A imagem de Alan Kurdi, o menino sírio, de 5 anos, que apareceu afogado numa praia da Turquia, correu e chocou o mundo.
Mas, quanto tempo durou esse choque? O que foi feito?
Comecemos pelo início: Refugiado… na definição dada no artigo 1° da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, significa, toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer fazer uso da proteção desse país ou, não tendo uma nacionalidade e estando fora do país em que residia como resultado daqueles eventos, não pode ou, em razão daqueles temores, não quer regressar ao mesmo.
Foi durante a II Guerra Mundial que a questão dos refugiados tomou grandes proporções. Para lidar com esta catástrofe humanitária, que sucedeu à catástrofe da própria guerra, foi fundada em novembro de 1943, a UNRRA — Administração para a Assistência e a Reabilitação das Nações Unidas. Mais tarde, em 1946 foi criada a IRO — Organização Internacional dos Refugiados — que funcionou sobretudo na Alemanha e Áustria.
Em 1951 a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) formalizou a proteção a que os estrangeiros deslocados teriam direito e no mesmo ano foi adotada pela Assembleia Geral da ONU a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, que estabeleceu os princípios básicos para o seu tratamento: - Não discriminar ninguém em virtude da sua raça, religião, sexo e país de origem e respeitar o princípio do “non refoulement”, ou seja, não pode “devolver" ao país de origem, alguém que no mesmo possa vir a ser vítima de perseguição.
Esta Convenção limitava, no entanto, o seu âmbito de aplicação a eventos ocorridos anteriormente a 1 de janeiro de 1951. Após essa data, apesar de não ter ocorrido nenhuma guerra global, surgiram sucessivamente dezenas de novos conflitos um pouco por todo o mundo com os consequentes refugiados e deslocados. Era imperioso estender as garantias da Convenção de 1951 a eventos posteriores, o que veio acontecer em 1967.
Mas, deixemo-nos de histórias:
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), há quase cem milhões de pessoas deslocadas, no seu próprio país ou fora. Depois da Primavera Árabe, em 2011, o número de pessoas que veio para a Europa em busca de asilo começou a crescer.
Na considerada maior deslocação forçada de pessoas desde a II Guerra Mundial, onde se achava que tínhamos atingido o pico mediático em 2015 e 2016, descrito como “a crise de refugiados” com quase três milhões de pessoas a pedirem asilo – expressava, já aqui, uma complexidade de fatores estruturantes que têm como base uma preocupante situação envolta num cenário de combinação de novos e antigos conflitos, ainda em andamento.
Com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, este record foi ultrapassado e causou o mais veloz e uma das maiores crises humanitárias de sempre. O número de deslocados forçados foi potenciado por outras emergências humanitárias, da África ao Afeganistão, que levaram à marca dramática de quase cem milhões de pessoas em maio de 2022.
Agravada pela crise económica pela diminuição da ajuda humanitária e pela clara ligação entre a instabilidade gerada pela subida dos preços dos alimentos e pela desigualdade social e económica existente nas áreas urbanas. Mas, pensar que esta “crise” começou e acabou num ano é falso, porque esconde o facto de que as causas que levaram a isso, não mudaram. É enganoso pensar que uma Europa, até então imaculada, foi visitada por hordas de estrangeiros com os quais tem a ver.
A UE, embora não pareça devido aos aclamados “valores europeus” tem diversas formas de dissuasão de entrada de migrantes indesejados. Se as fronteiras dentro da UE caíram em 1990, à sua volta foram intensamente militarizadas, segundo a Amnistia Internacional. Entre 2007 e 2013, foram gastos cerca de dois mil milhões de Euros em proteção como vedações, sistemas de vigilância e patrulhamento terrestre e marítimo e foram investidos (no mesmo período) apenas setecentos milhões de Euros em infraestruturas e condições para receber refugiados. Esta crise não é apenas um movimento de refugiados, mas sim um sistema de fronteiras desenhado para os manter do lado de fora, num verdadeiro “World at War”.