Metade do século 20 sofreu com rivalidade entre o bloco ocidental capitalista liderado pelos Estados Unidos e o bloco oriental comunista liderado pela União Soviética, o conflito era tanto político quanto econômico, mas acabou tendo um reflexo pouco lembrado na cultura. O cinema do bloco oriental acabou esquecido sendo desconhecido de quase todo o público. A sétima arte soviética sofria de excessiva propaganda oficial, mas isso também acontecia com parte significativa do cinema americano, afetado pela mentalidade anticomunista. Durante o período stalinista os artistas sofreram com dura censura e limitações, ainda assim os soviéticos e seus aliados deram contribuições notáveis as telas do cinema.
No período inicial pós-revolução, os soviéticos tentavam estruturar sua nova sociedade, para orientar a população a liderança propagou o ideal do Novo homem Soviético livre, racional, dedicado a causa e acima das rivalidades étnicas, o cinema desempenhou um papel na construção desse novo homem, por isso o movimento russo que marcou o começo do período revolucionário foi chamado de construtivismo. Cinema feito para ensinar o público a pensar criticamente e adquirir consciência de classe (conceito marxista pelo qual os trabalhadores entenderiam as desigualdades do mundo e como trabalhar para revertê-las). Deu ao mundo dois visionários da sétima arte: Dziga Vertov e Serguei Einsenstein.
Vertov foi um dos principais precursores do gênero documentário e queria ensinar o público a ver o mundo real. Ele desenvolveu o conceito de Cinema Olho para que a plateia pudesse enxergar a realidade (em alusão a como o marxismo ensinaria a entender a sociedade). Sua obra-prima O homem com a câmera mostrava paisagens do dia a dia russo como querendo trazer o cotidiano para a tela.
Eisenstein não simpatizava com Vertov, para ele apenas enxergar a realidade não era o bastante para ensinar o público, era necessário chocá-lo fazendo sair da sua zona de conforto e confrontar o mundo. Ao invés de um cinema olho deveria ser um cinema punho. Eisenstein criava filme de ficção com um tom dramático e muito simbolismo que tinham um papel pedagógico de explicar o significado das cenas.
Suas obras cheias de conteúdo metafórico foram uma rica contribuição para a evolução da linguagem cinematográfica. No clássico O encouraçado Poltenkim, durante uma revolta da marinha, a câmera mostra imagens de estatuas que representam leões, as imagens em si não têm significado, mas ao aparecerem em sequência transmitem a metáfora de que uma fera está despertando, símbolo do povo que estava acordando e se rebelando contra seus opressores.
Apesar de sua importância, os construtivistas duraram pouco, com a chegada de Stalin, o ditador não queria estimular o senso crítico, apenas obras que propagassem a mensagem oficial do governo, o que levou os cineastas a serem censurados e reprimidos. O governo impôs o realismo socialista como estética oficial da União Soviética, eventualmente expandida para os países comunistas da Europa, membros do pacto de Varsóvia, grande parte dos artistas perdeu o interesse pelo aspecto criativo do cinema se limitando à apenas obedecer as diretrizes do partido, o que prejudicou bastante a qualidade das obras, cineastas com ambições artísticas e sem comprometimento com a ideologia acabaram abandonando o bloco oriental em busca de liberdade, como Roman Polanski e Andrey Tarkovski.
Mesmo com as limitações impostas pelo regime ditatorial o cinema soviético floresceu, vários gêneros brilharam como os faroestes, filmes de fantasia, terror e animação. O cinema faroeste comunista, conhecido como faroestes vermelhos ou Ostern é um gênero peculiar que prosperou dentro do bloco oriental. Esses filmes costumam ser ambientados no interior da Rússia, como no deserto de Gobi, o que justificava a temática similar aos do velho oeste americano. Geralmente logo após ou durante a revolução russa, como a ordem social estava fragmentada os heróis tinham que lutar contra forças reacionárias para ajudar a estabelecer a nova sociedade comunista. A um paralelo com a temática dos faroestes americanos que abordavam a construção da nação, ainda que os valores das duas sociedades fossem opostos.
Entre os filmes do gênero estavam White Sun of Desert sobre um policial comunista enviado para resgatar mulheres vítimas da cultura patriarcal oriental, outro foi Elusive Avengers narrando um grupo de adolescentes vítimas da guerra civil russa que decidem se unir para lutar contra o exército branco.
O gênero não ficou limitado a União Soviética, tendo filmes também nos demais países do bloco, grande parte dos filmes eram sátiras ao cinema americano como Lemonade Joe e The man of boulevard des capucines, como se os comunistas quisessem atacar os capitalistas ao debochar de sua arte. Alguns desses filmes deram origem a um subgênero focado nos nativos americanos, subvertendo a moral dos filmes tradicionais em que os nativos eram os vilões e os cowboys eram os heróis, o que obviamente possuía uma propaganda ideológica implícita.
O exótico cinema de terror do bloco contou com filmes de estética exagerada e muitas adaptações de clássicos da literatura e do folclore russo. O expoente mais chamativo seria VIY, baseado numa lenda russa sobre um noviço que é atacado por uma bruxa e consegue feri-la, algum tempo depois é chamado para orar por uma jovem recém falecida, ao chegar ao local descobre ser a bruxa que tinha enfrentado e durante suas orações é assombrado pelo espírito da falecida.
Além da arte russa, outro destaque no gênero foi o cineasta da Tchecoslováquia Juraj Herz que criou clássicos como Morgiana e a versão gótica de A Bela e a Fera. Fora desse estilo fantasioso, Herz também fez O Cremador sobre um homem tcheco vivendo antes da segunda guerra que começa a ser seduzido pelas ideias nazistas e se enxergar como um descendente alemão que precisa purificar seu sangue.
Os comunistas também investiram no tema de história de fantasia, muitas delas inspiradas no folclore e contos de fadas russos. Como Kashchey, the Immortal, lançado no dia da vitória da segunda guerra, narrava a batalha contra o monstro Koschei, para celebrar o patriotismo, o monstro do filme é derrotado por um exército vindo magicamente do solo russo, e o herói consegue o amor de sua donzela depois de descobrir que deve amar seu país acima de tudo. Ruslan and Ludmilla, inspirado em um poema do século 19, em que o herói parte numa aventura para resgatar sua noiva, e The Tale of Tsar Saltan também derivado de um conto de fadas, ambos os filmes feitos por Aleksandr Ptushko.
Um dos temas favoritos do cinema russo, principalmente durante a guerra, eram os épicos de batalha feitos para estimular o patriotismo frente ao inimigo. Eisenstein criou o Alexander Nevsky sobre a figura histórica do príncipe de Novgorod que liderou o exército contra os cavaleiros teutônicos invasores no final da idade média. O óbvio paralelo entre a ordem medieval e os nazistas era deixado explícito pelos desenhos presentes nas roupas dos alemães que se assemelhavam a suásticas. Outra obra feita durante o começo da guerra fria foi Fall of Berlin, retratando o final do regime nazista, possuía mensagem política ainda mais clara. O final retrata Stalin como uma figura quase messiânica que protege os oprimidos de toda injustiça.
O filme mais ambicioso do cinema comunista foi a quadrilogia Guerra e Paz, adaptação do clássico de Tolstoy, narrando a malsucedida invasão da Rússia por Napoleão. Obra extremamente cara feita com ajuda do exército russo, contando com centenas ou mesmo milhares de figurantes, cenas de batalhas grandiosas, planos sequenciais longos, experimentalismo de câmera, tela dividia em duas cenas, câmera com dois objetos diferentes em foco, panorâmicas áreas feitas de avião, sequencias de bailes complexamente coreografadas e alternância entre cores e preto e branco. É considerado por muitos o filme épico mais grandioso já realizado.
Os soviéticos também investiram muito em animações, gênero no qual se destacaram, mesmo com a rivalidade com o Ocidente, houve influência forte do trabalho da Disney entre os russos, as primeiras animações, bem simples eram quase que apenas obras pedagógicas para doutrinar a população. Curtas-metragens como The music box falando sobre a opressão dos camponeses durante o período da monarquia dos Romanov, Fascist Jackboots Shall Not Trample Our Motherland estimulando o combate contra o invasor nazista.
No período stalinista, as animações eram baratas e sem muita sofisticação, mas no período posterior com o fim da guerra e o relaxamento da censura, os cineastas puderam se aventurar no experimentalismo. Um dos trabalhos da época foi o curta Millioner, no qual um cachorro herdava uma fortuna e se tornava um próspero burguês capitalista. Com as possibilidades ampliadas, os artistas puderam se afastar das convenções do gênero e obras cada vez mais exóticas surgiram. Como em Tales of Tales de Yuri Norstein que foi feito em estilo semelhante ao surrealismo ocidental jogando ideias na tela sem continuidade clara entre as cenas.
Com o fim do regime comunista, a produção de filmes declinou por causa da crise econômica e falta de patrocínio estatal nos anos 90, entretanto os cineastas estavam agora livres da censura imposta pelo antigo regime. Filmes retratando o passado comunista de repressão se tornaram frequentes. Uma das grandes descobertas dessa época foi o cineasta Alexander Sokurov, cuja obra Arca Russa foi concebida como uma grande crítica ao regime socialista. O filme foi feito inteiramente sem edição, num único plano sequência, a simbologia do ato foi construir uma rejeição ao pai da edição russa, o comunista Serguei Einsenstein. Sokurov desejava representar uma Rússia sem comunismo, então criou um filme sem edição, como se estivesse querendo extirpar sua influência tanto na política como na arte.
Obscuro no ocidente, o cinema do bloco comunista representou uma fase importante da sétima arte que infelizmente foi esquecida pela barreira tanto política quanto cultural da cortina de ferro, felizmente hoje essa fase da sétima arte pode ser melhor apreciada graças à disponibilização das antigas obras na internet.