O texto visa contemplar a discussão da arte e o seu reverso pela característica da diversidade. A ideia é levantar nuances da dimensão da arte em relação aos quatro elementos da natureza. A provocação é realizada a partir da fenomenologia pautada na questão de que só arte pode trazer e elevar a consciência nos seres humanos.
Arte em sua existência remete a um caleidoscópio de formas entre a técnica e o ritual. Por sua vez, a arte traz o aporte da diversidade com a essência da sensibilidade pelo processo da socialização. Arte é a estética em movimento pela singularidade da técnica. Para o poeta Ferreira Gullart, “a arte existe porque a vida não basta”, para os filósofos Deleuze e Guattari, “o que se conserva, a coisa ou a obra de arte, é um bloco de sensações, isto, é, um composto de perceptos e afectos.” (O que é Filosófia?, p.193).
Por esses significados a arte é a revelação do imaginário a partir de uma técnica. Temos o artista, temos a ideia, temos os contempladores e temos os críticos. Por isso, a arte contempla várias formas de imaginários, são as variantes das singularidades para uma definição entre a estética da vida. Arte não é causadora do não esgotamento, em seu bojo não há falência, há sim uma pretensão em enraizar impressões e ternuras. Em seus extremos a arte depare-se entre o espaço e o tempo. Dimensões excêntricas entre o passado, presente e o futuro. Retrata aspectos de mudança no aporte das políticas públicas, na questão de financiamento e em seus limites de criação entre a ética e a moral. É contraditória, controversa e transgressora. É multidimensional, é virtual, é manual. Bem, é tudo que cabe onde é restrito. É drible, é resistência, é monumento, é história.
Arte é reflexo de um estilo, tendência, segmento, talento. Mas, a arte é encontro, como diria o poeta Vinícius de Moraes “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” É rabisco, é risco, é tudo e é nada. É recado, é dor, é alegria, é festa e fantasia. É falta do que não faltou, é saudade de um amor. É sonho e é poesia, é desejo de um instante, é a estética da alma. É um pacote de sentimentos pela chama da existência. É ponte, é metáfora, é sombra e é vestígio, é um descuido do sentido da razão ou é apenas a fuga de um desejo em contramão? É segredo e manifestação, é aplauso ou repugnação? Quanta diversidade, não é?
“Temos a arte para não morrer da verdade.” diz Friedrich Nietzsche. Já Para Luis Fernando Veríssimo, “a verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.” E para o poeta Fernando Pessoa “A arte é a auto expressão lutando para ser absoluta.” E o grande pintor Leonardo da Vinci afirma que “a arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível.”
Espelho da alma
Diante de tantos significados significantes a arte é o que temos dentro de nós. Certa vez fui fazer uma pesquisa em Custódia, Pernambuco, semiárido nordestino sobre o perfil das crianças do semiárido. Perguntei a uma menina o que era uma obra de arte, ela falou sem piscar, que era o espelho. Quanta grandiosidade! A arte é o espelho da alma, reflete nossos desejos por uma estética da pele. Pois bem, digamos que para você entender melhor como a arte sinaliza o cotidiano das pessoas é preciso compreender a essência existente em cada ser humano. Diante disso, relato que fui estagiária do folclorista Mário Souto Maior da Fundação Joaquim Nabuco em Recife, Pernambuco e Dr. Souto, como era chamado pelos seus amigos, tinha um problema no olho esquerdo devido ao acidente com uma baioneta. Virou o Camões do Recife.
Convivendo com Ledo Ivo e Breno Accioly virei poeta e publiquei Meus poemas diferentes (1938), duzentos e cinquenta exemplares por duzentos e cinquenta mil reis que meu pai pagou na tipografia do Sr. Maurício Ferreira, na rua do Rangel. Por essa época, quando fazia o Tiro de Guerra 303 da Associação Comercial, na rua da Imperatriz, a baioneta de um colega bateu no meu olho esquerdo com tanta força que ele nunca mais prestou, ficando, sem querer, colega de Camões, mesmo sem andar por mares nunca dantes navegados... Com a pancada do olho, fui passar uma temporada em Bom jardim onde meu pai era o prefeito...
(Mário Souto Maior - Folclorista, disponível aqui)
Para tanto, quando eu tinha que visitar sua sala, me sentia constrangida em olhar para Dr. Souto. O seu olho me dava agonia. Com o passar dos dias e da convivência, passei a escutar suas histórias, conversávamos de folclore e outras abobrinhas. Passei então a conhecer a alma de Dr. Souto, conversava com ele sem lembrar seu olho esquerdo. O seu olho de Camões deixou de ser alvo e passou a ser o conjunto da obra. Nesse sentido, a arte passa por uma dimensão estética da essência do imaginário.
Precisamos compreender a arte na dimensão do simbolismo dos quatro elementos da natureza, bem como, da mitologia e sua interação com a ciência. Na revista Continente Multicultural, numa matéria sobre o espetáculo do fogo, Nilza Vilaça afirma que:
O despertar do sujeito tem por preço o reconhecimento do poder como princípio das relações. Entre os primitivos, os ritos aproximavam os homens da pluralidade da natureza, enquanto o olhar científico unificou e petrificou a própria natureza. A magia visava fins pela mimese e não pela distinção e classificação como veio fazer a ciência, quer em relação à natureza propriamente dita, quer em relação aos homens.
(Revista Continente, Multicultural, Ano VI, Nº 63, Março/2006. VILAÇA, Nízia. «A Matéria desrespeitada». P, 22. Capa)
Nesse caso, devemos ressaltar que a ciência petrificou o olhar das pessoas em relação à arte, porque afastou as pessoas da pluralidade da natureza, lugar também ocupado pela educação e políticas públicas que por sua vez, devem desenvolver ações para desmanchar as rotulações existentes entre a arte e a ciência.
Gilbert Durand, em seu livro As estruturas antropológicas do imaginário, define o imaginário como nada mais que o trajeto no qual a representação do objeto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito e no qual, reciprocamente, as representações subjetivas se explicam pelas acomodações anteriores do sujeito ao meio objetivo. Para Bachelard, os quatro elementos são os hormônios da imaginação e o faz acentuando a pluralidade do sistema quaternário e seus aspectos ambíguos.
(Idem, p. 23 Capa)
Digamos que a arte necessita do imaginário para sua sobrevivência. E da pluralidade para que seja vista como reflexo da alma. Por sua vez, a arte é o vinculo entre a razão e a ciência.
Filosofia da Arte
É fascinante o poder da arte. Há, contudo, uma forma de comunicação que traz sensibilidade pela filosofia da arte.
Entre os contemporâneos de Weitz, esse projeto essencialista de apresentar uma definição real do conceito “arte” pode ser claramente identificado em um artigo do filósofo De Witt Parker que traz o sugestivo título de A natureza da arte (1939): A suposição que subjaz a toda a filosofia da arte é a da existência de alguma natureza comum presente em todas as artes (...) Admite-se que cada obra de arte possui um sabor único, um je ne sais quoi que a torna incomparável com qualquer outro trabalho; no entanto, há alguma característica ou conjunto de características que, ao se aplicarem a cada obra de arte, aplicam-se a todas as obras de arte, e a nada mais – um denominador comum, por assim dizer, que constitui a definição de arte (...) (p. 684)
Nesse sentido a arte possui o enigma entre o real e o imaginário construindo assim uma espécie de fusão entre o criador e a criatura. Portanto, a arte recebe do imaginário um cordão umbilical para execução de sua obra entre a tradição e a reinvenção. Para além desse universo fantástico da estética, a arte popular traduz em festa a alma do povo, exibindo os valores estéticos em cada cultura. É o que enaltece a reflexão de Vargas Llosa, “onde tudo: personagens, formas artísticas, anedota, estilos, se desdobra e se multiplica em imagens que expressam na sua infinita sutileza e diversidade humana”.
Ou seja, temos na arte uma infinita sutileza que conduz todo percurso de fruição. Não há esgotamento em seu acabamento. Há uma força invisível que nos conduz ao encantamento que pulveriza e irriga nossos sonhos e inquietudes. Não podemos viver sem a arte que faz do seu holograma real o avesso e o reverso ao mesmo tempo e espaço.
Por isso, a arte gera ruptura, mudanças sem perder a essência do seu processo para abrir novos caminhos e tendências. “A ruptura implica a rejeição ou abandono da ‘sabedoria’ conquistada. O retorno ao não saber é o fenômeno cíclico que injeta energia nova no processo artístico.” Ferreira Gullart
O reverso da Arte
Podemos chegar a um acordo provisório que arte e seu reverso contaminam o mundo com sua consistência e conflito. O que podemos salientar é que temos um compromisso em unir a arte com a educação, para que os alunos possuam um “tesouro de significantes”. Então, devemos construir a escola da vez oferecendo um cardápio de leituras sobre a arte em contraponto com a educação para interpretação do mundo e suas transformações. Estamos tão acostumados a fragmentar que não damos conta do estrago nas cabeças de nossas crianças. Neste particular, temos como saída envolver a arte que religa o imaginário ao mundo, a perspectiva com a educação acompanhada a onda do momento. Como afirma Alberto da Cunha Melo:
Em certo trecho de sua entrevista, Arthur Danto confessa que o seu interesse na Arte dirige-se mais ao sentido do que à forma, distanciando de Aristóteles, para qual o objetivo da Arte está em si mesma, seu objetivo é puramente estético (Platão pensa ao contrário). O todo poderoso Lessing fica a meio caminho: “A beleza é a única finalidade do artista, mas nem por isso a Arte deve ser autotélica.”
Para concluir e deixar fluir
A arte é o ponto que registra a infinidade do imaginário com a estética, são pele e alma numa plástica em indefinição. É a relação com arte que permite uma aproximação entre os quatro elementos. Somente pela arte construiremos seres humanos com capacidade de interpretar o mundo moldado pela ternura. Apenas com a arte poderemos adquirir consciência, mesmo porque o ser humano necessita religar-se ao mundo. É no reverso da arte e na arte do reverso que nos tornamos mais humano.
Referências
Revista Continente Multicultural, Ano VI, Nº 63, Março/2006. VILAÇA, Nízia. «A Matéria desrespeitada». P, 22. Capa.
MONCHO, Rodrigues. «A alma por um fio». Revista Continente Multicultural. Ano VI. Nº66. Junho/2006.
GULLART, Ferreira. «Rupturas». Revista Continente Multicultural. Ano VI. Nº66. Junho/2006.