O que eu quero da vida?
A pergunta acima, como uma flâmula, está estampada no universo de qualquer jovem sonhador/a, cujo desejo de consumar altas esperanças e objetivos distantes constituem o impulso teleológico manifesto da vida: a persecução de um determinado fim.
Assim ocorre que, na juventude, desde o momento em que se toma consciência de si como um ser autônomo e aspiramos a ser donos de nossos narizes, sentimo-nos poderosos e o mundo parece estar facilmente ao nosso alcance. Nesta etapa, não parece haver limites ou obstáculos que não possamos vencer ou superar.
Tanto isso é verdade, que na primeira metade da vida os objetivos estão claramente definidos: expansão, utilidade, eficiência, construção de uma boa imagem na vida social, autoafirmação, enfim... Assim, ocorre que muitas pessoas alcançam projeção internacional em suas carreiras das mais diferentes áreas, fazem fortuna, constituem sua prole assegurando-se de que sua carga genética esteja “a salvo”. De todos os pontos de vista, encontram um lugar em que possam ser aplaudidas pela sociedade através das redes sociais, o instrumento mais poderoso de que dispomos na atualidade para o reconhecimento público.
JUNG (1991)1, entretanto, ressalta que, quanto mais se aproxima do meio da existência e consegue se estabelecer em uma atitude pessoal e uma posição social, mais o indivíduo tem a impressão de haver descoberto o verdadeiro sentido da vida e os verdadeiros princípios e ideais do comportamento. Desta forma, estes são considerados eternamente válidos, esquecendo-se de que só se alcança o objetivo social com sacrifício da totalidade da personalidade. Assim, as pessoas em geral entram inteiramente despreparadas na segunda metade de suas vidas, e dão este passo guiadas pela falsa suposição de que suas verdades e seus ideais continuarão como dantes. Não se pode viver a tarde da vida segundo o programa da manhã porque aquilo que era muito na manhã, será pouco na tarde, e o que era verdadeiro na manhã, será falso no entardecer.
Conhecedores que somos de nossa finitude, embora até então tenhamos feito de tudo para negar e/ou expelir essa realidade incontestável, deparamo-nos com uma situação nova - alguns obstáculos sobre os quais não temos controle ou um horizonte que não conseguimos alcançar. Fatos estes que se nos impõem para demarcar uma nova realidade na qual aquela antiga ‘bússola’: “ O que eu quero da vida? ”, não nos serve mais. Nesta atualização dos fatos vale muito mais agora um termômetro que nos auxilie a sintonizar com:
O que a vida quer de mim?
Assim, é chegado um momento em que a ficha cai e percebemos que estamos aqui não apenas e tão somente em busca de nossa realização pessoal, para nosso gozo ou nosso prazer, mas para servir e trabalhar em prol do planeta e sua sustentabilidade e também do desenvolvimento de outros seres humanos / vivos. É quando o nosso ego sai de cena e cede seu lugar a demandas mais urgentes do universo. O nosso desenvolvimento pessoal tem sim uma finalidade, que é a lapidação de nossas ferramentas para desempenhar outras funções na grande orquestra que rege o funcionamento cósmico, cujas partes devem funcionar em harmonia e em uníssono.
Algo que ainda precisa ser aprendido na segunda metade da vida, seria colocar-se disponível e em sintonia no aqui e agora para que outro possa “agir em mim” ou “através de mim” na consecução de um bem maior para a humanidade e o planeta.
Uma pergunta muito boa para se fazer seria:“Para que serve o meu dom além de me ajudar a ganhar dinheiro, posição e prestígio social?”.
Não é à toa que todos fomos agraciados com um dom2. Você conhece bem o seu? Nem todos os dons se revelam na primeira metade da vida. Há quem se descubra fazendo coisas que nunca conseguiu fazer antes na segunda metade de suas vidas. De qualquer forma, trata-se de um instrumento que nos foi dado para melhor servir ao fim último para o qual viemos em nossa passagem pelo planeta. É pequeno pensarmos que estamos aqui tão somente para atender ao que é lisonjeiro e confortável para nosso ego.
Um exercício de alteridade é muito bom para nosso crescimento pessoal. Sair dos estreitos limites do egocentrismo e perceber que além das fronteiras do próprio ego existem muitos outros “eus”, cada qual com suas necessidades específicas, auxilia-nos a ter uma noção do nosso tamanho em relação às dimensões do universo e às necessidades de bilhões de pontos de luz à nossa volta.
O que a vida quer de mim sugere que se pare e pense no ‘para que’ estou ancorado(a) no planeta; e ainda que, a partir das habilidades específicas que o meu dom me confere, qual ação eu posso realizar para contribuir na mudança das cores das coisas, ação esta que é diferente do que o João ou a Maria faria.
Neste caso, é importante refinar a intuição e a sensibilidade, para o que aquele termômetro interno antes mencionado ajudaria bastante. Não nos esqueçamos que o universo “fala” conosco através das pessoas, dos acontecimentos e suas sincronicidades... Cabe a nós estar com as antenas ligadas para alinhavar conteúdos latentes, sublinhar ou colocar em negrito o que nos faça sentido, para então apreender o significado oculto das coisas.
Em se tratando de deixar um legado para a humanidade, todos nós pensamos em grandes feitos e grandes coisas, mas de repente, pequenas peças agrupadas e justapostas podem fazer a diferença na construção de um magnífico mosaico coletivo, cada qual tendo impressa sua marca!
Ubuntu3!
Reconhecimento:
1 JUNG, C.G. - A natureza da psique. In: Obras completas de Carl Gustav Jung. 3.ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1991, vol. VIII, t. II. p. 402.
2 Dom: qualidade inata, natural, aptidão, talento.
3 Ubuntu: “Eu sou porque nós somos”. Respeito, solidariedade e empatia. Filosofia africana presente na cultura de alguns grupos que habitam a África Subsaariana, cujo significado se refere a “humanidade com os outros”. A Filosofia Ubuntu resgata a essência de ser uma pessoa com consciência de que é parte de algo maior e coletivo. Assim, somos pessoas através de outras pessoas, visto que não podemos ser plenamente humanos sozinhos, tendo sido feitos para a interdependência.