Os museus são instituições culturais que preservam e difundem o patrimônio artístico, histórico e científico da humanidade. Ao longo da pandemia, muitos museus tiveram que fechar suas portas temporariamente ou reduzir sua capacidade de visitação, o que afetou sua sustentabilidade e sua função social. Diante desse cenário, os museus buscaram se reinventar e se adaptar às novas demandas e possibilidades da virtualidade.

Uma das estratégias adotadas pelos museus foi o aumento da presença online, por meio de plataformas digitais que permitem o acesso remoto aos seus acervos, exposições, atividades educativas e culturais. Segundo a Rede Europeia de Organizações de Museus (NEMO), mais de 60% dos museus europeus ampliaram sua oferta digital desde o início da pandemia. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) também apoiou iniciativas de digitalização e difusão dos bens culturais sob a guarda dos museus brasileiros.

Além disso, outra ação promovida foi a coleta e a documentação de objetos, fotos, vídeos e depoimentos que retratassem a experiência da pandemia, de modo que esses materiais pudessem servir como fontes para futuras pesquisas, exposições e reflexões sobre esse período. Uma das iniciativas de destaque do período foi o Covid Art Museum, um museu virtual que reúne obras de arte inspiradas na pandemia.

Contudo, vale ressaltar aqui uma diferenciação fundamental dessas ações: existem museus virtuais, isto é, aqueles que existem apenas na internet, sem um espaço físico correspondente, e os museus físicos que disponibilizam parte ou todo o seu acervo na internet, para que as pessoas possam visitá-lo de forma remota. A diferença principal entre esses dois tipos de museus está na forma como eles se relacionam com o público e com o patrimônio cultural que preservam e divulgam. Enquanto um utiliza a virtualidade em sua atividade-fim (museus virtuais), o outro vai pensá-la como ferramenta, isto é, atividade-meio pela qual pode engajar mais público remoto e/ou presencial (museus físicos).

O mais interessante é que os próprios mecanismos de busca parecem não compreenderem a distinção entre os dois tipos. Frequentemente pesquiso no Google para tentar descobrir mais museus virtuais e é difícil de garimpar nos resultados apontados os museus realmente virtuais. Essa falta de compreensão foi apontada até mesmo quando pedi que o ChatGPT associado ao Bing destacasse exemplos de museus virtuais e a resposta embaralhava os dois tipos.

Pensando nisso, podemos nos questionar: o que é o virtual? Por mais que pareça algo simples, aqui nos valemos da teoria de Pierre Lévy1 que busca compreender a transformação da cultura e da comunicação na era digital. Segundo o autor, o virtual não é o oposto do real, mas sim uma dimensão do real que existe em potência e não em ato. O virtual é aquilo que pode se atualizar de diferentes maneiras, sem estar preso a uma forma fixa ou determinada.

Um exemplo de virtualização é a passagem da escrita manuscrita para a escrita digital. A escrita manuscrita é uma forma de expressão que depende de um suporte material (papel, tinta, caneta) e de uma localização espacial (um livro, uma carta, um documento). A escrita digital, por outro lado, é uma forma de expressão que pode se manifestar em diversos meios (computador, celular, tablet) e em diversos lugares (internet, redes sociais, nuvem). A escrita digital é mais virtual do que a escrita manuscrita, pois tem mais possibilidades de atualização.

Para Lévy2, a virtualização é um processo criativo e positivo, que amplia as potencialidades humanas e permite novas formas de interação e colaboração. Nesse sentido, a cibercultura, conceito que Lévy3 também desenvolveu, é a cultura que emerge da virtualização da informação e da comunicação, que se caracteriza pela inteligência coletiva, pela hipertextualidade e pela interatividade. Cabe dizer que a cibercultura se desenvolve proporcionalmente ao crescimento do ciberespaço, isto é, esse espaço no qual a virtualização da informação ocorre.

Museus virtuais são justamente produto desse ciberespaço, ou seja, são pensados para dialogar diretamente com a virtualização da informação, produzindo alguns efeitos como o alcance de um público mais amplo e diverso, contemplando até mesmo pessoas que não teriam acesso ao museu físico. Além disso, podem oferecer experiências interativas e mais personalizadas, que se adaptam aos interesses e necessidades de cada visitante, o que possibilita cada vez mais a criação de exposições inovadoras e criativas, explorando as potencialidades das tecnologias digitais.

O que de forma alguma desmerece os museus físicos que virtualizam seus acervos. Afinal, isso também contribui para a democratização de acesso e para a preservação digital do patrimônio cultural. Apenas estamos pondo em discussão a diferença funcional da virtualidade desses dois tipos de museus.

É importante acrescentar que o Brasil – vale dizer que existem quase quatro mil museus físicos em seu território – tem se destacado nesse meio, seja com museus virtuais inovadores, seja pela oferta de diversas opções de visitas online a instituições culturais de diferentes regiões. Cada vez mais, os museus físicos brasileiros vêm disponibilizando exposições virtuais, galerias de fotos e vídeos em 360º dos corredores, como é o caso do Museu do Café e Museu do Amanhã. Vale ressaltar que o Google Arts & Culture tem sido um importante aliado, com diversos museus, galerias de arte e outras instituições culturais brasileiras disponibilizando acervos nessa plataforma, como é o caso do Inhotim.

Falando propriamente dos museus virtuais, nos quais estou mais intimamente inserida, o Museu da Pessoa é o primeiro museu virtual brasileiro. Criado em 1991, o Museu da Pessoa possui uma proposta única: contar, de forma totalmente colaborativa, as histórias de pessoas, gente como a gente, através de seu cotidiano e suas experiências. Nesse sentido, o Museu criou sua própria metodologia chamada de tecnologia social de memória, a qual pode ser acessada aqui.

Dois museus virtuais com propostas igualmente inovadoras são o Museu Virtual da Lusofonia e o Museum With No Frontiers (MWNF). O primeiro, como o próprio nome já diz, pretende ser um espaço colaborativo entre os países falantes do português (a saber: Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste). Ele é um projeto vinculado à Universidade do Minho com apoio do Google Arts & Culture que tem como objetivo exaltar esse emaranhado complexo de culturas, destacando principalmente como podem ser tão diferentes essas experiências e essas vivências da lusofonia.

Já o MWNF, criado em 1995, tem como proposta justamente democratizar o acesso aos museus, criando exposições virtuais personalizadas com acervo de diferentes museus físicos. Em outras palavras, ele promove o diálogo entre objetos de mesma temática, porém de museus distintos. É uma proposta bem interessante já que, por se tratar de instituições físicas de diferentes países, esse diálogo entre os acervos talvez jamais fosse possível.

Por fim, gostaria de destacar ainda dois outros museus virtuais brasileiros dos quais faço parte: Museu Bajubá, no qual conduzo a documentação de acervo através do Tainacan, importante solução digital brasileira para a criação de repositórios de acervo, e Museu Marítimo EXEA, no qual sou coordenadora de acessibilidade.

A ideia por trás do Bajubá é ser um museu de território, por conta disso ele não possui um espaço físico, mas sim promove roteiros em diferentes locais citadinos brasileiros que se relacionem com a comunidade LGBTQIA+. Atualmente, o museu dialoga com as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, mas a proposta é que possa ser expandido para outras regiões, o que é possível devido a sua virtualidade, ou seja, voluntários de todas as regiões do Brasil podem contribuir, não só com roteiros, mas também com exposições virtuais, com tanto que tenham relação com as cidades acima citadas. O Bajubá possui ainda um vasto acervo físico com mais de mil livros e outros materiais doados ao museu que pretendem ser abertos à visitação pública para estudantes do interior do estado do Rio de Janeiro (onde está localizada a guarda desse acervo).

Falando agora do Museu EXEA, essa é uma instituição composta por diferentes pesquisadores – historiadores, juristas, educadores, museólogos, arqueólogos – que se propõem a investigar e salvaguardar as relações entre o homem e o mar, mais precisamente com o Oceano Atlântico, uma vez que EXEA é a abreviação de Extremo Oriental das Américas, isto é, o ponto mais oriental do continente americano que é a Ponta do Seixas em João Pessoa. Ainda assim, o museu se pretende também a realizar diálogos pontuais com o patrimônio do Oceano Pacífico. O museu também faz parceria com o Google Arts & Culture, além de outras instituições, como o próprio Museu da Pessoa. A parte mais interessante a se destacar é que o Museu EXEA está pretendendo inovar constantemente através do uso de novas tecnologias, especialmente inteligências artificiais, como o Adobe Firefly.

Notas

1 Lévy, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 2003.
2 Lévy, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
3 Lévy, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.