"Comemos não porque estamos com fome, mas porque estamos entediados, estressados ou ansiosos", observa Susan Albers, PsyD do Centro de Saúde da Mulher na filial de Wooster da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos. Albers ressalta que a ligação entre o que comemos e como nos sentimos é forte, por isso buscamos nossas guloseimas favoritas para nos confortar e comemorar. Entretanto, quando usamos rotineiramente a comida como um mecanismo de enfrentamento para lidar com situações desagradáveis ou sentimentos ruins, estamos diante de um comportamento conhecido como "comer emocional".
Na prática, o comer emocional busca suprimir ou anestesiar as emoções, que muitas vezes não sabemos como enfrentar. E, em vez de assumir o controle de nossas vidas, deixamos que a comida faça isso por nós. Trata-se de comer em resposta a um gatilho emocional, que pode estar associado à busca de conforto e presença afetiva, distração de emoções desagradáveis, compensação (diante de infortúnios vividos no dia) ou até mesmo como forma de punição.
Dessa forma, o comer emocional está intimamente ligado às emoções do indivíduo, como se, ao olhar para a comida, ele projetasse ali sentimentos, frustrações e lembranças. A pessoa, então, começa a comer suas emoções, em uma tentativa de provocar estados de afeto, prazer e satisfação. Entretanto, isso fica ainda mais evidente quando o alimento é doce. Neste artigo, vamos enfatizar a relevância que o chocolate tem tanto no comer emocional, quanto nas memórias afetivas que tornam a iguaria tão especial.
O chocolate se enquadra na categoria de "comida de conforto", pois, além de proporcionar prazer e bem-estar, também proporciona aconchego. São esses alimentos nostálgicos que estão intimamente ligados às nossas emoções. De acordo com o artigo The psychobiology of comfort eating: implications for neuropharmacological interventions (2012), as comidas de conforto são alimentos altamente familiares da nossa infância, também conhecidos como "alimentos de berçário" ou talvez "comida caseira" (ou "da mãe)".
Esses alimentos são frequentemente associados a ocasiões especiais e, portanto, capazes de evocar lembranças felizes. O impacto psicológico de tais alimentos pode estar mais relacionado à segurança, no sentido de lembranças de apego seguro (ou de um desejo por isso) ou, pelo menos, de vínculo social, em vez de necessariamente aliviar o afeto negativo, aponta o artigo.
É por isso que dizemos que o chocolate tem gosto de afeto, porque ele nos afeta emocionalmente, além de estar relacionado ao amor. É o afeto que nos afeta. No caso do chocolate, não é que ele seja viciante, mas o hábito de consumi-lo compulsivamente para aliviar algum tipo de estresse, ansiedade ou estado de angústia. Além disso, como o chocolate é doce, ele nos faz lembrar do primeiro alimento de nossas vidas: o leite materno!
Sob esse viés, é possível observar que os alimentos consumidos para aliviar o afeto negativo podem ter qualidades particulares, como atributos sensoriais ou nutricionais, que lhes permitem ter uma sensação de bem-estar, como é o caso do chocolate. Assim, a iguaria, quando consumida principalmente em estados de humor melancólico, produz um efeito único: quando se deseja especificamente chocolate, somente o chocolate satisfará esse desejo. As propriedades orossensoriais do chocolate e o desejo de gratificação são suficientes para explicar a motivação para a ingestão de chocolate, e a visão e o cheiro do chocolate são suficientes para desencadear o desejo, aponta uma revisão em Mood state effects of chocolate (2006).
Muitas de nossas memórias de infância estão ligadas ao chocolate, seja uma barra, um sorvete ou um bolo, registrando em nós um apelo nostálgico e sentimental. Desenvolvemos uma relação afetiva e terapêutica com a iguaria e, quando nos sentimos ansiosos ou tristes, desejamos o "apego seguro" que o chocolate nos proporciona em momentos de desconforto. Mas não é apenas com a memória sensorial que o chocolate interage. Ele também desempenha um papel importante nos neurotransmissores dopamina, serotonina e endorfina, que atuam no sistema de recompensa, no apetite e na regulação do humor. Portanto, o chocolate não promove apenas o conforto físico, mas também o emocional.
Julie Locher (2005) classifica os alimentos de conforto em quatro categorias: alimentos nostálgicos (relacionados a alguma experiência significativa para a pessoa, associados ao cuidado e ao afeto); alimentos de indulgência (motivados pela criação de uma sensação de segurança e recompensa diante de uma situação percebida como angustiante ou desagradável); alimentos de conveniência (relacionados à praticidade e ao consumo imediato, como os produtos industrializados); alimentos de conforto físico (aqueles cuja composição e textura proporcionam ao indivíduo uma sensação de prazer e bem-estar).
É possível perceber que as comidas de conforto vêm para proporcionar alívio e conforto emocional, ao mesmo tempo em que conecta as pessoas a eventos importantes da vida. Assim, o ato de comer passa pela memória das emoções. De acordo com Bertotti (2010) essa relação emocional não é com o alimento concreto, mas com o que ele representa, com o significado atribuído a ele em tempos mais remotos.
Um artigo publicado pela Universidade de Haifa em 2014, aponta uma ligação direta entre a região do cérebro responsável pela memória do sabor e a área responsável por codificar a hora e o local em que experimentamos o sabor. Além disso, esse sabor está associado a lembranças de estar em um lugar onde algo positivo ou negativo aconteceu.
John S. Allen, antropólogo e escritor sobre o cérebro e o comportamento humano, em seu livro The Omnivorous Mind: Our Evolving Relationship with Food observa que, com base em nossa ancestralidade primata como buscadores e comedores de frutas, a doçura dos doces aperta um botão em nosso cérebro, algo como um "dente doce natural". No caso do chocolate, além de ativar os centros de recompensa do cérebro (dopamina) e nos dar prazer, ele também está associado a lembranças agradáveis da infância, quando éramos presenteados com alimentos doces, em festas e ocasiões especiais.
Dra. Rogéria Taragano, mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do serviço de psicologia do AMBULIM-IPq-HC-FMUSP aponta que, antes mesmo de o indivíduo consumir o alimento, ocorre um processo chamado de "pré-recompensa", ou seja, um prazer antecipado que sentimos só de pensar que coisas boas ou interessantes virão, com base em lembranças. Só de pensar na recompensa que ainda está por vir, o cérebro já libera vários neurotransmissores ligados ao prazer. Como o "estímulo alimentar" já antecipa uma experiência prazerosa, ele pode se tornar um estímulo ambiental, capaz de prender a atenção do indivíduo e desencadear comportamentos exagerados em relação a alimentos mais calóricos, como o chocolate.
No atendimento a pacientes com Transtornos Alimentares, Taragano observa o uso do chocolate no comer emocional para aliviar emoções consideradas negativas, como tristeza, tédio, raiva e ansiedade. Segundo a psicóloga, o ato de comer tem um apelo emocional, o que fará com que o mecanismo seja considerado prejudicial é a frequência e o contexto em que ele ocorre.
A função do alimento é nutrir. Entretanto, quando comemos (com frequência) por emoção, geralmente procuramos alimentos que nos confortem e nos transportem para um momento em que nos sentiámos seguros e aquecidos. Buscamos alívio psicológico por meio de alimentos que nos confortam e nos levam de volta a uma época de nossas vidas em que as coisas eram agradáveis. É assim que o comer emocional se relaciona com os alimentos de conforto, como o chocolate.
Por esse motivo, além de ser saboroso, o chocolate tem gosto de afeto.