Presente no cotidiano humano, a ansiedade tem se tornado cada vez mais conhecida. É comum escutarmos casos, aqui e ali, onde pelo menos um dos envolvidos tenha vivenciado algum grau de ansiedade. As Mídias, sejam elas impressas ou digitais, abordam esta temática frequentemente, por vezes, tentando ser promotoras de conteúdos explicativos, que possam auxiliar as pessoas a lidarem com a própria ansiedade ou a identificar quando se necessita de ajuda profissional para controlá-la.
Livros e mais livros ganham as prateleiras oferecendo as chaves secretas para se vencer a ansiedade, que, segundo dizem por aí, já é algo geracional. No entanto, vejo a problemática ansiedade invadindo as cabeças de diversas gerações com as quais convivo, sendo suas causas multifatoriais.
Hit nos cinemas, a animação Intensamente 2, cumpriu muito bem os quesitos educação e entretenimento. A metáfora dos sentimentos novos chegando e buscando controlar o “centro de controle cerebral” da personagem principal, parece, ao meu ver, promover informação sobre a ansiedade de forma lúdica, de modo que o público de diferentes idades possa entender um pouco sobre esta.
No caso desse filme, a transição escolar e as inúmeras inseguranças sociais, emocionais e acadêmicas que esse processo pode gerar constituem o pano de fundo da trama. Não por acaso, as vivências relativas ao ambiente escolar são elegidas como contexto para um filme cujo tema principal seja a ansiedade.
Lá na década de 90, Bandura1 já comentava que a ansiedade é um estado fisiológico que vem acompanhado de pensamentos perturbadores e antecipatórios que podem debilitar a confiança dos estudantes frente aos desafios acadêmicos.
Quando os estudantes confiam pouco nas próprias capacidades para gerenciar e enfrentar as demandas escolares, a ansiedade acadêmica pode se manifestar, trazendo o medo, a tensão e o desconforto.
Pesquisas têm sinalizado que existem dois tipos de ansiedade académicas: (1) emotiva, quando os estudantes se sentem nervosos e tensos usualmente antes de provas, mas que pode ser controlada e não costuma prejudicar o desempenho escolar; e (2) preocupação, de modo que a excessiva preocupação com o rendimento escolar dificulta a concentração e a realização das tarefas, por meio de pensamentos perturbadores constantes, afetando negativamente a aprendizagem e o desempenho escolar.
Também desde a década de 90, Bzuneck2 tem sinalizado que a matemática é uma das disciplinas escolares na qual mais se evidencia a ansiedade. Tal aspecto pode dificultar a aprendizagem e o adequado desempenho em momentos de avaliação.
Inúmeras são as pesquisas que têm sugerido a crença de autoeficácia para matemática como um dos recursos para se evitar a ansiedade frente a matemática. Isto porque estudantes que confiam nas próprias capacidades para realizar com êxito as tarefas de matemática tendem a: exercer maior controle sobre os pensamentos perturbadores; interpretar as experiências vividas de modo mais positivo; e regular as atividades de estudo, dedicando mais esforço, interesse e perseverança frente aos desafios matemáticos.
Recentemente, foi realizada uma pesquisa3 com o objetivo de analisar as percepções de autoeficácia para matemática e de ansiedade para a matemática com 906 garotas e 731 rapazes que matriculados no ensino fundamental de escolas públicas de São Paulo, Rio de Janeiro e Pará. Os rapazes participantes deste estudo revelaram crenças estatisticamente mais fortes de autoeficácia para matemática do que as garotas. Estatisticamente, os rapazes também demonstraram saber controlar mais a ansiedade do que as garotas.
Considerando a amostra como um todo, foi identificado que aproximadamente 70% dos estudantes confiavam nas próprias capacidades para resolver tarefas de matemática e que 55% dos estudantes percebiam-se capazes de controlar a ansiedade frente as provas de matemática. Também foi constatada correlação positiva entre as crenças de autoeficácia para matemática e controle da ansiedade, sugerindo que quanto mais capazes para realizar as tarefas de matemática, maior o controle da ansiedade para matemática, resultado que auxilia a corroborar as inúmeras investigações já realizadas sobre essa temática, as quais sugerem a autoeficácia como aspecto protetor frente à ansiedade para matemática.
Boa parte dos estudantes (64% das garotas e 57% dos rapazes) participantes dessa pesquisa revelou sentir que seus professores não confiam nas suas capacidades para aprender matemática. Esse resultado parece destacar a necessidade de o docente proporcionar apoio e suporte emocional aos estudantes. Cabe aos docentes incentivarem a compreensão de que o erro faz parte do processo do aprender, desde que se busque entendê-lo e se persista na ação até que se possa realizar bem a atividade matemática em questão.
Criar um contexto em sala de aula no qual a crença de que a matemática pode ser aprendida por todos coloca-se como um desafio para docentes. No caso das meninas, tal desafio parece ser ainda maior, dado os 64% de garotas que relataram não sentirem que seus professores confiam nas suas capacidades para aprender matemática, aspecto que destaca uma possível origem cultural sobre o modo como a sociedade enxerga as mulheres e os papeis de gênero.
Se o professor acredita que todos podem aprender matemática, ele estará atuando como uma fonte de persuasão social positiva para o fortalecimento das crenças de autoeficácia para matemática de seus estudantes. Isso me faz lembrar uma antiga história pedagógica que circulava por emails nos anos 2000:
Em um belo dia ensolarado, dezenas de estudantes acudiam ansiosos à sala de aula de uma conceituada universidade para iniciar a tão sonhada carreira de engenharia. De repente o balburdio cessa, sendo a sala tomada por um temível silêncio e um professor cujo abrigo xadrez ficaria na memória de todos. De modo educado e gentil, como figurava nos manuais pedagógicos, tal professor inicia sua aula magna dizendo que somente 5% de seus estudantes teriam as condições cognitivas para serem promovidos na sua matéria: matemática. Isto posto, o professor seguiu, “dado que não tenho como saber quem de vocês são os gênios que integram esses 5% eu irie ensinar a todos como se todos vocês fossem brilhantes. Espero de vocês, nada mais, nada menos, do que genialidade, o melhor de vocês. Deixem suas estrelas brilharem”. E, ao final do semestre, contrariando as estatísticas, todo o curso foi promovido, com notas as vezes brilhantes, outras nem tanto. Terminavam aquele curso dezenas de estudantes génios que além da matemática, haviam aprendido que eram capazes de realizar as tarefas matemáticas tão bem quanto qualquer outra pessoa.
Professor, seja você o guia da confiança para seus educandos!
Notas
1 Mais informação pode ser encontrada em: Bandura A. (1997). Self-efficacy: the exercise of control. W.H. Freeman and Company.
2 Mais informação pode ser encontrada em: Bzuneck, José Aloyseo (1991). Ansiedade e desempenho numa prova de matemática: um estudo com adolescentes. Semina, 12(3), 136-141.
3 O relato completo sobre essa pesquisa pode ser encontrado em Casanova, Daniela Couto Guerreiro, Bzuneck, José Aloyseo & Azzi, Roberta Gurgel (2022). Percepções de estudantes sobre autoeficácia e ansiedade para matemática. TSC em foco. 17.