Tudo que existe ocupa um lugar no espaço, tanto quanto existe em um tempo. Este é um conhecimento básico. Qualquer experiência humana, enfim, qualquer vivência é sempre exercida pelos processos perceptivos que atestam, que permitem a constatação de que tudo que existe ocupa um lugar no espaço e existe em um tempo.
Variações temporais (passado, presente, futuro) e espaciais estabelecem modalidades que propiciam separar posições relacionais, desde as mais simples como: “eu agora me lembro“, “estou aqui”, “está alí”, até o “não sei quando”, “não sei onde”, vivenciando-as como aderências cognitivas e significativas, embaralhando e se perdendo nas próprias vivências do real e imaginado, realizado e desejado, enfim, espacializando o tempo, fazendo com que o mesmo ocupe um lugar no espaço. Esta densificação da temporalidade é uma das distorções mais frequentemente realizadas quando não se aceita a continuidade e sequência de acontecimentos e mudanças. Isto ocorre, por exemplo, quando se desenvolve aversão a um dia da semana, porque foi o dia da morte do pai. O tempo vira espaço e espacializar é transformar em fetiche, em ornamento necessário para expressar medos, dores, lutos e traumas.
Para os filósofos védicos, a questão do tempo e do espaço era fundamentalmente abordada como finito e infinito. Shankaracharya falava que o finito ignora o infinito ou ignora que é também infinito, esta “ignorância” é a causa de todos os sujeitos e objetos (mundo empírico).
Há poucos meses, visitando uma exposição de trabalhos de Louise Bourgeois, li uma de suas frases que dizia: “Espaço não existe, ele é apenas uma metáfora para a estrutura de nossa existência”. Quando li lembrei de Heidegger - temporalidade como morada do ser -, pensei que tanto Shankaracharya, quanto Louise Bourgeois e Heidegger advogam uma metafísica no enfoque das questões de temporalidade e espacialidade, transformando atributos em substantivos ou vice-versa, no desenvolvimento das questões de estrutura, existência, finito e infinito, denso, sutil.
As vivências temporais e espaciais são mais explícitas quando abordamos as percepções de tempo e espaço. Ao focalizarmos o homem, ele é Figura* e o mundo é Fundo (e vice-versa) e ao tentar compreendê-lo temos toda a nossa atitude referenciada no Fundo, no contexto que nos permite esta percepção, nos referenciais de determinação, ocasionando parcialização perceptiva. Diremos, por exemplo, que o homem é fruto de uma sociedade, que é resultante de uma família, que reage a padrões biológicos etc enfim, estes referenciamentos impedem a percepção globalizada do homem. Para que realizemos a globalização é necessário perceber o homem-no-mundo. Homem-no-mundo é uma Gestalt - totalidade -, percebemos uma relação constante e integrativa - homem-no-mundo - que não pode ser dividida. O homem, quando nasce, ocupa um lugar, tem um plano puramente biológico de existência, mas, ao encontrar o outro, é modificado, começa a ser humano graças à nova dimensão, a dimensão do outro. Por exemplo, a mãe não é mais um canal que transmite a informação demandada de alimento, a mãe é uma Gestalt, uma totalidade, um sistema que transmite esta informação. A expressão significativa das formas passa a existir. Não se trata de época, tempo como dado cronológico. Trata-se da transformação de uma relação quantitativa, em uma relação qualitativa. Ganhando condições de ser humano, dado a vivência de estar-no-mundo com outros seres em determinada organização cultural, o homem começa a perceber-se não mais como um organismo, pois seu contexto já não é apenas orgânico, seu contexto é também social, religioso, econômico, moral. O homem está no mundo, é por ele constituído enquanto configuração espacial resultante de padrões culturais, morais, sociais e econômicos, sendo também um constituinte destes mesmos padrões enquanto vivência temporal.
A percepção do tempo, sua vivência, é feita através de referenciais, tal como ocorre em toda percepção de qualquer fenômeno. O referencial para a percepção do tempo é o espaço vital do indivíduo, significado por suas memórias e atitudes. A vivência humana se constitui pela transcendência do espaço, pela saída de posicionamentos para relacionamentos, pois ao nos relacionarmos com o outro, constituimo-nos em temporalidade: passado, presente ou futuro. Participando da relação com o outro que está conosco, constituimo-nos no presente; relacionando-nos com o outro enquanto transmissor de atitudes apriorísticas, presentificamos o passado; relacionando-nos em função de metas, antecipamos o futuro. Assim, conceituo o ser humano como temporalidade enquanto vivência relacional e como espacialidade, no sentido de posicionamento estruturado. O relacionamento com o outro transcende a imanência biológica e confere, ao homem, condições de humanidade, e esta vivência é temporal. Quando nos situamos apenas na faixa do biológico, somos um organismo com necessidades de relacionamento. O ser humano é temporalidade enquanto vivência psicológica. Seu relacionamento com seu situante constituinte, o mundo, o outro, é feito através da percepção, daí, sua vivência psicológica ser toda sua condição de relacionamento.
Tudo depende do outro, contexto que permite transformação: seres em movimento; ou que geram espacialização: seres posicionados.
- A organização perceptiva obedece a leis (Gestalt Psychology) cujo princípio básico é o de que toda percepção se dá em termos de Figura e Fundo; percebemos o elemento figural e o Fundo nunca é percebido embora seja estruturante da percepção. Existe sempre uma reversibilidade entre Figura e Fundo, o que é Figura transforma-se em Fundo e vice-versa.