O Museu de Arte Sacra de São Paulo – MAS/SP, abriu o seu calendário de exposições de 2018 com Urubu Ka´apor. Em comemoração ao aniversário da cidade de São Paulo, a mostra exibe adornos, objetos litúrgicos e cerimoniais de várias etnias brasileiras. A curadoria da exposição é de Beatriz Cruz, que contou com a colaboração do Museu Índia Vanuíre, da cidade de Tupã/SP.
O acervo da exposição, mais do que obras de arte, são artefatos de uso cotidiano, de festas, de celebração e de tradição dos povos ressaltados. Através dos mesmos, podemos testemunhar seus modos de vida e visão de mundo. Os adornos exibidos, mais do que beleza, possuem significados próprios. Segundo o diretor executivo do MAS-SP, José Carlos Marçal de Barros:
“Entre os Wayana, a procriação é comparada à técnica da arte plumária. Para eles, as crianças são ‘feitas’ por meio da justaposição de partículas que ‘tecem’ a pele do bebê da mesma forma que uma pena é enfileirada à outra na confecção de um adorno; também acreditam que as coisas e pessoas são parte de quem as criou. Desta forma, a arte plumária é vista como uma extensão do próprio corpo de quem a usa. Já entre os Palikur, as penas caudais e das asas da arara canga são consideradas como possuidoras de grande poder e são largamente utilizadas em inúmeros objetos a fim de afugentar influências malignas. Os Urubu Ka’apor confeccionam um grande cocar de penas amarelas, cujo protótipo lhes teria sido dado pelo herói-criador Maíra como um símbolo do Sol, sendo usado nas festas de nominação masculina. Os Tapirapé criam uma máscara de madeira revestida de penas de arara e gavião, representando o espírito do inimigo morto em combate, usada nas festas que o homenageiam. O magnífico cocar Kroco ti, dos Kayapós, simboliza a própria aldeia. As penas azuis, colocadas no centro, representam a praça, que é o local masculino e público por excelência, enquanto que as penas vermelhas, periféricas, representam o mundo feminino e doméstico. Como acabamento, são colocadas penugens brancas, que representam a floresta”.
Das peças elementares dos Ka´apor aos leques occipícios Karajá, nos são revelados modos de fazer repletos de ancestralidade. Uma realidade muito distante da nossa atual, onde reina uma rápida obsolescência dos produtos e aparatos tecnológicos. Nas palavras da curadora Beatriz Cruz: "O mesmo espanto que tomou conta dos primeiros colonizadores e visitantes estrangeiros ao tomar contato com os artefatos produzidos por nossos índios, continua a nos surpreender pela técnica empregada, pelo uellinoso, pela tradição que resiste apesar de toda nossa indiferença". A respeito disso, José Roberto Marcellino dos Santos, Presidente do Conselho Consultivo do MAS/SP, afirma: "Até que se compreendesse que para além de ornamentos corpóreos tinha funções solenes e ritualísticas evocando aspectos do sagrado, muito tempo se passou e lamentavelmente várias etnias desapareceram. Principalmente devido a aculturação, essa arte corre o risco de desvirtuamento, transformando objetos simbólicos em materiais comerciais e turísticos".
A arte plumária é encontrada em todas as etnias brasileiras, totalizando aproximadamente 305 grupos distintos, sendo os mais conhecidos: Guaranis, Tupinambás, Kaxuyana, Karajás, Guajajaras, Xingú, Xavante, Mundurucu, Ka'apor, Yanomamis, Kaiapós, Bororó. Segundo estimativas, a população indígena, na época da descoberta do país, era algo em torno de 5 milhões de habitantes. Hoje, a população indígena está reduzida a cerca de 400.000 pessoas. "Em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde coexistem mais de 150 línguas indígenas faladas, esta mostra representa uma pequeníssima parcela de toda a riqueza da cultura material dos primeiros habitantes do nosso país", conclui Beatriz Cruz.
Os Urubu Ka´apor ( ou Kaapor ou Urubu Kaapor) surgiram como povo há cerca de 300 anos, provavelmente na região entre os rios Tocantins e Xingu. Especula-se que por causa de conflitos com colonizadores luso-brasileiros e com outros povos nativos, iniciaram uma longa e lenta migração que os levou, nos idos de 1870, do Pará, através do rio Gurupi, ao Maranhão. Alguns colonizadores brasileiros que atacaram e aniquilaram aldeias Ka'apor, por volta de 1900, ficaram surpresos ao descobrirem esplêndidos cocares de penas coloridas dentro de pequenos baús de cedro, que os sobreviventes, em fuga, teriam deixado para trás. Quando as autoridades brasileiras tentaram "pacificá-los" pela primeira vez, em 1911, os Ka'apor, como os Nambiquara no Mato Grosso, eram considerados um dos povos nativos mais hostis no país . Tal pacificação, tanto dos Ka'apor quanto dos karaí (não índios), ocorreu em 1928 e durou por quase 70 anos. Recentes invasões da terra dos Ka´apor pelos Karaí, entretanto, ocasionaram novas hostilidades e estão colocando a sobrevivência étnica dos Ka´apor novamente em risco.