Dolores nasceu Adiléia e veio ao mundo para se tornar “a rainha da dor de cotovelo”. A voz que falava de sentimentos como ninguém. A compositora das letras tristes. Uma das maiores representantes do nosso samba-canção. A cantora que ia do bolero ao jazz, do samba ao forró, de um ritmo a outro com uma versatilidade impecável. Da fossa a bossa, conheça agora, Dolores Duran.
Dolores, que foi primeiramente batizada Adiléia Silva da Rocha, nasceu em 1930 na Rua do Propósito, bairro da Saúde, no Rio de Janeiro. De família pobre, com pai ausente e um problema cardíaco advindo de uma doença da infância, tinha sonhos maiores que ela mesma. Sonhava ser uma cantora famosa. E poucas vezes passou pela música popular brasileira uma mulher de tamanha sensibilidade.
Começou a carreira ainda menina e sua primeira participação musical foi no programa Calouros em Desfile, que era comandado por Ary Barroso e seu temido gongo, na Rádio Tupi. Ela cantou um bolero em espanhol e encantou Ary, que costumava gongar os candidatos que não cantassem músicas em português. Levou a nota máxima e não parou mais.
Por conta de dificuldades familiares, Adiléia largou a escola para ajudar em casa. Estava no ensino primário. Nesse período atuou em novelas na Rádio Cruzeiro do Sul, em programas na TV Tupi e no Teatro. Com esses trabalhos, até conseguiu juntar um dinheirinho e tentou retomar os estudos, mas acabou sendo expulsa do colégio por falta de pagamento e resolveu largar de vez a vida escolar.
Muito inteligente Adiléia era autodidata. Aprendeu a cantar sozinha ouvindo discos e vários idiomas – Inglês, Francês, Espanhol e até Esperanto. A carreira tomou um impulso ao conhecer o casal Lauro e Heloisa Paes de Andrade, que fizeram de tudo para transformá-la em uma grande cantora. Nascia Dolores Duran. Dolores, um nome com uma enorme carga de sofrimento. E Duran, um sobrenome que sugere que a dor persiste.
Agora como Dolores Duran, conheceu o jornalista Antônio Maria, que viria a ser um grande amigo e fã de seu trabalho. Antônio escreveu vários artigos sobre a cantora, o que serviu para espalhar seu talento. Dolores encantava os frequentadores das boates cariocas e acabou ganhando fama. Com isso, foi contratada pela Rede Nacional para participar do programa Pescando Estrelas. Dolores tinha uma forma muito intimista de interpretar, tinha uma voz uniforme e boa pronúncia. Chegou até a arrancar elogios de Ella Fitzgerald para sua interpretação de My Funny Valentine.
Muito romântica e à frente do seu tempo, Dolores correu pela vida sem freios. Era namoradeira e não se poupava em aproveitar seu tempo. Um dia, disse a um ex-namorado que pedia para reatar: “Repeteco não dá não! Se não deu certo na primeira, não dá certo na segunda. Isso aqui não é gravação”. Entre seus namorados estiveram Billy Blanco e João Donato.
Na década de 50, passou a cantar na badalada boate do Hotel Glória. Em 1952, lançou o seu primeiro disco, com músicas para carnaval. Já em 1955, seu coração deu os primeiros sinais de cansaço. Com apenas 25 anos, Dolores ficou um mês internada por conta de um infarto. E mesmo após as recomendações médicas, continuou abusando do álcool, cigarro e noitadas. Ela vivia acompanhada pela sombra da morte, sabia disso e por isso mesmo não deixava de levar a vida como queria.
Mesmo com o susto, Dolores conseguiu superar as dores da vida através da sua inspiração musical. Fazia poesia popular, que falava da vida e do cotidiano de uma forma natural. Em uma parceria com Tom Jobim, compôs “Por causa de você”,“Se é por falta de adeus” e “Estrada do sol”. A versão de Dolores para “Por causa de você” foi composta em menos de 5 minutos, enquanto ela ouvia Tom dedilhar a melodia em um piano da Rádio Nacional. Vinicius de Moraes, que havia criado outra letra, cedeu a ela a música depois de ler a letra de Dolores. E esta se tornou uma das mais belas composições da música brasileira.
Ainda nos anos 50, casou com Macedo Neto, ator e compositor, que conheceu nos estúdios da gravadora Copacabana. Mas se separaram pouco tempo depois, por causa das divergências de opinião. Ela até chegou a engravidar, mas perdeu o bebê e ficou estéril. O que contribuiu ainda mais para a separação.
Sua vida profissional estava no auge. Em 1958 cantou no Uruguai, União Soviética e China. Conheceu Paris e passou uma temporada lá. Na volta, adotou uma órfã deixada em sua porta e batizou a menina de Maria Fernanda, dando a ela o sobrenome do ex-marido, Macedo Neto.
Aos 29 anos, já tendo gravado mais de 20 discos, um dia seu coração explodiu, tamanha a intensidade com que viveu. Dolores morreu de um infarto fulminante enquanto dormia, mas não sem antes dizer sua famosa frase “Não me acorde, estou cansada. Vou dormir até morrer”. Foi uma dor só, a dor do adeus. Dolores viveu e morreu do coração. E até hoje, ela encanta gerações com sua voz cheia de ternura, uma voz que cantava sobre o doce e amargo sabor de se viver um grande amor.