Relendo Hegel deparei-me com um conceito de limite:
limite é a mediação através da qual algo e outro tanto são quanto não são.
Imaginemos que o limite é o que configura um espaço, um tempo, até mesmo uma percepção. É o que podemos chamar de marco, de contorno e, ainda, vejamos que a borda, a diferenciação que expressa o dito externo, por exemplo, configura também o dito interno. Esse processo dialético, Lacan quis resolver - na psicologia - com a fita de Möbius, tentando anular as bordas, os limites configurativos.
Eu afirmo que ser ou não ser só podem ser apreendidos e significados enquanto possibilidades relacionais. Nesse sentido, a possibilidade relacional sempre aponta para exercer-se ou negar-se, simplificado para sim ou para não. Ao assim se posicionar surgem limites. Essa nova configuração é significativa de ser ou de não ser. Esse significado só pode ser elucidado por meio de seus mediadores. A evidência revela posicionamentos, criando limites configurados e definidores do existir enquanto evidência, ou insinua-se como possibilidades dos mesmos. É o jogo do sim e do não, do poder e não poder, que se mostra. Lidar com essa alternância requer configuração ampla do que está estruturado. Nesse sentido nenhum fato traz em si suas leis, embora eles sempre as explicitem. Descobrir o limite estruturante nas tessituras do medido é o que vai estabelecer polarização configuradora de antítese, diferente de oposição paralela que nada explicita pois se trata de alinhamento de variáveis díspares. A mudança só existe quando apreendidos os limites, assim as mediações são configuradas tanto quanto os processos antitéticos.
Inúmeras vezes nos sentimos paralisados, até mesmo esmagados, pelas circunstâncias de nossas vidas individuais ou da sociedade na qual vivemos. A sensação de opressão e estagnação expressa a dificuldade de enfrentamento, a omissão e a percepção equivocada de que “tudo parou”, de que não existe saída para determinadas situações. Em psicoterapia, a modificação de problemas e empecilhos - esse impasse/solução mediado diante de transformações e seus limites - está sempre presente. O mesmo acontece com relação às necessidades de esclarecimento e mudanças sociais e políticas.
Como mudar o que aliena e destrói? É um processo que pode ser acelerado? Do que depende a aceleração? As vivências e os limites estão dispersos em vários contextos que os estruturam, tanto quanto nos contextos que os contêm. Esses contraditórios atuam quase como uma magia, pois a fragmentação de vários limites dispersos cria totalidades, espécies quiméricas, fantasmagóricas, ampliando os processos e aparentando linearidade.
Tem que haver a catalisação a x, o que por sua vez faz seu desenrolar em x1, x2, x3… xn, a fim de que possam ser configurados como limites e, assim, resgatadas suas estruturas mediadoras. É o limpar, o deixar no osso que permite reconstituir a totalidade, o esqueleto que, por sua vez, também é outro limitante. Enfim, a aparente e enigmática afirmação de Hegel se torna cristalina e permite entender que limite é acicate tanto quanto apoio, ou ainda, nos faz compreender que o que apoia oprime, e mais, que essas contradições são os percursos naturais de processos transformados por meio da quebra dos referenciais e perímetros que sempre estão a organizar a desordem e são também renovadores das contradições. Enquanto existirem pontos de apoio, sistemas outros e limites diversos estão a interferir nas mediações, nas mudanças.
Dar cara, voz e cor aos limites é a maneira de enfrentá-los, transformando-os, mas, quando ao desmascará-los, ao descobrir suas fisionomias, suas condições, essa descoberta é reveladora, transformadora, ela apazigua contradições e nos adapta às rodas, às engrenagens que mascaram as possibilidades de transformação, de mudança, além de criar subterrâneos limitantes e esmagadores de individualidades e de cidadania.
Enfim, mesmo quando não configurado, o movimento existe e se evidencia em outros níveis no momento não percebidos. Nada para, tudo continua e a única maneira de não ser esmagado pelo processo é ampliar e polarizar seus estruturantes de contradição, tornando assim coeso e consistente o que está fragmentado.