Será que a educação é um direito de todos? Segundo a Constituição Brasileira (1988) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), sim. Porém, dando uma rápida olhada nos telejornais, matérias na internet ou simplesmente conversando com as pessoas, podemos perceber que a realidade dos brasileiros não é essa. O sucateamento da escola pública não é novidade na sociedade capitalista, e sua tendência é aumentar cada vez mais. Atualmente essa tentativa está pautada na reforma do ensino médio, sancionada pelo governo do ex-presidente Michel Temer. Tal reforma vai de encontro a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), que pretende oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica tendo nove estratégias ao todo.

Neste cenário, a carga horária do aluno deve ser de, no mínimo, 7 horas diárias. Segundo o Ministério da Educação (MEC):

tem como finalidade a perspectiva do desenvolvimento (...) a partir de um currículo intencional e integrado, que amplia e articula diferentes experiências educativas, sociais, culturais e esportivas em espaços dentro e fora da escola com a participação da comunidade escolar.

Como o Plano Nacional de Educação (PNE) nos traz, o projeto da Escola em Tempo Integral não deve envolver apenas a ampliação da jornada, mas também formação dos profissionais, mudanças nos projetos político pedagógicos das escolas, políticas de permanência e investimento na infraestrutura, por exemplo. Esse projeto tem como objetivo a inclusão das crianças sujeitas à exclusão, no caso da educação infantil, e diminuir as desigualdades sociais, no caso do ensino fundamental. Mas, ao invés disso, como Ferretti1 indica:

em vez de contribuir para a redução das desigualdades educacionais, as escolas de ensino médio de tempo integral contribuem para aprofundá-las.

Um dos problemas que a reforma pretende resolver é a evasão escolar. Ultimamente a taxa de evasão escolar tem aumentado por conta de certos aspectos, podemos citar como exemplo a pandemia de COVID-19 que, entre outros problemas, prejudicou a aprendizagem dos estudantes de escolas públicas. Contudo, o problema da evasão escolar é muito antigo, estando atrelado a diversos aspectos, como por exemplo: a baixa qualidade do ensino, falta de políticas de permanência, falta de formação adequada dos professores, além de fatores externos, como alunos de baixa renda que abandonam seus estudos para trabalhar e ajudar sua família. Devido a esse último fato citado, podemos nos questionar: como um aluno de baixa renda que trabalha para ajudar a família poderá frequentar a escola em tempo integral? Resposta: ele não poderá.

Não podemos deixar de lado que a reforma do ensino médio se dá por conta das empresas que possuem forte influência sobre o MEC, para que possam encaminhar a educação para fins lucrativos. Com a reforma, apenas as disciplinas de Português e Matemática tornam-se obrigatórias e, por coincidência (ou não) são essas mesmas disciplinas que estão vinculadas a rankings educacionais nacionais ou internacionais (campo de interesse do financiamento privado). Enquanto disciplinas como sociologia, filosofia, artes e educação física foram condensadas e adicionadas no dia a dia dos estudantes por meio dos itinerários formativos e/ou dentro de outras disciplinas. Como sabemos, disciplinas como filosofia e sociologia estão diretamente ligadas a introdução do pensamento crítico no aluno, portanto, não é coincidência elas serem tratadas dessa forma. O Novo Ensino Médio tende a formar mão de obra qualificada para o mercado de trabalho para suprir as necessidades do capital.

De forma geral, pode parecer que os alunos terão autonomia na hora da escolha (um dos slogans da reforma), mas na verdade, como Ferretti2 aponta: os alunos farão, no máximo, escolhas entre os itinerários formativos estipulados pelo sistema público de ensino do referido ente federativo, limitando, assim, as escolhas dos jovens. Tais formativos estão em consonância com os interesses econômicos do poder público. Conforme Cavaliere3, é sobre a noção capitalista:

que se estruturam, do ponto de vista formativo, tanto a BNCC quanto a reforma do Ensino Médio, visando não apenas as competências cognitivas, mas também as socioemocionais, de modo a garantir a constituição da sociabilidade da força de trabalho adaptada às novas demandas do capital, seja no âmbito da produção, seja no dos serviços.

Em teoria, a reforma tende a deixar o ensino médio mais atrativo para os jovens, mas está fazendo completamente o oposto. Vários alunos das mais diversas escolas (públicas) estão reclamando que estão sem aulas de determinada disciplina a depender do itinerário formativo que escolhem. Por exemplo: se o aluno escolher um itinerário na área de humanas, seu currículo será precário em disciplinas de exatas e biológicas. Apesar das mais diversas reportagens e pesquisas exibirem tal pensamento, o poder público insiste que o problema do ensino médio poderá ser resolvido apenas alterando a carga horária e o currículo, quando na verdade os problemas da educação vão muito além desses fatores. Essa defasagem na educação atrapalha diretamente o ingresso na educação superior, já que os alunos não chegarão preparados para realizarem as provas, fazendo com que o ensino superior se torne cada vez mais elitizado.

E, pensando nas perguntas feitas no início, podemos perceber que: não, atualmente a educação não é um direito de todos. A partir do momento em que a reforma não se adapta à realidade da maioria dos estudantes de escolas públicas, ela está sendo, na verdade, excludente e, portanto, esse não é o caminho para iniciar a democratização na educação brasileira. Muito ainda precisa ser feito e avaliado para que esse cenário seja finalmente uma realidade.

Notas

1 Ferreti, Celso João. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação. Ensino de humanidades, p. 25-42, 2018.
2 Ferreti, Celso João. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação. Ensino de humanidades, p. 25-42, 2018.
3 Cavaliere, A. M. Escola Pública de Tempo Integral no Brasil: filantropia ou política de estado?. Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1205–1222, dez. 2014.