer contra medidas políticas ou judiciais. Por último, existem correntes que defendem a restrição do discurso de ódio em determinadas situações segundo critérios específicos. Por exemplo, se o discurso pretende inferiorizar ou difamar um determinado grupo, este deve ser censurado. A dúvida continua presente: Qual a melhor forma de combater o discurso de ódio? Através da sua censura? Ou do livre debate de opiniões?
A verdade é que assistimos a uma sociedade cada vez mais intolerante, que limita a liberdade de expressão e restringe o debate, não promovendo, consequentemente, o progresso social e intelectual dos seus cidadãos. De facto, censurar qualquer categoria de discurso é, por si só, problemático, no entanto, não o censurar limita, como já verificamos, o exercício da liberdade de expressão ao incutir medo aos grupos afetados e causar o seu silenciamento no debate público.
O livre diálogo de ideias, ao contrário da censura, dá às pessoas a possibilidade de dizerem o que quiserem e a consequente possibilidade dessas ideias serem debatidas e criticadas. Os seus defensores acreditam que limitar ou proibir o discurso de ódio pode ser considerada uma medida radical e intolerante numa sociedade democrática. Estes acreditam também que, o silenciamento criaria um efeito de autocensura, o que empobrece o discurso público: o receio de ser acusado de estar a propagar ódio ou, até mesmo, de ser cancelado, leva a que muitos deixem de expor os seus pontos de vista.
A liberdade de expressão e os limites que se devem impor ainda são questões em aberto. Parece não existir um consenso sobre qual é a melhor solução em termos práticos, apesar de haver uma forte tendência dos autores para a defesa da liberdade de expressão. Desse modo, o debate sobre a regulamentação do discurso de ódio, e de que forma o podemos combater, é ainda um tema recorrente e atual.
Quando falamos em permitir ou não o discurso de ódio falamos igualmente no Paradoxo da tolerância, ou seja, se permitirmos a livre circulação de discursos extremistas damos poder a visões intolerantes e que censuram, desde já, as nossas opiniões e visões do mundo; por outro lado, se censuramos este discurso vamos contra a ideia basilar da liberdade de expressão ao não permitir o livre debate de opiniões.
A questão reside em grande parte sobre qual a importância que determinada sociedade dá à liberdade de expressão. Países como os Estados Unidos e a Alemanha apresentam conceções diferentes sobre o conceito e, por isso, a sua forma de lidar com a questão também é distinta. No modelo norte-americano a liberdade de expressão sobrepõe-se aos restantes direitos fundamentais. Dessa forma, a difusão de discursos de ódio ou de ideias não compartilhadas pela maioria é válida. O modelo alemão, pelo contrário, criminaliza os discursos de ódio ao colocar no centro a dignidade humana e ao ponderar sobre os eventuais conflitos que envolvam a liberdade de expressão contra qualquer outro direito fundamental (Carvalho & Silva, 2018).
Concluímos assim que, para já, é impossível dar uma resposta definitiva e acertada sobre qual a melhor forma de proteger a liberdade de expressão e combater o discurso de ódio. Os pontos de vista sobre a situação são vários e distintos, no entanto, é passível de reconhecermos que o conceito é limitado em si próprio. Se o princípio compreende a livre expressão de ideias, então limitar ou censurar determinado discurso vai contra o próprio princípio. A discussão atual sobre os limites da liberdade de expressão denota a autodestruição do sistema pelo próprio sistema.