Os filmes finlandeses são uma rica parcela da cultura cinematográfica nórdica. Produções despretensiosas e de qualidade transformam a Finlândia numa diversificada e surpreendente cinemateca.
No meio da confusão geográfica do Norte do Atlântico -no território europeu que se estende pela Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia e Dinamarca- culturalmente encontramos muito mais do que Jostein Gaarder e Bjork. Encontramos cinema, e dos bons. E não é apenas por causa dos clássicos de Ingmar Bergman, nem do talento de Bibi Andersson. Refiro-me ao cinema finlandês, que considero mais modesto e, arrisco afirmar, com uma atmosfera mais tranqüila.
E essa, digamos, humildade cinematográfica nada tem a ver com o alcance das técnicas disponíveis. Tem a ver, sim, com uma tradição de humanizar a linguagem cinematográfica. Uma escolha que leva na direção contrária da colossal indústria americana e seus dogmas. E leva, também, na direção contrária de alguns cinemas europeus, fazendo do finlandês um tipo singular. Mesmo que tal discrição no uso das mais avançadas tecnologias -sobretudo se apenas servirem para alcançar condecorações técnicas- seja observada em quase todo o cinema europeu, não somente no nórdico.
Essa troca de prioridade -da alta tecnologia pelo conteúdo- como os diálogos e enredos bem talhados, personagens e emoções bem exploradas - possibilitou produções européias espetaculares com uma verba relativamente baixa. É irrisória a taxa de blockbusters importados do velho continente: é algo que não interessa ao cinema europeu. Tanto é o caso que muitos reclamam dele, considerando ser um cinema pesado, ou demasiado introspectivo. Isso se dá exatamente por esta humanização, pela prioridade que se dá à personagem. Tudo acompanhado por um característico movimento de câmara que busca a estética do sentimento, apenas. E consegue um resultado genuíno, sem glamour ou glórias, mas com toda a beleza da simplicidade da técnica e narrativa, a fim de mostrar a complexidade, apenas, do fator humano. Um sintoma muito europeu, sim. Também muito nórdico, sim. Mas a Finlândia, especificamente, o apresenta com maestria. Trabalha muito com o silêncio e com os gestos, num humor seco, mas carregado de dramaticidade. Considero que este é um cinema reflexivo, e é preciso maturidade para aceitar esse processo, muitas vezes tedioso.
O cinema finlandês tem uma história discreta, mas desde a década de 50 já se posiciona no universo da sétima arte. Sofreu uma revolução cinematográfica que marcou o final dos anos 60 e começo da década de 70 com produções como “Com o Pássaro Fênix”, 1972, de Risto Jarva, e “Oito Balas Mortais", de Mikko Niskanen. Esses realizadores, entre outros, refletiam o cinema político da Finlândia, o qual tratava fundamentalmente das questões sociais. Depois de uma vasta produção de documentários nos anos 90, a indústria cinematográfica finlandesa alcançou, nos anos 2000, um grande número de indicações e premiações.
Um dos nomes que destaco é o genial Claes Olsson. Quando assistimos os trabalhos deste realizador finlandês, a simplicidade fica evidente na forma de valorizar a personagem e não somente a técnica. A genialidade despretensiosa de seu cinema centraliza o conteúdo e não a forma. Posso citar a clássica comédia “Mulheres Maravilhosas à Beira do Mar”, 1998, na qual vi influências de Almodóvar com toda a sua histeria, justificada em enfatizar justamente as personagens e suas emoções. Em seu drama-comédia “Tons de Felicidade”, 2005, nota-se também a preocupação do diretor em transmitir a estória como parte da personagem e não a personagem como parte da estória. Em entrevista no lançamento de seu outro filme, o drama “Avenida Colorado”, 2007 –uma adaptação do romance do escritor finlandês Lars Sund–, o cineasta salienta a preferência por trabalhar com amigos, pois eles entendem e partilham o mesmo ponto de vista, demonstrando sua tendência caseira, por assim dizer, de fazer cinema.
Outro cineasta finlandês que não poderia deixar de destacar é Aki Kaurismäki. Seus trabalhos estão entre as melhores produções finlandesas. O polêmico, mas genial, Aki Kaurismäki é irmão de outro brilhante diretor, Mika Kaurismäki. Juntos conseguiram voltar os olhos da indústria mundial cinematográfica para a Finlândia. Mas destaco o trabalho de Aki. Pessoalmente, gosto da sua acidez silenciosa, que usa para alfinetar a sociedade em “A Garota da Fábrica de Caixa de Fósforos”, 1990. Já em "O Homem Sem Passado" –longa que venceu o Grand Prix no Festival de Cannes no ano de 2002, e que também foi indicado ao Oscar do mesmo ano– mostra seu humor peculiar e cínico. Seu trabalho seguinte, “Luzes Na Escuridão", 2003, foi, também indicado ao Oscar na categoria de “Melhor Filme de Língua Estrangeira”. Porém, em ambos os anos, Kaurismäki protestou recusando as indicações para registrar seu desgosto e reprovação face à então política externa dos Estados Unidos. Seu boicote à Academia durou quase uma década até que, finalmente, resolveu aceitar a indicação à corrida pelo Oscar por seu último filme, "Le Havre", 2011. Seguindo suas típicas alfinetadas, “Le Havre” destaca a questão da imigração na França.
O cinema finlandês cede destaque à personagem e, muitas vezes por meio do silêncio, permite a reflexão sutil. Há assim maior aproximação entre o espectador e a trama. É um cinema curioso. E é preciso assisti-lo com certo desprendimento dos exaustivos padrões técnicos e estéticos da maioria dos filmes que correm pelos circuitos de exibição.