Toda notícia de um assassinato cruel provoca imediatamente grande repercussão e indignação social. Isso demonstra que preservamos valores fundamentais que nos tornam humanos. Quando o assassinato acontece em uma instituição escolar e tem como vítimas uma professora ou crianças, a indignação vem acompanhada por um sentimento de vulnerabilidade permanente e de desvalorização ainda maior da Educação. A partir daí presenciamos a propagação de discursos radicais incapazes de mudar a realidade. Precisamos ir além da indignação, mas qual é o caminho?
No dia 27 de março de 2023, um estudante de 13 anos esfaqueou pelas costas a professora Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo. Foi mais um caso de violência sofrida por professores que ocorre diariamente nas escolas brasileiras, nas mais diversas formas e intensidades.
Violências verbais, desrespeito por parte de alunos, pais e autoridades, desvalorização do seu trabalho, condições precárias, insegurança, ameaças. Muitas dessas violências foram tão normalizadas pela sociedade que nem causam mais a indignação popular.
Quando uma sociedade não valoriza a educação e os educadores; quando pais não educam seus filhos para respeitarem seus mestres; quando governantes não dão condições de trabalho e não remuneram dignamente os profissionais de Educação; quando os meios de comunicação disseminam valores individualistas, consumistas e relativizam a importância do conhecimento e do estudo; quando figuras públicas como a funkeira Pipokinha humilham professores em suas postagens para seus numerosos seguidores; todos estão gerando assassinatos como o da Elisabeth e outras tantas violências no interior das escolas brasileiras.
Menos de dez dias após o assassinato na escola paulistana, ficamos estarrecidos diante da notícia de um atentado a uma creche na cidade de Blumenau, no sul do país. Um jovem de 25 anos pulou o muro e atacou crianças a machadadas, deixando quatro mortas. Como digerir uma notícia dessas? Como não nos indignar com tamanha violência em um ambiente que deveria ser de acolhimento, segurança e propulsor de valores e conhecimento?
As estatísticas mostram um aumento considerável de atentados em instituições de ensino e isso não fazia parte da realidade brasileira. A violência e a apatia geral diante dela têm origens que precisam ser compreendidas e enfrentadas em sua raíz.
A violência física é sempre mais chocante que a violência verbal, mas ambas são inadmissíveis. A aceitação passiva da segunda leva à primeira. No entanto, quando ocorre um assassinato como o da professora Elizabeth, dentro da sala-de-aula, presenciamos a mesma sociedade que permite e incentiva todo tipo de desrespeito e violência diária aos professores exigindo punição exemplar aos adolescentes que cometem crimes contra seus educadores. Não há uma reflexão coletiva sobre as origens do fato e sim um foco na mera punição. Não há dúvida de que a impunidade incentiva o crime e deve ser combatida, mas simplesmente aumentar penas não muda a realidade.
O que temos visto é que a indignação com o assassinato em São Paulo desencadeou novas discussões sobre a Maioridade Penal e sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Discursos calorosos são proferidos exigindo a diminuição da Maioridade Penal para que crianças e adolescentes menores de 18 anos possam cumprir penas no sistema prisional, assim como adultos. Ouvimos diariamente críticas ao ECA e a defesa de que seja alterado para que haja aumento e mudanças nas modalidades de penas às crianças e adolescentes que cometem crimes.
Ao mesmo tempo, o atentado à Creche de Blumenau tem provocado uma crescente demanda por segurança nas escolas através de propostas de intervenção como câmeras, grades, detentor de metais, rondas e policiais nas instituições.
Toda reflexão, discussão e debate são bem vindos numa democracia e defenderei sempre o direito de todos se expressarem. Mas esse debate precisa ser ampliado, verticalizado e apurado. É mais fácil culpabilizar indivíduos do que a sociedade; castigar quem executa o crime do que quem o incentiva; punir a violência do que evitá-la.
Quando governantes irresponsáveis como o Jair Bolsonaro fazem discursos de ódio, normalizam e estimulam a violência, defendem o armamento da população; quando internautas difundem atos, valores e discursos agressivos; todos estão incentivando milhares de pessoas a fazerem o mesmo e alguns a chegarem às últimas consequências, assim como o jovem que assassinou as crianças em Blumenau. É bom lembrar que ele tem 25 anos e a maioridade penal não o impediu de cometer o crime bárbaro.
Quando eu dava aulas, ouvia constantemente de estudantes - do Ensino Fundamental ao Superior - frases depreciativas quanto aos professores e à escola. Via uma banalização da violência e da vida que desembocava em atos de agressão física e verbal. Eles simplesmente repetiam pensamentos e ações que lhes foram introjetados pela sua família, por personalidades políticas e sociais e pelas mídias. Esses valores estão disseminados na sociedade e são reforçados e retroalimentados diariamente. Não há como blindar as escolas desses pensamentos, precisamos desconstruí-los.
Quando fui gestora e assessora de uma Secretaria de Educação, constatei que políticas públicas que propõe mudanças setorizadas e superficiais não promovem as mudanças necessárias na Educação. Projetos apresentados como inovadores são elaborados com a expectativa de provocar transformações na Educação, mas análises demonstram pouco impacto. O que se vê são políticas inócuas sendo implementadas constantemente pelas Secretarias de Educação dos três âmbitos da Federação sem a necessária intervenção na base e na estrutura do sistema.
Precisamos fazer uma grande mudança social, de valores e de Políticas Públicas. É urgente uma mudança estrutural na Educação que promova a valorização dos educadores, incorpore novos profissionais de apoio como psicólogos e assistentes sociais, implemente ações que deem segurança a todos no ambiente escolar. É fundamental que a sociedade se enxergue, reflita sobre suas responsabilidades, mude seus valores e exija do Poder Público mudanças para além dos discursos políticos e para além do simples aumento da punição ou transformação das escolas em locais blindados por sistemas de segurança.
Que continuemos nos indignando diante de fatos, discursos e acontecimentos que ferem nossos valores humanos. Porém, que sejamos críticos (e autocríticos) o suficiente para enxergarmos todas as responsabilidades e as reais origens que os causaram. Assim não continuaremos apenas propondo mudanças na superficialidade e nas consequências dos problemas e seremos capazes de transformar o que realmente é necessário para evitar tristes fatos como o assassinato de Elizabeth Tenreiro e de crianças indefesas.